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A genética humana e o Departamento de Genética da UFRGS

Primeiro laboratório de genética no porão da Faculdade de Direito da UFRGS, 1949.

A história do Departamento de Genética da UFRGS acompanha o desenvolvimento do campo da genética e dos estudos sobre a diversidade biológica humana no Brasil e no mundo. O Departamento nasceu e se desenvolveu amparado por uma conjuntura científica internacional do pós-guerra e da Guerra Fria, de intensa influência cultural americana na ciência e educação científica brasileira, localmente instrumentalizada durante a Ditatura Militar pós-1964, em prol de uma “modernização conservadora” nas universidades do país.Reitoria da UFRGS, década de 1960

É nesse contexto político-científico de investimentos internacionais em países de “Terceiro Mundo”, que, por exemplo, foi possível a expansão do trânsito internacional de uma geração de jovens pesquisadores brasileiros para treinamento científico no estrangeiro entre os anos 1950 e 1960, sobretudo aos EUA, em vários campos de conhecimento, com destaque para as ciências biológicas e biomédicas, tais como a genética. Além de ter proporcionado as condições de possibilidade para se ter apoio na criação e instrumentação de laboratórios em instituições universitárias brasileiras, incluindo o de genética da UFRGS.

Já é sabido que as atividades de pesquisa em genética na UFRGS tiveram seu início com a criação de um pequeno laboratório para estudos sobre mosca de frutas (drosófilas) nos porões da Faculdade de Direito por iniciativa de Antônio Rodrigues Cordeiro – então professor assistente da cátedra de biologia geral da antiga Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (depois UFRGS). Francisco Salzano já na ocasião o acompanhava como assistente. Ambos são da geração de geneticistas brasileiros, financiados pela Fundação Rockefeller, que foram treinados na genética por Theodosius Dobzhansky, quando este visitou o Brasil em fins dos anos 1940 e ministrou cursos de especialização para a formação de jovens pesquisadores de várias partes do Brasil em genética e evolução. 

Salzano, ao lado de seus colegas em trabalho de campo para coleta de Drosophilas em Tainhas.  Da esquerda para a direita: Antonio Rodrigues Cordeiro, Franscisco Mauro Salzano, Danko Brncic, L. Glock e Theodosius Dobzhansky. 1956.

Francisco Salzano foi quem, entretanto, em meados dos anos 1950, investiu esforços em direção ao estudo da genética das populações humanas. Foi durante seu estágio pós-doutoral em Ann Arbor, na Universidade de Michigan (sob supervisão do geneticista americano James V. Neel) que suas pesquisas foram direcionadas para a genética das populações humanas, quando deu início o seu envolvimento com a genética das várias populações indígenas brasileiras. É com o tema da genética de “populações de interesse especial”, tais como as indígenas, e pelas contribuições metodológicas - tais como o trabalho de campo, interdisciplinaridade e produção de dados e amostras biológicas, que, desde então, o Departamento passou a ser reconhecido como instituição de referência em genética humana no Brasil e no exterior.

O mestrado e o doutoramento em genética no departamento iniciaram-se ainda nos anos 1960, sendo que a primeira tese defendida, sob orientação de Francisco Salzano é de 1968. Eleidi Freire-Maia, que atuou como professora na UFPR, e Fernando José da Rocha, ambos aqui entrevistados, são dessa primeira geração de pesquisadores em genética humana, formados por Salzano no Departamento.  Aliás, Salzano foi um dos líderes na formação de pesquisadores, tendo orientado, citando-se em números: 45 doutorandos e 48 mestres ao longo de sua carreira. Nas dezenas de anos de trabalho de Salzano no Departamento, podemos acompanhar a expansão da pós-graduação, as várias frentes de investigação e as transformações institucionais, epistemológicas e técnico-científicas do campo da genética humana, como o advento da técnica do DNA e a genômica.

Genealogia acadêmica do professor Francisco Mauro SalzanoMuitos dos ex-alunos de Francisco Salzano e de outros pesquisadores em genética humana permaneceram no Departamento e mantiveram o tema da genética em “populações de interesse especial” em suas agendas de pesquisa. Para captar a dinâmica geracional na história do Departamento, é interessante acompanharmos as narrativas dos pesquisadores Eleidi Freire-Maia, Fernando da Rocha, Mara Hutz, Tânia Weimer, Maria Cátira Bortolini, Sandro Bonatto e Verônica Zembrzuski, que falam sobre suas trajetórias, formação e atuação no campo da genética humana.

E é na sequência das gerações de pesquisadores em genética humana do Departamento, que fica visível como o grupo adere a uma frente de atuação biotecnológica, marcada pela criação do Centro de Biotecnologia e ações científicas junto ao serviço de Genética Médica do Hospital de Clínicas de Porto Alegre – em atividades como testes e aconselhamento genético, por exemplo.

Desde meados dos anos 1980 e nos anos 1990, pós-redemocratização no Brasil, o desenvolvimento das pesquisas é marcado por novos investimentos na ciência nacional – decorrentes do PADCT, Programa de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (junto a FINEP) e das novas políticas de ciência e tecnologia previstos na Constituição Federal de 1988, e que permitiram outras condições espaciais e de infraestrutura para o Departamento, tais como a mudança das atividades para um novo prédio no campus do Vale da UFRGS, onde, por exemplo, passou a funcionar o laboratório para pesquisas com DNA (ver entrevista Mara Hutz e Tânia Weimer) – dando condições estruturais para colocar o Departamento no cenário de pesquisa genômica e, cujas condições espaciais, tornaram possível o trabalho de pesquisa e ensino de centenas de profissionais em um só lugar.