https://hogenetica.org/ouvir/render.php?cachefile=simoes-20131210.xml#segment0
https://hogenetica.org/ouvir/render.php?cachefile=simoes-20131210.xml#segment353
https://hogenetica.org/ouvir/render.php?cachefile=simoes-20131210.xml#segment735
Keywords: Raça, Etnia e Identidades; Redes científicas e circulação; Trabalho de Campo; etnia; indígena; prática; práticas de campo; viagem
Subjects: Prática; Raça, Etnia e Identidades; Redes científicas e circulação; Trabalho de Campo
https://hogenetica.org/ouvir/render.php?cachefile=simoes-20131210.xml#segment1499
https://hogenetica.org/ouvir/render.php?cachefile=simoes-20131210.xml#segment2558
https://hogenetica.org/ouvir/render.php?cachefile=simoes-20131210.xml#segment2683
https://hogenetica.org/ouvir/render.php?cachefile=simoes-20131210.xml#segment3232
https://hogenetica.org/ouvir/render.php?cachefile=simoes-20131210.xml#segment3595
https://hogenetica.org/ouvir/render.php?cachefile=simoes-20131210.xml#segment4933
https://hogenetica.org/ouvir/render.php?cachefile=simoes-20131210.xml#segment5096
https://hogenetica.org/ouvir/render.php?cachefile=simoes-20131210.xml#segment5196
https://hogenetica.org/ouvir/render.php?cachefile=simoes-20131210.xml#segment5611
https://hogenetica.org/ouvir/render.php?cachefile=simoes-20131210.xml#segment5721
https://hogenetica.org/ouvir/render.php?cachefile=simoes-20131210.xml#segment6064
https://hogenetica.org/ouvir/render.php?cachefile=simoes-20131210.xml#segment7136
DENT: Ok, perfeito. Hoje é o dia 10 de dezembro de 2013. Estamos aqui. Eu sou
Rosanna Dent. E tenho o prazer de entrevistar o senhor Girley Simões. Então, não sei se talvez, o senhor poderia iniciar só contando um pouco sobre a sua formação acadêmica ou profissional.SIMÕES: Perfeito. Certo. A minha formação acadêmica é o segundo grau. Não tenho faculdade. Porque quando terminei, que eu ia para faculdade, no caso, aí... Um dia depois que eu cheguei em casa, que eu entrei em férias, meu pai
faleceu. Então, eu vim para Porto Alegre. E, em seguida, comecei a trabalhar no departamento. Mas toda a minha formação profissional [foi] dentro do departamento. Porque justamente eles não aceitavam ninguém, por exemplo, de um laboratório de análise clínica. Quando eu iniciei, concorri com vários de análise clínica. E até achava que, digo: "ah, não vou ter condições de..." Mas a única coisa de laboratório que eu entendia, como eu trabalhei, tinha curso de inseminação artificial, trabalhava com ovinos, então meus conhecimentos com algum equipamento daquele laboratório ali, proveta, pipeta, bureta. Essas coisinhas assim. Coisa de laboratório mesmo. E nada mais. Agora tinha aquele pessoal que já tinha trabalhado em laboratórios de análises 00:02:00clínicas, então já tinham um pouco mais de experiência com manipulação. E no caso, eu não. Mas era justamente o que eles não queriam. [Risos] O que eles queriam era iniciar do zero. Então iniciei com o doutor Salzano, em 1958. Era só eu e ele no laboratório. [Pausa]DENT: E como encontrou o trabalho lá. Como era que o senhor conheceu o
professor Salzano?SIMÕES: Foi através do jornal, um anúncio no jornal. E o doutor Salzano foi
uma escolha ali. Não tô lembrado se foi escolha dele. Não, foi deles lá dentro. Tinha o doutor Cordeiro na época, que era o chefe de departamento. Então, eu fui designado para ficar com o doutor Salzano. Que ele recém tinha chegado dos Estados Unidos. estava iniciando, estava querendo iniciar a pesquisa. [Telefone toca] Dá licença.DENT: Claro.
SIMÕES: Alô. [Pausa] Eu falei sobre o ano, 1958.
DENT: 58. Uhum.
SIMÕES: Dia primeiro de abril de 1958.
