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DENT: Então, hoje é o dia 3 de julho de 2015. Eu sou Rosanna Dent, doutoranda
em História e Sociologia das Ciências na Universidade de Pensilvânia e tenho o prazer de conversar com Verônica Zembrzuski, que é pesquisadora em Saúde Pública na Fundação Oswaldo Cruz. Então, Verônica, muito obrigada pelo seu tempo.ZEMBRZUSKI: Eu que agradeço.
[Risos]
DENT: Então, normalmente eu inicio pedindo para a pessoa que está participando
da entrevista dar um apanhado da sua experiência. Como você chegou a se interessar em ser bióloga e na pesquisa? Pode iniciar o início com a família ou pode falar já da formação, mas como foi que você chegou a se interessar 00:01:00em ser bióloga?ZEMBRZUSKI: Bom, acho que um ponto importante é que quando eu era muito
pequena, não sei se eu tinha 5 ou 6 anos, meu pai não deixava a gente ver muita televisão, assistir muita televisão. Mas ele deixava eu assistir, com ele, os episódios que tinham do Jacques Cousteau, que é oceanólogo, acho que é oceanólogo. Então eu assistia com ele e eu já gostava dessa coisa toda que é a pesquisa. Porque eu entendia, não sabia o que ele fazia, mas sabia que era alguém que saía do seu lugar para ir pesquisar, para fazer coisas fora. E aí eu acho que esse foi o primeiro contato com a vontade.Mas passou um tempo e depois eu queria mais a área médica. Me interessei pela
medicina e pensei em fazer Medicina na Marinha. Aí comecei depois da Medicina (isso na adolescência), com genética, aí eu pensei em fazer Medicina e ir para a área da genética. Só que aqui a gente tem uma coisa que a gente 00:02:00chama de curso pré-vestibular, na época tinham cursinhos pré-vestibulares. Como eu queria Medicina no início, fiz vestibular e não passei, aí depois eu fui fazer cursinho com a ideia de fazer Medicina. Aí eu conheci os professores que davam aula de Biologia no cursinho e um deles me falou: "mas não precisa fazer Medicina para trabalhar com genética, tu podes ser bióloga, ir mais para o lado científico, sem puxar tanto para a área clínica". E aí que eu decidi fazer Biologia. E fiz Biologia já pensando na área de pesquisa, eu não queria dar aula, não queria área ambiental. Eu queria pesquisa na área molecular. Então já entrei sabendo disso.DENT: E o que foi que motivou você a querer ser pesquisadora desde o início?
ZEMBRZUSKI: Não sei te dizer o motivo, não tem uma... Acho que foi o Jacques
Cousteau. [Risos] Acho que foi o meu pai, porque eu sempre queria descobrir 00:03:00coisas, sempre conversava querendo descobrir coisas. Levava as crianças, meus primos, minha irmã, para fazer expedições tipo Indiana Jones também. Então, às vezes levava para o mato e se perdia com todo mundo, ficava de castigo, voltava.Então teve muito disso, assim, dessa busca, sempre queria saber o porquê das
coisas. Uma coisa que meus pais falam que eu sempre tive, os meus assuntos eram sempre assuntos de adultos. Quando eu estava com eles eu sempre queria perguntar coisas de adulto. Acho que foi por isso, não tem um motivo específico.DENT: Aí você entrou na universidade, fez graduação na...
ZEMBRZUSKI: Em Biologia.
DENT: Na UFRGS?
ZEMBRZUSKI: Na UFRGS, isso.
DENT: E como era a experiência de chegar lá e se formar? Quando foi a primeira
pesquisa que você fez, como era? Entrou em qual ano? 00:04:00ZEMBRZUSKI: Entrei no primeiro semestre de '99. Quando eu entrei, eu já sabia
que eu não queria dar aula, que eu não queria fazer licenciatura e aí eu comecei a procurar estágios. Fiz estágio primeiro com histologia, depois um tempinho na bioquímica, mas eu queria a genética. Então, eu sempre ficava atenta para ver se iria ter alguma bolsa, algum estágio na genética. Até que um amigo me falou que teria a chance de fazer estágio com a Mara, a Mara Hutz, na genética. Isso no terceiro semestre da faculdade. Foi em 2000. Aí eu fui e comecei, comecei em maio de 2000 e só sai de lá para vir para o Rio de Janeiro. Fique dez anos lá, ou quase dez anos.DENT: E qual foi a primeira pesquisa que você fez?
ZEMBRZUSKI: Eu ajudei uma doutoranda que estava trabalhando com obesidade em
humanos, suscetibilidade genética e obesidade. E o engraçado é que eu estou 00:05:00voltando agora a trabalhar com obesidade, quinze anos depois estou voltando ao assunto.DENT: Daí você decidiu seguir no mestrado. Foi fácil a decisão ou não?
ZEMBRZUSKI: É porque na área da pesquisa a gente não fica com muita opção,
né? Como eu não queria dar aula, na época eu não queria nem pensa em dar aula, é um contínuo. Então eu já fui terminando a graduação pensando que eu iria fazer a prova para o mestrado lá com a Mara. Então, eu fiz a prova, passei e emendei o mestrado. Então não tinha muita opção, para conseguir um emprego não tem muita opção para biólogo que é formado em bacharelado, só licenciatura. Mas como eu não tinha, aí foi isso.DENT: E no mestrado você seguia trabalhando nos mesmos projetos ou já tinha
00:06:00outro projeto de dissertação?ZEMBRZUSKI: Pois é, o que aconteceu no mestrado foi o seguinte: a gente tinha
muito problema em publicar nossos artigos, de todo mundo lá, por causa do perfil da população do Sul, que é aquele perfil europeu, que é diferente do resto do Brasil. Então, no mestrado eu mudei para trabalhar com a ancestralidade, marcadores de ancestralidade africana e europeia. Então meu trabalho/eu usei, na verdade, uma amostra de cardiopatas, indivíduos com problemas cardíacos, mas que já tinham lá, não coletei, não fiz nada. Peguei uma amostra que já tinha e uma amostra de controle e o que eu testei, nas duas, foi o marcador de ancestralidade. E aí que eu vi que a ancestralidade africana era muito pequena, mas era igual nas duas, era 6%, de 2 00:07:00a 6% nas duas amostras. Então eu vi que não tinha diferença, por mais que tivesse um pouquinho de ancestralidade africana, as duas eram iguais, casos e controles. E aí foi o mestrado.DENT: E foi mais fácil publicar os resultados daquele projeto?
ZEMBRZUSKI: Foi, porque o meu... da ancestralidade?
DENT: Sim.
ZEMBRZUSKI: Porque, assim, depois que saiu meu artigo, várias outras pessoas, a
maioria das pessoas do laboratório ali citaram aquele artigo para mostrar que, independente da população que eles estivessem trabalhando lá no Sul, se fosse um indivíduo caucasoide, europeu, que ele seria considerado europeu mesmo. Então o meu trabalho foi citado por muitas pessoas lá. Então foi fácil... não foi fácil publicar, mas perto dos outros tipos de publicação. E ele 00:08:00foi citado muitas vezes, então a importância foi essa.DENT: E você acha que ajudou o resto dos grupos dentro da UFRGS com as
publicações deles?ZEMBRZUSKI: Sim, porque aí eles diziam "eu trabalho com uma população daqui
de Porto Alegre, do Rio Grande do Sul, que é europeia". E aí citava o meu trabalho, que isto foi visto através do marcador de ancestralidade por Zembrzuski et. al. Aí ponto, não precisava ficar explicando, porque as vezes os referees, os editores, pegavam muito nessa coisa da miscigenação da população brasileira.DENT: Isso foi um problema para as revistas internacionais?
ZEMBRZUSKI: Internacionais...Eu acho que continuam batendo nessa tecla de
miscigenação. Teve uma época que era muito difícil publicar... não difícil publicar. Os referis sempre perguntavam a mesma coisa: "mas como é que vocês têm certeza que não é uma população miscigenada, que ela é europeia 00:09:00mesmo?". Então ajudou por causa disso.DENT: E porque seria importante eles captarem a possibilidade da miscigenação
para uma questão de marcadores genéticos na saúde?ZEMBRZUSKI: Talvez porque se eu encontro uma mutação relacionada a uma
determinada doença ou uma patologia, o que as pessoas podem dizer é: "mas se está realmente associada, a mutação está associada à patologia ou a mutação está associada à cor do indivíduo e a ancestralidade dele?". Porque, por exemplo, anemia falciforme a gente sabe que tem muito mais em africano. Essa minha amostra é muito mais de africano, será que o gene que eu vou estar relacionando não vai ser por causa da origem africana e não da doença, então tinha isso e ainda tem isso.DENT: Hmm. E como foi a experiência de fazer o mestrado? Como foi um dia normal
00:10:00fazendo o mestrado?ZEMBRZUSKI: O mestrado dura dois anos, então eu fiz em dois anos. É obvio
que tem um pouco de estresse e a gente se preocupa, mas eu não achei difícil. Para mim era muito tranquilo, as coisas deram certo no laboratório, a parte molecular funcionava, não tinha muito problema. Sempre gostei de estudar, então as disciplinas que eu tinha que fazer era tudo muito tranquilo para fazer. Mestrado para mim foi ótimo, tanto que eu decidi depois fazer o doutorado, senão eu acho que eu tinha parado por ali. Se a experiência tivesse sido traumática eu não tinha continuado.DENT: A relação com a professora Hutz, como desenvolveu?
ZEMBRZUSKI: Relação com?
DENT: Com a Mara. Como desenvolveu ao longo do trabalho? Pode comentar um
00:11:00pouco sobre o estilo dela como orientadora e como era você como orientada, o laboratório, as colegas do laboratório?ZEMBRZUSKI: Eu sempre gostei de trabalhar lá porque, na verdade, a minha vida
acadêmica foi lá. Foram dez anos quase entre graduação, mestrado e doutorado. Eu fiquei lá todo dia, minha vida era lá. E a Mara é muito rígida, então acho que tinha essa questão importante que, na época, talvez eu acho que eu não enxergasse assim, acho que eu não enxergava assim. E hoje eu vejo que foi importante porque se eu estou aqui, cheguei até aqui, é porque ela foi rígida. Não é rígida a palavra...DENT: Exige muito...
ZEMBRZUSKI: Exigia bastante, exato. Mas foi tranquilo, por mais que a gente
tivesse alguns atritos de vez em quando. Pelo menos no mestrado, que foi muito 00:12:00rápido (dois anos passam muito rápido), não tinha nada para... porque com ela funciona muito assim: eu apresento o resultado, eu tenho que apresentar o resultado, pronto. Então me viro para produzir esse resultado. As coisas que vão acontecendo e eu falava para ela, mas eu tinha que apresentar alguma coisa.Acho que uma coisa muito importante que eu noto, no Rio Grande do Sul eu
trabalhava bem mais do que aqui, no Rio de Janeiro. Não sei se por causa do clima do Rio de Janeiro, lá eu trabalhava muito mais, eu era muito mais focada no trabalho, chegar cedo sair tarde. Eu noto que isso aqui é diferente, eu tinha um ritmo muito mais acelerado, bem workaholic.DENT: Mas isso é um período da vida, impossível manter sempre o mesmo ritmo.
00:13:00ZEMBRZUSKI: Não sei, mas depois do doutorado a gente vai chegar lá. A minha
transição doutorado/pós-doutorado, Porto Alegre/Rio de Janeiro.DENT: Melhor então passarmos para o doutorado. Você já tinha feito
trabalho sobre a obesidade, depois sobre cardiopatia, mas relacionado com ancestralidade, então era mais uma questão de genética da população. Como era essa transição e como influenciava a trajetória para o doutorado?ZEMBRZUSKI: Pois é. A questão da obesidade era muito clínica também, né? Eu
tinha que ter dados clínicos e tudo mais. Quando eu comecei a estudar os marcadores de ancestralidade eu me apaixonei pela genética de populações, e a parte de antropologia e a questão evolutiva chamou muito mais a minha atenção.E aí, tanto que quando eu fiz a prova para o doutorado, a ideia era continuar
00:14:00com esse projeto, o de mestrado, e além de marcadores. Aí a ideia era aumentar os marcadores de ancestralidade africana e europeia e incluir marcadores de ancestralidade ameríndio. Aí que começou a questão dos índios. Eu queria porque queria que tivesse marcador indígena, alguma coisa. Mas isso muito por causa do professor Salzano, da relação muito próxima que a gente tinha com ele. A parte indígena da minha vida começou com o contato com o Salzano. Porque eu lia os artigos dele, eu queria trabalhar com índios, só não sabia como. O projeto de doutorado inicial foi esse.DENT: E você fez matérias com o professor Salzano ou ele já estava...
ZEMBRZUSKI: Não, eu fiz no mestrado, acho que foi no mestrado, eu fiz
00:15:00Evolução Humana. Acho que foi só Evolução Humana com ele, e era eletiva, não era obrigatória, não era uma disciplina obrigatória. Mas era muito legal a aula com ele, porque na parte de evolução humana mesmo, a parte de crânios, ele trazia vários crânios e botava na mesa. Era uma coisa bem mais informal a aula. E aí foi uma das disciplinas que eu mais gostei, e acho que por isso que eu fui...DENT: E os índios especificamente, porque o interesse naqueles grupos?
ZEMBRZUSKI: Eu comecei a ler os artigos dele e fiquei sabendo que ele tinha ido
para campo, com o Neel e ele trabalhou também com os índios, com Kaingang lá no Sul, tinha também a parceria com a Magdalena Hurtado, no Paraguai com os Aché, então tinha toda essa questão. Ele trabalhou com a Maria Luiza 00:16:00Petzl-Erler, com os Guarani lá daquela região também, do Paraná, do Mato Grosso. E aí eu comecei a ler esses artigos e me interessar pela questão dos índios.DENT: Legal. Aí você tinha o conceito inicial de fazer a questão da
cardiopatia, mas agora com marcadores, mais marcadores e marcadores de ancestralidade indígena.ZEMBRZUSKI: Isso, a amostra nem iria ser só de cardiopatas, eu iria pegar
outras amostras para ver a questão da ancestralidade mesmo. Cor da pele, se cor da pele estava relacionado com a parte genética. Era bem na época de um boom de cor da pele e genética, então foi nessa época que o projeto começou, na verdade. 00:17:00DENT: E como foi mudando com o doutorado?