DENT: [Risos]
SIMÕES: Dia dos bobos para nós. [Risos] Mas então foi posto oficialmente dia
2. [Risos] 00:04:00DENT: E como era o processo de aprender a fazer o trabalho, ou talvez nos
poderia comentar um pouco quais eram as responsabilidades do cargo lá.SIMÕES: Bom. Como eu falei, era o início, não tinha praticamente nada. Então
fui aprendendo desde esterilização de material, lavagens, coisas assim. E depois, eu fui trabalhar no... Acho que entre a Santa Casa e o Instituto de Pesquisas Biológicas, para aprender a fazer, tirar sangue.DENT: Uhum. [Telefone toca]
SIMÕES: [Dirige-se a uma terceira pessoa] Atenda, atenda o telefone lá, mãe.
O telefone. Deixa, deixa, parou. Deixa. Deixa.DENT: Então esterilização do material, tirar sangue...
SIMÕES: Sim. E aí depois, claro, todo, fui aprendendo tudo, desde o beabá da
coisa. Como lidar, trabalhar com aquele sangue. Como centrifugar, como lavar células, como separar plasma, como fazer depois toda aquelas tipagens sanguíneas. Separar hemoglobina das células, aplicar em eletroforese. Mas, tudo foi assim. Tudo iniciando do zero.DENT: Pode descrever um dia normal lá dentro do departamento, nos primeiros
anos? Como era um dia normal de trabalho lá? 00:06:00SIMÕES: Um dia normal de trabalho seria esse aí. O doutor Salzano sentado lá
escrevendo, estudando. E eu ali trabalhando. Ali naquilo que eu já sabia, lógico. E aquilo que eu não sabia, em seguida, ele vinha, me orientava. E assim, foi indo, foi indo, até conseguir a independência ali dentro. [Risos] Isso levou tempo, lógico. Um ano, talvez, para aí ele ter absolutamente confiança no que eu fazia. Porque esse negócio de pesquisas é uma coisa muito séria. Sempre tem que trabalhar com aquela parte que está sendo analisada, mas com um controle normal. Normalmente, era o doutor Salzano que baixava. [Risos] Como controle normal.DENT: E talvez nos podia comentar um pouco sobre como ia crescendo a
colaboração com o professor Salzano. As responsabilidades do cargo do senhor devem ter mudado com o tempo, como era o processo de ser parte da equipe?SIMÕES: É, como eu disse que a equipe seria só eu e o doutor Salzano. Isso
foi por muitos anos. Até ele começar a pegar orientados. Que aí então, sim. Aí começou... já comecei a ter um outro envolvimento também. Aí eu tinha 00:08:00que servir de motorista, porque tinha que levar, trazer. É ir para coletar o material para eles. E enfim, servia de...DENT: Quantos anos demorou para o professor Salzano ter alunos como orientados? Lembra?
SIMÕES: Olha, não lembro, assim. Mas talvez dois anos, três. Não lembro,
não lembro. Mas deve ter sido mais ou menos por aí. Entre 1 e 5 anos, eu acho. E então, mas no início, olha, doutor Salzano era muito rígido. Bá! E tinha muita gente que tinha até medo dele. Aí, fazendo sempre o meu trabalho, qualquer coisa ele pedia para repetir, fazia e tal, explicava, tudo tranquilo. Mas ele, inclusive uma pessoa até como, em termos de horário, ele era super rígido. Por exemplo, se ele tivesse que entrar 8 horas, eu entrava na sala, ele estava sentado ali. Eu chegava, abria a porta. "Bom dia, doutor!" Ele: "Bom dia". [Risos]DENT: Então, primeiro, olhava o relógio dele para ver se o senhor estava a tempo.
SIMÕES: No horário. E tu não tá, não vai gravar isso aqui.
DENT: Ah, posso...