ZEMBRZUSKI: Na verdade eu passei na prova do doutorado e aí comecei com esse
projeto. E a gente tinha escolhido, na verdade, se eu não me engano, uns trinta marcadores ao todo. Iria dar um pouco mais de trinta marcadores, que no mestrado eram dez, só, dez marcadores. No doutorado iria aumentar para trinta.Só que aí, bem na época saíram os artigos do [Mark D.] Shriver usando um
milhão de SNPs, que era uma coisa mais genômica mesmo, e outros artigos na época com a quantidade de marcadores muito maior. Com os indels --inserções e deleções-- e aquilo, não é que desmotivou, mas a gente começou a pensar em qual era a validade de fazer um estudo lá no Sul com esses marcadores, se conseguia muito mais rápido mandar para fora do país uma placa com as amostras 00:18:00e ter o perfil genético de ancestralidade.E aí eu não me lembro como aconteceu. A Mara, um dia, Mara Hutz, me chamou na
sala dela porque ela sabia dessa questão, que eu queria trabalhar com indígenas, mesmo que fosse amostra. Aí ela me chamou na sala dela e ela falou do projeto do pessoal da Fiocruz daqui do Rio, Carlos [Coimbra Jr.], Ricardo [Ventura Santos]. Era Carlos e Ricardo, na época, com tuberculose, e o Paulo Basta. Eu não me lembro se ela me deu tempo para pensar ou me disse "tem até amanhã para decidir", porque eu tinha que apresentar na pós-graduação o projeto. Fiz o projeto, passei na prova e um tempo depois, acho que era no final do ano, a prova foi em maio e no final do ano eu já tinha que mostrar como iria ser o projeto.Aí eu tive acho que menos de um mês para escrever e mudar tudo. E ela me deu
pouco tempo, tipo "pensa de hoje para amanhã e decide". Eu nem precisei pensar 00:19:00muito, era com indígenas, né? Então ela escreveu um projeto com o Suruí, e tinha esse projeto dos Xavante. Eu decidi e mudei totalmente, assim.DENT: Poderia explicar um pouco como era o novo projeto?
ZEMBRZUSKI: Polimorfismos, marcadores genéticos relacionados a tuberculose, que
poderiam ou não estar associados com a tuberculose em populações indígenas. A primeira população que eu iria estudar seriam os Xavante, a segunda que eu iria estudar seriam os Suruí, de Rondônia, depois não deu certo. Mas os Xavante seriam a primeira.Então isso foi no final de 2005, essa mudança do projeto. E em 2006, em julho,
foi o primeiro campo com os Xavante já. Junho, julho de 2006, foi a primeira 00:20:00ida a campo com os Xavante. Mas aí eu já tinha mudado, o projeto já estava...DENT: E você estava envolvida no processo de solicitar autorização da CONEP,
da parte da regulação, para fazer a pesquisa?ZEMBRZUSKI: Da parte genética?
DENT: Sim.
ZEMBRZUSKI: Com os Xavante, o que que aconteceu? O Carlos e o Ricardo já tinham
um projeto para estudar tuberculose lá que já estava aprovado pela CONEP. Depois a gente só teve que adicionar a parte da questão molecular, da questão genética. Então eles fizeram isso e eu recebi autorização. Então quando eu fui para a aldeia eu já tinha autorização, e já tinha mais do que autorização da CONEP, tinha autorização das lideranças indígenas para trabalhar lá. Então teve que ter todo esse tramite para entrar no território 00:21:00indígena e conseguir trabalhar com eles.DENT: Então você não tinha que preparar muita coisa?
ZEMBRZUSKI: Não, porque a orientadora já tinha preparado em relação aos
Suruí e o Carlos e o Ricardo já tinham preparado para os Xavante. Foi só um adendo para o projeto que eles já tinham enviado antes.DENT: Então como era a primeira vez você conheceu o Carlos e a trabalhar com
ele? Com o Ricardo e as outras pessoas do projeto? Pode explicar um pouco, assim, os primeiros passos? O que que lembra dos primeiros passos para iniciar a pesquisa?ZEMBRZUSKI: Deixa eu me lembrar. Eu não me lembro se eu conheci o Carlos antes,
antes da ida ao campo. O grupo do pessoal que estudava tuberculose, pessoal da 00:22:00nutrição, Aline [Ferreira], Silvia [Gugelmin], eu conheci na aldeia já. O Ricardo eu conheci depois, não foi nessa época, foi depois. E o Carlos eu não me lembro quando eu conheci, se eu conheci antes. Acho que eu conheci lá também. Eu cheguei de paraquedas, praticamente, na aldeia e conheci o grupo. O Ricardo foi depois, mas o Carlos e o James [R. Welch] foram nessa época.DENT: E como era a sua primeira impressão chegando na aldeia pela primeira vez?
ZEMBRZUSKI: Tinha uma expectativa. Porque eu nunca tinha... já tinha acampado,
mas nunca assim, também, no meio do mato. Do mato não, do cerrado. E no primeiro dia quando a gente chegou a gente não foi diretamente para a aldeia, a gente ficou naquele posto de saúde que tem lá, que acho que fica uns 200 00:23:00metros da aldeia. Tinham uns índios que vinham ali, mas a aldeia mesmo eu vim conhecer no outro dia de manhã. Então a gente chegou aquele dia, montou barraca, se estabeleceu lá, e no outro dia de manhã no... qual é o nome do ritual deles?DENT: O warã?
ZEMBRZUSKI: O warã. No warã do nascer do sol que a gente foi se apresentar e
falar o que a gente iria fazer. Então o primeiro contato foi quase sem luz nenhuma, no escuro, antes do nascer do sol. Com os homens na verdade, com as lideranças, com os homens. E aí foi todo mundo se apresentar e falar o que estava fazendo, esse foi o primeiro contato. Eu achava o máximo, adorava tudo. Tudo eu achava diferente, curtia cada momento das coisas ali. 00:24:00DENT: E você sabia que iria ter que se apresentar no warã antes de ir ou ficou
sabendo lá?ZEMBRZUSKI: Acho que não, acho que eu fiquei sabendo lá. Eu me lembro que
quando o Carlos me apresentou, ele falou do Salzano, não sei se algum, provavelmente os mais velhos só que se lembravam. E falou que o Salzano tinha ido lá há muito tempo e que eu também era de Porto Alegre, do Rio Grande do Sul. E aí remetia eles a coisa do futebol, do Ronaldinho Gaúcho, do jogador de futebol. E aí foi o Carlos que me apresentou, eu falei um pouco do que eu iria fazer, muito genericamente, porque não fazia sentido falar de genética, DNA. E aí foi essa apresentação e eles traduziram. Mas foi ótimo, eu estava achando tudo lindo, até os primeiros mosquitos e borrachudos começarem a me picar. 00:25:00DENT: [Risos] O que que lembra depois do primeiro dia depois do warã? Você fez
a apresentação e aí como foi?ZEMBRZUSKI: Não me lembro de muita coisa. Não sei se a gente voltou para as
barracas para pegar o material e depois começou já aquele dia direto, já começou a trabalhar. Eu me lembro que era tudo muito corrido, porque era uma equipe. E aí a equipe da nutrição fazia coisas separadas da gente, então nós éramos duas equipes separadas.Então na minha equipe tinha, o doutor Luiz media a pressão, fazia uma anamnese
básica, eles tinham que responder questionário. Eu tinha que fazer a swab bucal neles para extração de DNA depois, mas eu fazia raspagem com swab. Tinha que aplicar o PPD, teste tuberculínico, então tinha uma técnica de enfermagem 00:26:00que fazia isso para gente. Ah é, tinha uma enfermeira também, esqueci dela. Tinha uma enfermeira do Espírito Santo que foi aplicar, e aí cuidava da temperatura do teste e tudo mais.Então era tudo muito, era meio que sistemático. O indígena chegava ou a gente
ia até a casa, à frente da casa, sentava ali e ele passava para o/fazia o PPD, eu fazia o swab. Para os adultos media a pressão, para as crianças não. Então era tudo muito, era meio confusa aquela dinâmica, mas funcionou. Aí depois os dias foram todos assim, na verdade.DENT: Recebeu alguma pergunta dos participantes, dos Xavante? Eles tinham
dúvidas, perguntas para vocês? Ou no warã, no início, ou depois no processo de fazer a pesquisa? 00:27:00ZEMBRZUSKI: Não teve muita pergunta, porque eu acho que já tinha sido
explicado pelas lideranças antes da gente chegar o que iria ocorrer. Provavelmente o Tsuptó, não sei, alguém já tinha falado. Provavelmente Carlos já tinha falado. E aí quando a gente passou pelo warã as lideranças já iam para suas casas e acho que atualizavam as mulheres do que iria acontecer. Era, na época, se eu não me engano, era uma aldeia única, que tinham 560 pessoas entre jovens e crianças. Tinham algumas pessoas viajando, ou não estavam na época, no hospital também. Eu coletei 499 amostras e eu tive duas recusas só. Eu não sei se isso é imposto para eles, se o chefe da casa impõe para as mulheres e para as crianças, mas a gente teve duas 00:28:00recusas. A parte de DNA foram duas recusas. Para o PPD eu não me lembro, acho que teve até mais recusa. Porque o PPD tinha que furar com injeção e o swab era uma coceguinha da boca, porque é um cotonete raspando a mucosa.DENT: E as duas pessoas que não quiseram, eles falaram alguma coisa?
ZEMBRZUSKI: Não, era uma mulher e o outro eu não me lembro quem era. Mas não
queriam e ponto, eles não dão muita explicação do que, "não quero e ponto". A gente não insistia.DENT: Tinha alguém que estava ajudando, da aldeia, assim, como assistente?
ZEMBRZUSKI: Sim, sim, os agentes de saúde indígena. Na época que a gente foi
eram dois grupos, tanto que depois a aldeia se dividiu em duas. Então eram 00:29:00aqueles dois grupos, então tinham um agente de saúde indígena que nos ajudava com um dos grupos e determinadas casas, e depois o outro agente nos ajudava nas outras casas.Do pessoal de Pimentel mesmo, quem ajudava era o Francisco e do outro grupo era
o... Agora, da última vez que eu fui lá, ele estava trabalhando já na prefeitura, alguma coisa assim, o... É um que tem um olho, algum problema no olho que ele tinha. Mas vou me lembrar do nome depois. Então eram duas pessoas que ficavam nos ajudando, então as vezes eles nos ajudavam a traduzir, a chamar. Existe um respeito muito grande, então quando eles chegavam na casa e chamavam, todo mundo se prontificava a fazer tudo ali.E as técnicas de enfermagem que trabalhavam lá no posto de saúde com eles nos
ajudavam também. Ajudavam na aplicação do PPD, na verdade. E aí como elas 00:30:00conheciam a língua elas falavam um pouco.DENT: Os agentes de saúde, eles fizeram o trabalho como voluntários ou eles
foram contratados pelo grupo que faz pesquisa?ZEMBRZUSKI: Eu acho que na época eles foram contratados, ganhavam algum
dinheiro para isso.DENT: E você teve mais interação com eles? Chegou a conhecer eles melhor,
através da função da...ZEMBRZUSKI: Sim, porque a gente passava o dia inteiro com eles. Então quando
chegou, por exemplo, na casa deles, para estudar, para fazer toda a parte prática na casa deles, a gente já conhecia. Ele apresentava a esposa, a filha que estava grávida, que estava esperando um bebê. Então a gente tem uma relação muito... estou tentando me lembrar o nome do outro agente, mas não 00:31:00vou me lembrar. Não vou me lembrar agora não.DENT: Teve outras pessoas da aldeia que estavam mais envolvidas? Na pesquisa?
ZEMBRZUSKI: Mais envolvidas não, neste momento não. Ficavam ali ajudando,
observando. Mas era uma época da festa também, então os índios saíam para caçar, os guerreiros saíam para caçar. Então a gente tinha que fazer toda a parte prática com os guerreiros no warã, antes de eles irem para a caçada, então tinha uma dinâmica também por causa disso.DENT: O conceito foi "amostrar" todo mundo da aldeia que fosse possível.
Naquela época teve celebrações na aldeia que vocês participaram? 00:32:00ZEMBRZUSKI: Teve, teve.
DENT: Como que vocês observaram? Assim, fora do horário de trabalho, como era
a noite ou os momentos que não estavam trabalhando? O que faziam?ZEMBRZUSKI: Na maioria dos dias a gente ficava... porque a gente ficou com as
barracas perto do posto de saúde, então era um pouco distante da aldeia. A gente voltava no final da tarde, tomava banho, jantava e ficava lá conversando. Mas tiveram uma ou duas noites que a gente foi convidada a ver a festa deles. Não participar, observar a festa deles. Então a gente ficou até... não toda a madrugada, teve gente que ficou toda a madrugada observando a festa, mas eu fiquei um pouco. Vi eles dançando, se pintando. Depois, no outro dia durante a tarde, teve uma festa das máscaras, que aí foi durante o dia, e a gente ficou observando também. Então a gente participava do que a gente conseguia, mas sem 00:33:00deixar a parte do trabalho de fora.DENT: Como foi a interação? Como foi para você ver as cerimônias? Eles
convidaram vocês? Qual era o ambiente?ZEMBRZUSKI: Dessa vez, não muito. As mulheres não são tão convidadas, só
mais os homens. A gente ficava mais observando, tinha uma interação, mas era mais de ficar observando. Os homens até foram e acho que se pintaram, na época, correram. Tem a corrida. Mas nessa época, as mulheres, a gente ficou mais observando quietinhas, bem quietas.DENT: E quantos dias vocês ficaram na primeira viagem de campo?
ZEMBRZUSKI: Não me lembro se foram 15 ou 18, no primeiro campo.
DENT: E foi só em Pimentel Barbosa? Ou foram para outras aldeias?
ZEMBRZUSKI: Foi só Pimentel Barbosa, neste momento foi. Porque era uma aldeia
00:34:00única, aí foi só Pimentel.DENT: Então, mas as outras aldeias da terra indígena não participaram do estudo?
ZEMBRZUSKI: A gente foi um dia em Wederã, que quem era o cacique, o líder, na
época, era o Cipassé. Então a gente foi até Wederã um dia à noite, coletar à noite. Então, era tipo assim, com lanterna, com... Foi assim. A gente coletou umas amostras lá de Wederã. É que Wede'rã estava muito junto com aquele outro grupo que se separou de Pimentel.DENT: Interessante. Então foi a primeira/alguma outra lembrança da primeira
viagem de campo que foi marcante, importante?ZEMBRZUSKI: Acho que a interação quando gente chegava nas casas. Porque às
vezes a gente ficava cansado e eles ofereciam água, comida, às vezes pão. Como era uma época de festa, tinha muita carne, aí ficava aquelas carnes 00:35:00"moquiada", "maquiada". Fica na cinza, né? Eles botam a cinza e fica naquela cinza ali. Aí eu me lembro também das palavras Xavante que eu pedi para me ensinarem para poder dar bom dia, pedir para abrir a boca, dizer que não dói. Aí perguntavam umas palavras, assim, ficavam brincando, brincando mesmo, as mulheres ficavam brincando muito com a gente, então tinha essa interação.Teve uma menina que, também, que é a Sônia (que na época acho que ela tinha
nove anos, eu acho), então ela ficava sempre junto comigo, sempre muito perto. Então quando eu voltei lá depois até deixei uns presentes com ela. Quando eu voltei depois acho até que ela tinha tido filho ou estava na época de namoro. Mas foi bem/me lembro dela, assim, da Sônia.Que mais que tinha? Eu pedi para saber como que era o nome de cobra e onça na
00:36:00língua deles, que eram os meus dois medos, cobra e onça. Wahi e Hö, Wahi cobra e Hö é onça. Aí foi isso. Tinha a questão dos guerreiros que se pintavam para a festa. Então tinham dois guerreiros que chamavam muito a atenção da gente, das mulheres, eles era super bonitos assim.Como é que era o nome deles? Tinha um guerreiro de uma das tribos, de um dos
grupos, e o outro do outro. Era o Adauto de uma, que ele era um adolescente, final da adolescência deles. Então o Adauto era de um grupo e do outro grupo era o... Ai, um nome bem famoso, que foi um antigo guerreiro deles.DENT: Era o Apowe?
00:37:00ZEMBRZUSKI: Apowe.
DENT: Então, dos dois clãs. Öwawê e Poreza'õno?
ZEMBRZUSKI: É, isso.
DENT: Que legal. E o que que eles... eles acompanharam vocês ou só passaram?
ZEMBRZUSKI: Não, eles passavam e a gente achava bonitos, porque eram bem
guerreiros mesmo. O Adauto na época era magro, o Apowe era um pouquinho mais gordinho. E depois quando a gente voltou lá era o contrário, o Adauto casou e ficou mais gordinho e o Apowe ficou mais magrinho, casou e ficou mais magrinho. A gente brincava entre as mulheres, "ah, o Apowe e o Adauto".DENT: E as interações com as mulheres Xavantes? Elas...
ZEMBRZUSKI: Com as mulheres?
DENT: Sim. Elas falavam com vocês em Xavante ou algumas falam português?
ZEMBRZUSKI: A grande maioria não fala português, entende algumas palavras. E
00:38:00elas falavam... elas tinham muita vergonha nesse primeiro momento. Então elas falavam com as técnicas de enfermagem e aí as técnicas passavam e elas riam, ficavam com vergonha. Não olham muito olho no olho. As mais velhas, as senhoras, as vovozinhas, abraçavam, queriam dar abraço. Ficavam às vezes mexendo no cabelo, as crianças mexiam muito no meu cabelo. Não sei se é por, né? Loira. Eu tinha um cabelo bem comprido, então as crianças ficavam mexendo no meu cabelo. Mexendo na tatuagem, porque eu tenho tatuagem nas costas, então ficavam passando a mão na tatuagem. Tinha essa interação. Mas era mais uma coisa não falada, era mais de gestos.DENT: Uma experiência de trabalho de campo bem diferente do que se imagina
pensando no doutorado da genética, né? [Risos] 00:39:00ZEMBRZUSKI: Sim, exatamente. Porque as pessoas quase não têm campo, né?
Recebe a amostra pronta. Então isso eu acho que foi um divisor de águas, minha vida profissional antes e depois dos Xavante, nesse primeiro momento.DENT: Pode comentar um pouco mais sobre o porquê? Como mudou? O que que foi a mudança?
ZEMBRZUSKI: Eu acho que era por causa dessa questão da genética mesmo. Porque
os geneticistas, todo o pessoal da área molecular, é considerado rato de laboratório. São pessoas que estão lá trabalhando e não saem para nada. E eu não, pude conhecer minha amostra, pelo número eu sabia quem era o indivíduo, eu sabia o nome, quem era, de qual casa era, se era filho do fulano. Na época, né? Agora eu não me lembro de mais nada. Mas eu sabia dessas particularidades. Da relação de casamentos deles, do respeito que eles têm. 00:40:00Por exemplo: uma mulher não pode dar presente para um homem, mas ela pode falar
que foi um homem que mandou. "Ah, meu pai mandou um presente para o Barbosa". Fui eu que comprei o presente, mas é respeitoso dizer isso, que não fui eu, que foi meu pai que mandou. Para as mulheres não, eu dava presente para as mulheres.DENT: Quem foi que ensinou você a falar isso?
ZEMBRZUSKI: O contato com os outros, a Aline. E depois, quando a gente voltou
para o campo juntas, ela me falou muitas coisas, porque ela já tinha ido para o campo mais vezes. As mulheres normalmente não olham nos olhos, até homens também. É desrespeitoso falar olhando no olho. Então eu fui aprendendo algumas coisas.DENT: Então, quanto tempo era entre as viagens de campo? Você voltava do campo
00:41:00e iniciava o processo de organizar os dados, fazer as extrações?ZEMBRZUSKI: As extrações de DNA. Eu fui em 2006 para campo e depois eu voltei
para o Sul e terminei minha... terminei não, fiz toda a tese e voltei em 2011. Então foram cinco anos. E aí quando eu voltei eu fui ajudar a Aline, mas além de ajudar a Aline eu fui levar os resultados da minha tese. Eu tive que ir lá e mostrar os resultados para eles, tanto que a gente fez banner, pôster, banner, com fotos, explicando de uma maneira bem palpável para eles o que eu tinha feito e qual o resultado da pesquisa. 00:42:00Então essa foi uma das primeiras coisas que eu fiz quando eu voltei, depois de
cinco anos. Cinco ou seis anos? Acho que foram cinco. E aí quando eu voltei estava tendo festa de novo, que foi em 2011. Eu voltei em janeiro e julho do mesmo ano.DENT: Entre esse tempo da primeira viagem de campo e a volta com resultados
vocês fizeram um evento no Sul, onde convidaram as lideranças?ZEMBRZUSKI: Isso. Para ver o que que a gente fazia, aonde ficavam as amostras
deles. Então teve um evento lá.DENT: Poderia explicar um pouco, primeiro porque se organizou aquele evento e
depois como era?ZEMBRZUSKI: Eu acho que essa relação que o pessoal da Fiocruz, Ricardo,
Carlos, têm com os Xavante é muito mais profunda que só uma relação 00:43:00profissional. Tanto que os pesquisadores conseguem entrar e trabalhar com eles muito por causa dessa relação de confiança que existe. E eles estão muito tempo trabalhando lá. Então umas das coisas era levar lá para o Sul isso, fazer essa interação. Já que eu fui para o mundo deles eles poderiam ir para o meu mundo, ver como a gente trabalha e tudo o mais. Então a gente levou eles para lá e eles foram em uma churrascaria. Então foi uma interação com o meu mundo lá e eu com o deles.DENT: E como era a programação do evento?
ZEMBRZUSKI: Deixa eu me lembrar. Se eu não me engano, foi uma manhã inteira,
eu acho, de palestra. Não palestras, mas conversas no auditório. E aí tinha o pessoal de fora também, jornalista, antropólogo. Porque aí ficam sabendo que iria ter um grupo de índios lá. E acho que foi uma manhã, não me lembro se 00:44:00foi o dia todo, mas foi em um dia só. Eu acho que eles ficaram dois ou três dias lá, se eu não me engano foram dois. Então no resto dos dias eles foram conhecer pontos turísticos da cidade, à noite a gente foi jantar na churrascaria. Chama a atenção, né? Porque é totalmente diferente, o cabelo é diferente. E teve uma exposição também, de fotografias Xavante, que ficou um tempo lá na universidade. Na antropologia, no prédio do lado lá da genética.DENT: Para você, como foi ser a pessoa responsável pela visita deles? Como era
a experiência de receber eles?ZEMBRZUSKI: Eu achava lindo, achava o máximo, porque eu estava muito feliz.
00:45:00Porque como eles me deixaram entrar no mundo deles, na casa deles, na aldeia, eu também estava feliz de mostrar tudo aquilo. Eu estava esperando muito por aquilo, então foi ótimo. Claro, o Carlos organizou tudo, é ele quem faz o contato principal e tudo. Mas foi ótimo, foi muito legal.DENT: Vocês levaram eles no laboratório? Como era esse tour do laboratório,
das amostras?ZEMBRZUSKI: A gente mostrou tudo, mostrou onde ficavam as amostras, o que a
gente fazia, tentou explicar o que a gente fazia. Mas aí mostrava o número no tubinho, falei que ninguém tinha acesso ali, que ninguém sabe que número 400 é fulano ou fulano, que era tudo numerado. Eu mostrei para eles onde ficavam as coisas, onde eu trabalhava, onde era a minha mesa. Tudo, assim, a gente fez um tour por tudo.DENT: E como eles responderam, tinham muitas perguntas? Estavam...
00:46:00ZEMBRZUSKI: Não muita, não tinham muitas perguntas não. Acho que eles estavam
gostando do passeio, da questão... Mas uma coisa que eu sempre quis que ficasse bem clara era essa coisa da confiança minha com eles. Acho que isso aprendi com o Carlos e com o Ricardo. Essa questão de dar o respaldo para eles, de tudo que eu faço, eu levar os resultados depois.DENT: Aquele evento, foi depois de ter feito o trabalho, né?
ZEMBRZUSKI: Isto.
DENT: E aí foram também foram representantes da parte dos Suruí?
00:47:00ZEMBRZUSKI: Naquela época eu acho que... eu não me lembro se os Suruí foram,
acho que foram os Suruí também.DENT: Vocês ainda, naquela época estavam...
ZEMBRZUSKI: Eu não tinha ido para campo ainda, eu acho. Porque quando eu fui
para campo aconteceu todo um problema das amostras que ficaram retidas e que a gente não aproveitou. Mas acho que tinha representante Suruí lá, e este representante Suruí, na época que eu fui para campo, não estava no campo. Ele estava viajando e o Carlos estava viajando também. Então, para campo, nos Suruí, foi eu, Paulo e o Doutor Luiz, que fazia parte, que era o pneumologista. Então a gente ficou meio perdido, assim, porque não tinha liderança que estava nos acompanhando, que era a pessoa que a gente confiava. Era uma época de disputa entre os Suruí. Coisas políticas mesmo, problemas políticos. Já tinha acontecido o episódio das amostras do Suruí, que tinham 00:48:00sido levadas para o exterior. Então foi um clima muito tenso, assim.Na época, eu não sei se eu era muito jovem e não me dei conta disso, se eles
quisessem eles poderiam ter nos prendido lá. Porque eles marcaram uma reunião com a gente e com todos os líderes, trancaram as portas, pediram para todo mundo sair, as portas foram trancadas. Então a gente estava ali dentro, não sabia o que iria acontecer. Eles pediram todas as amostras e a gente... peguei a bolsa, abri e fui sacudindo. E foi caindo tudo ali.DENT: Então vocês já tinham feito toda a coleta?
ZEMBRZUSKI: Já tinha feito toda a coleta, todas.
DENT: Eles mudaram de ideia?
ZEMBRZUSKI: Mudaram de ideia. Mas eu tinha que respeitar o termo de
consentimento, pode desistir a qualquer momento. Então ocorreu essa pressão e 00:49:00aí devolvi todas as amostras, todas, todas.DENT: Mas você sabe porque eles mudaram de ideia?
ZEMBRZUSKI: Acho que foi uma questão bem política, na época. Não sei se...
porque eu acho que lá essa questão da confiança que tem com os Xavante é diferente. Acho que com os Suruí é outro, né? Não sei, eu imagino que seja por isso.DENT: Pelo fato também de Carlos não estar presente, porque Carlos e Ricardo
também [trabalham com os Suruí...]ZEMBRZUSKI: [Acho que sim, exato.]
DENT: O que que eles falaram, assim no momento de mudar de ideia e dizer, "bom,
já não queremos mais participar". Como era? O que que eles diziam?ZEMBRZUSKI: Estava acontecendo algum evento, com lideranças de vários lugares
do Suruí.DENT: Lá na mesma aldeia onde vocês estavam?
ZEMBRZUSKI: A gente, na verdade, nem estava em uma aldeia. A gente ficou
00:50:00hospedado na cidade e ia para as linhas, porque as aldeias ficam nas linhas. A parte de urbanização, lá, eram linhas no meio da floresta. A gente ia para cada dia para uma linha e um dia antes... a gente fez as coletas, tudo, foi muito legal também. É uma outra proposta, as casas são de madeira. Mas também teve uma interação muito boa. Teve um aluno de Biologia da Universidade Federal de Rondônia, se eu não me engano, que nos acompanhava. E aí a gente recebeu uma ligação, estava no hotel, se eu não me engano, um dia antes de ir embora, dizendo que eles queriam uma reunião e que era para levar as amostras.Eu acho que teve pressão externa também de, não sei... porque lá não era
só os índios. Tinha secretário de saúde, não sei se era o secretário de saúde, tinham pessoas externas que faziam pressões diferentes lá dentro. E aí ficou por isso. A gente foi embora, mas foi tenso. Foi um clima tenso, essa 00:51:00ida para levar as amostras foi bem tenso.DENT: Imagino. Então depois você decidiu não incluir os Suruí no projeto,
por causa de tudo isso?ZEMBRZUSKI: Isso, por causa de tudo isso. Rolou um sentimento de mágoa, não
queremos mais trabalhar com os Suruí nunca mais.DENT: Imagino, né? Porque depois de fazer todo um trabalho, aí ficar com a
resposta que "não"... Obviamente tem que aceitar, né? Então aí teve alguma coisa depois? Alguma, não sei, só foi isso? Vocês entregaram as amostras e voltaram para a cidade?ZEMBRZUSKI: Eu acho que depois teve essa liderança que não estava na época,
00:52:00que acho que estava até no congresso, estava em Brasília fazendo alguma coisa, que acho até que entrou em contato com o Carlos para tentar fazer de novo. Mas aí a gente já tinha desistido, não iria fazer mais. Ficou um clima muito ruim, porque não era só pela questão genética. O Paulo Basta já tinha trabalhado com Suruí em outro momento, também já tinha trabalhado. Então ficou um clima chato para todo mundo. Teve até contato para trabalhar de novo, mas não aconteceu.DENT: Mas não criou um problema para a sua pesquisa, a falta de dados?
ZEMBRZUSKI: Não, porque aí eu só trabalhei com os Xavante, minha tese toda
foi com Xavante.DENT: Então, como foi o processo desde o campo até escrever, fazer o trabalho
e fazer a tese? Como era, mais ou menos, o processo de transferir de uma 00:53:00amostra, um dado, para a publicação?ZEMBRZUSKI: Eu estava acostumada com isso. Porque na genética, na verdade, a
gente acaba encarando cada amostra como um número e depois isso entra para uma estatística. Não é olhado especificamente para cada indivíduo, pelo menos não nesse momento. A gente não estava fazendo diagnóstico de nada, era só uma pesquisa de suscetibilidade genética. Então era isso que eu vinha fazendo desde a graduação, coletar dados, analisar estatisticamente.DENT: E quais eram os achados mais importantes na tese?
ZEMBRZUSKI: A gente teve um problema, na verdade. Quando a gente fez sobre a
tuberculose, os casos de tuberculose na aldeia ou/teve uma menina que a gente 00:54:00estava desconfiada que poderia ser tuberculose. E tinha uns outros quarenta casos que já tinham tido, não estavam doentes naquele momento. Só que a gente ficou na dúvida com a validade dos dados, de doente ou não de tuberculose. Então a gente resolveu esquecer essa questão de estar doente, ou em algum momento ficado doente com tuberculose, e a gente pegou e fez associação da genética com a resposta ao PPD. E aí deu um resultado muito interessante, porque a maioria não responde ao PPD, deveria responder e não responde. E aí a gente teve dados interessantes, que foi o artigo foi publicado. Tem alguns genes, algumas mutações relacionadas a essa anergia ao PPD. Então minha tese, 00:55:00na verdade, não foi mais sobre tuberculose. Foi a questão do PPD, da anergia e de polimorfismo, da oxitocina, sistema imunológico. Foi relacionado a isso.DENT: Você ficava em Porto Alegre durante dez anos fazendo graduação,
mestrado e doutorado. Daí você passou para o Rio para fazer o pós-doutorado, foi assim?ZEMBRZUSKI: Isso, eu estava terminando. Era final de 2008, eu estava já
escrevendo a tese, passando para orientadora, para a Mara, para ela me devolver, já estava no final. Aí eu queria fazer meu pós-doc, porque eu estava tentado já concursos e me inscrevi em alguns. Mas eu não tinha experiência didática, porque eu não dava aula, e para os concursos precisava. Porque conta publicação, mas conta experiência didática, contava.E aí eu entreguei a tese pronta para a Mara, no dia 3, 2 de janeiro. Naquele
00:56:00natal e ano novo eu não fiquei com a minha família, fiquei sozinha escrevendo. Escrevi, em duas semanas, escrevi praticamente a tese toda. Aí entreguei pronto para ela em janeiro, então no meio de janeiro ela já tinha corrigido e eu já tinha finalizado, e estava entregando para a banca já.E aí no final de janeiro a tese já estava pronta e entregue para a banca, e
aí eu venho tirar férias no Rio. Eu não lembro se naquela época eu encontrei com Carlos e com o Ricardo, mas eu mantive contato com eles. Eu encontrei eles depois em um congresso em Porto Alegre, na Bahia a gente foi juntos em um evento que teve, uma reunião. Eu vim para o Rio, cheguei a vir para o Rio no meio do doutorado para fazer umas análises estatísticas, que aí acho que foi que eu conheci Ricardo, se eu não me engano. E aí mantive contato com eles. Em 2008, 00:57:00no final de 2008, antes de entregar a tese, Carlos e Ricardo vieram para o congresso da Abrasco, que foi em Porto Alegre. E eles foram, aí a gente estreitou os laços. Falei da minha vontade de continuar trabalhando com isso, aí eles sugeriram "ah, porque não ir para o Rio, fazer um pós-doc lá?". Alguma coisa assim, e eu fui amadurecendo essa ideia.Aí, antes de defender meu doutorado, que eu defendi meu doutorado dia 18 de
março, entre eu vir para o Rio em fevereiro e defender o doutorado em março, eu escrevi o projeto de pós-doc e enviei para o CNPq, com o nome do Ricardo junto. Porque eu vi que a Mara não iria ter bolsa para mim de pós-doc e aí eu assumi que "bom, quero morar no Rio" e aí ele aceitou. Escrevi o projeto 00:58:00de pós-doc e mandei para o CNPq com o nome dele de supervisor. E aí defendi o doutorado, foi final do doutorado.DENT: A próxima coisa já está pronta, o que é ótimo.
[Risos]
ZEMBRZUSKI: É, eu não sabia que iria dar certo, mas já tinha mandado.
DENT: Ah, que legal. E aí o projeto que você propôs para o CNPq, como era?
Era na mesma linha, o que que era o projeto?ZEMBRZUSKI: Era um projeto com genes relacionados a fármaco-genéticos, a
fármacos, que metabolizam fármacos, na amostra dos Xavantes. Já que eu tinha a amostra, ia ser fármaco genético da tuberculose. Estudar genes que estariam associados a metabolização de fármacos da tuberculose.E aí eu defendi em março e final de maio eu vim para o Rio de novo, porque eu
00:59:00tinha me inscrito em um concurso na Federal Fluminense. Eu fiz o concurso, passei a semana toda em força do concurso, a prova, prova didática, e eu tinha ficado mal de novo na questão do currículo porque eu não tinha experiência didática.Aí na sexta-feira, quando eu soube o resultado do concurso, eu recebi um e-mail
do CNPq dizendo que a minha bolsa do pós-doc tinha sido aceita. Isso foi final de maio, se eu não me engano. Aí voltei para o Sul, dia 3 ou 4 de julho já vim morar aqui. Encaixotei tudo lá e vim para cá. A bolsa começou em agosto e eu vim um mês antes. Eu queria ir embora do Sul, na verdade. Já tinha esgotado as possibilidades lá e eu queria vir para cá.DENT: E como era a transição? Porque o Rio é bem diferente do Sul.
ZEMBRZUSKI: Eu adorei. Adorava a questão de vir morar aqui, eu queria vir morar
01:00:00aqui, era uma coisa que eu já queria há algum tempo. Me assustei com muita coisa, mas era o que eu queria. E aí quando, quando eu comecei a ter contato, primeiro com o Carlos, com o James, depois com o Ricardo, essa parte de antropologia ficou muito mais forte, em questão de saúde indígena e tudo mais. Comecei a me interessar por isso. Tanto que depois, em 2009, eu vim para cá em julho ou em agosto, e em setembro eu comecei a fazer uma disciplina de Antropologia Biológica com uma professora da UFF, da Federal Fluminense, que eu me esqueci o nome. Não vou lembrar, ela é parceira do Ricardo até, na...DENT: Glaucia? Glaucia Silva?
ZEMBRZUSKI: Glaucia, Glaucia, isso. Glaucia, isso. Verlan também estava, fez a
disciplina junto. Aí comecei a entrar nesse mundo mais ligado à antropologia, 01:01:00não deixei a genética, mas comecei a me interessar mais.DENT: E no pós-doc você estava trabalhando ainda com as amostras dos Xavantes?
ZEMBRZUSKI: Isso, dos Xavantes.
DENT: E aí como foi o processo de conseguir o consentimento deles para fazer
parte do projeto?ZEMBRZUSKI: Essa parte do projeto já estava contida naquele consentimento
antes, porque eram genes associados à tuberculose. Então a forma com genética não fugia do... então não precisei do consentimento, de novo termo de consentimento, nova aprovação. Tanto que eu só trabalhei com isso.DENT: Aí deu para voltar à aldeia para explicar o que você estava fazendo ou
ainda não?ZEMBRZUSKI: Sim, aí foi o segundo momento que eu voltei na aldeia. Foi em 2011,
janeiro de 2011, se eu não me engano. Eu já estava terminando o pós-doc, que tinha feito, eu fiz dois anos de pós-doutorado. E aí eu expliquei o que eu tinha achado no doutorado, os meus resultados do doutorado, e o que eu estava 01:02:00fazendo no pós-doutorado. E aí eu expliquei tudo isso para eles, então esse foi o segundo momento da aldeia. E aí depois em julho eu voltei na aldeia de novo, então foram três momentos.DENT: E como era a recepção, quando você voltou na aldeia?
ZEMBRZUSKI: Ah, eles reconheceram. Não reconheceram logo no início, mas quando
eu falei asa dai'a, que é "abre a boca", abre a boca é asa dai'a, aí eles lembraram que eu tinha coletado os swabs, lembraram que eu era do Sul. E aí todo mundo lembrava.E aí o grupo era bem menor, Aline, eu, James, Carlos e tinha mais alguém, eu
acho. Mauricio talvez. Então era um grupo menor, aí foi ótimo. Receptividade, presentes, aí eu levei presentes, ganhei, né? Ganhei presente deles. Foi ótimo, deu tudo certo. 01:03:00E eles foram para o Rio, eu já estava morando aqui e eles vieram para um evento
no Museu do Índio. A gente levou eles no Maracanã, para um jogo do Flamengo. Foi ótimo também. No laboratório de genética da Fiocruz eu levei, para mostrar que as amostras estavam lá agora.DENT: Então as amostras foram com você?
ZEMBRZUSKI: Uma alíquota, tem amostras lá no Sul, mas uma alíquota veio
comigo. Aí eu levei eles no laboratório, mostrei onde ficava. Fiz todo o processo também aqui na Fiocruz.DENT: Quais eram as lideranças que estavam aqui?
ZEMBRZUSKI: Eram as lideranças e os jovens que estavam fazendo um trabalho de documentação.
DENT: Romeu, Lincon?
ZEMBRZUSKI: Isso. Lincon, exatamente.
DENT: Que legal. E agora você já passou de ser pós-doutoranda para ser
pesquisadora. Como era o processo do concurso e entrar como... 01:04:00ZEMBRZUSKI: É que na verdade eu fiquei três anos fora da Fiocruz, dando aula
em uma universidade privada, particular. Aí eu fiquei dando aula para graduação e somente fazendo pesquisa, mas em universidades particulares eles esgotam o professor até onde eles conseguem.Então dei muita aula, não tinha tempo para nada, dava aula em outra cidade,
voltava à noite, era super perigoso. E aí surgiu o concurso da Fiocruz e eu me dediquei full-time, totalmente. Não tive carnaval, eu estudava... durante semana dava aula, mas sexta, sábado e domingo mais de oito horas por dia estudando. Das oito da manhã até às dez da noite estudando. E aí isso foi fevereiro, março, até o início de abril.DENT: E o concurso era aberto para qualquer área ou era especificamente
01:05:00vinculado com a questão da genética?ZEMBRZUSKI: Eram muito cargos, porque era na Fiocruz inteira de outros estados
também. Mas tinha, porque quando eu vim fazer o pós-doc aqui, o Ricardo foi supervisor, mas eu precisava trabalhar com genética e eles não tem laboratório de genética. Então eu fui para o laboratório de um outro pesquisador, o laboratório de genética humana, do professor Pedro Cabelo, peruano, que é pesquisador aqui e trabalha com genética de populações. O foco dele é populações, outras pessoas trabalham agora com genética médica. Então eu passava muito mais tempo na genética humana do que na saúde pública, apesar de migrar sempre, né? Então eu tive esse contato. E aí quando surgiu a vaga para genética humana, no laboratório de genética humana, aí eu fiz. Então foi especifico.DENT: E ainda está trabalhando com a temática dos indígenas?
01:06:00ZEMBRZUSKI: Bom, o que que aconteceu? Umas das ideias eram continuar trabalhando
com isso, só que a qualidade das amostras está muito ruim. Então teria que, ou dar um jeito nessas amostras, não sei como, tem que sentar e pensar com calma, para ver se eu consigo concentrar mais o DNA, porque está muito degradado, assim. Ou então fazer uma nova coleta. E para fazer uma nova coleta é todo um trabalho que pode durar anos, até conseguir uma nova coleta. Então, por enquanto não. Mas eu tenho vontade, tanto que eu estou sempre, estou sempre no meio da saúde indígena. Quando eu posso eu estou. Tanto que teve o outro projeto, com populações indígenas do Mato Grosso do Sul, que é Guarani, Terena, eu acho. Com tuberculose também, com o Paulo Basta, que eu estou participando.Mas com os Xavante, só no amor mesmo, por enquanto não. Mas eu gosto de saber
01:07:00deles, eu sempre pergunto e mando notícias. Então eu quero trabalhar com eles de novo, não sei como, mas...DENT: E o que era que mais convenceu você a seguir trabalhando com eles? Quais
eram os aspectos que mais...ZEMBRZUSKI: Não sei te dizer. Quando eu cheguei para trabalhar no campo a
primeira vez, um dos pesquisadores falou para mim "depois que o mosquito da saúde indígena te pica, tu não vais querer sair nunca mais". E aí eu acho que foi isso. Muito foi pelo contato que eu tive, pela ida à aldeia, com certeza foi isso. Essa questão toda da... Até como eu via a pesquisa depois, a minha tese, quando eu fui defender, que teria arguição toda, teve diferença. Então acho que foi isso. A primeira ida, o contato que eu tive, foi 01:08:00o que me motivou para o resto.DENT: Tem algum tema que eu não perguntei, que você acha que está faltando?
Alguma história engraçada, alguma coisa importante?ZEMBRZUSKI: O Barbosa me convidou para casar com ele, mas isso ele convida todo
mundo também. Provavelmente vai querer casar contigo também.DENT: [Risos] E como é que ele faz?
ZEMBRZUSKI: É de brincadeira. Se eu queria ser a esposa dele, que ele casava
comigo. Aí eu falei "não, já tenho namorado". Porque ele é muito brincalhão, os outros não são, mas ele é muito. Tem esse espirito mais brincalhão. Mas eu acho que teve muito essa relação do contato com eles, assim. Tanto que eu sinto falta. 01:09:00Às vezes eu penso, quando está tudo ruim aqui, está tudo dando errado, eu
fico pensando: "vontade de tirar uma semana e ficar no meio da aldeia e ficar sem nada, só lá". Então é uma coisa que foi importante, assim. Eu penso, se eu pudesse. Até, às vezes eu falo para o Carlos, se tiver, se precisar de alguma secretária para ir, para anotar coisas, eu vou, não tem problema.DENT: E no contexto do programa do Museu do Índio talvez vamos encontrar alguma
maneira de trazer de volta alguns dos pesquisadores que tenham documentação.ZEMBRZUSKI: Como é que está essa questão do... porque no meio da aldeia
estava sendo construído...DENT: Ainda falta terminar, teve problema com o construtor. Mas, supostamente,
já vai ser completado daqui a pouco. 01:10:00ZEMBRZUSKI: Será que vai ser inaugurado em breve?
DENT: Quem sabe. [Risos]
ZEMBRZUSKI: Tem que chamar todo mundo para a inauguração.
DENT: Então estamos trabalhando no arquivo e quais vão ser as coisas que vão
fazer parte do acervo. Se você tem coisas que quer contribuir, fotografias.ZEMBRZUSKI: Eu posso dar uma olhada em casa.
DENT: Sim, sim, eu acho que sempre é uma possibilidade. Eu acho que na aldeia
eles adoram receber de volta fotografias. Mesmo, assim, em uma época em que eles estão com câmera e tirando mais foto do que nós. Sim, então não sei. Vamos ver como vai o projeto, como vai desenvolver.ZEMBRZUSKI: Mas vai dar certo sim.
DENT: Não sei como, mas eu acho que... estou pensando nas perguntas agora, se
não faltou alguma coisa que você quer contar.ZEMBRZUSKI: Uma coisa que ficou clara deles e que eu tento trazer para minha
vida, mas não consigo, muito porque eles vivem um dia de cada vez. O warã 01:11:00serve para resolver os problemas daquele dia e o que vai fazer naquele dia, ponto. Não fica pensando muito no amanhã. Se eu conseguisse fazer isso com a minha vida, acho que as cosias dariam mais certo, não sei. Eles fazem muito isso, então eu vi que a preocupação é com aquele dia só, não tem depois.DENT: Bom. Ótimo. Muito obrigada pelo tempo e pelas histórias.