SIMÕES: Não, não. Tá, tá. Não, não tem problema. Mas ele levantava da
mesa dele, enquanto eu ia para lá, começava a trabalhar, levantava, saía, ia 00:10:00lá no livro-ponto, para ver se estava certo. [Risos]DENT: [Risos]
SIMÕES: Mas foi, foi, foi, foi até que eu acostumei com ele, ele acostumou
comigo também. Se ele tinha as manias, eu tinha as minhas também, então... [Risos] Mas ele graças a deus, a gente se acertou tanto que, para tu teres uma ideia, se eu chegasse assim para ele: "Doutor Salzano, seu carro aí já não está muito bom." "Tu acha?" "Eu acho. Senhor compara outro." "Tá. Então, qual é o carro que tu acha que eu devo comparar?" "Carro tal." "Então vai lá e compara." [Risos] Pega esse [meio gente] [inaudível]. Era eu que fazia as coisas para ele. Então nós pegamos assim uma amizade, uma coisa tão forte. Ele hoje é padrinho de casamento dos meus filhos e... É, trinta anos juntos. E tudo quanto era viagem, eu não ficava. Ah, não. E outra, e também era uma coisa assim. Se eu chegasse, ele ligasse, podia ser domingo. Podia ser, chegasse: "Girley, preciso que tu vá a Uruguaiana, hoje. Tem uma pessoa doente lá, tu tem que estar aqui amanhã com esse material". Podia sair de noite, ir embora, eu só para perguntar quanto é que eu precisava e tal. Eu ia embora. Não tinha domingo, não tinha feriado, não tinha noite, não tinha nada. Ia e voltava. Então ele pegou uma confiança tão e tão e tão grande em mim, que, como eu digo, que às vezes o orientado precisava de uma saída extra, ia lá 00:12:00pedir para ele para ver se eu ficava liberado. Ele chegava "Não, vai lá e fala com o Girley. O que ele, se ele disser sim, tudo bem. Se ele disser não...". [Risos]DENT: E lembra do primeiro trabalho de campo que o senhor fez?
SIMÕES: O primeiro trabalho de campo foi com a população negra de Porto
Alegre. Por isso que eu fui lá para esse Instituto de Pesquisas Biológicas. Porque ali tinha uma média de umas 200 pessoas por dia que iam fazer exame. Então toda aquela pessoa preta que entrava ali, eu retirava uma amostra a mais. Aí tomava nota do nome, endereço, idade, aquela história toda. Se desse problema naquela amostra ali, aí eu tinha que voltar à casa dessa pessoa, fazer o levantamento da família, entende? Então foi o primeiro trabalho fora do laboratório. Foi com população preta. E depois disso aí, foi trabalhar... O Salzano me arranjou uma boa. Trabalhar com leprosos. Daqui de Itapuã, de Florianópolis e de Curitiba. Trabalhei três anos, fazendo esses levantamentos para ele. Eu só não tenho certeza se eu já estava, se nós já estávamos fazendo o trabalho entre os Kaingangs. Eu tenho a impressão que entre a população preta de Porto Alegre e o leprosário aí, eu acho que eu 00:14:00já estava entre os Kaingangs também. Que aqui no estado são quatro reservas. É a Guarita, Ligeiro, Cacique Doble e Nonoai. Iniciamos por Nonoai, que era a maior. Era e é maior aldeia Kaingang. Depois daqui, passamos para Santa Catarina. Tem mais... Era, era esse grupo Xokleng em Santa Catarina. E mais Kaingang também. E depois no Paraná, um agrupamento Kaingang também.DENT: Poderia explicar um pouco como era essa pesquisa com os Kaingang? Como era
a viagem para chegar lá? Como era o processo de chegar lá, iniciar estudos, trabalhar com as pessoas da comunidade?SIMÕES: Sim, porque para entrar nessas aldeias, a gente tinha que ter
uma autorização da FUNAI. Isso aí o doutor Salzano é quem resolvia tudo isso aí. E então, quando nós íamos, já o chefe do posto já estava avisado que a gente iria chegar. E então, o próprio chefe do posto já reunia aquelas famílias. E na medida que a gente fosse trabalhando, eles iam se aproximando. Então, a gente trabalhava todo o tempo necessário ali naquela aldeia, até ter 00:16:00uma amostra boa. Aí vinha embora. Aí voltava até completar todo o levantamento. Não, não podia ficar muito tempo, porque pela própria conservação do material. E outra que as viagens também não eram brincadeiras.Contei assim por cima aquele dia apenas uma. Mas e de tantas? E eu era o
motorista, no caso. Inclusive nós tínhamos uma caminhonete americana que nesse tempo não existia asfalto. O asfalto era logo que saía aqui de Porto Alegre, andava até no máximo, até Novo Hamburgo. De Novo Hamburgo para frente não tinha mais. E nessa zona lá dos índios, a região missioneira, aquilo ali era de um barro vermelho.E quando a gente pegava chuva, as estradas ficavam fechadas. Nós passávamos
porque era carro oficial. Mas nenhum carro podia passar mais porque não tinha condições mesmo de andar. Então eu fazia peripécias naquela caminhonete. [Risos] De ter locais que a gente vem vindo assim, quando vê, aquele lodo e ia embora. Aí chegava e "Puxa, doutor Salzano! O senhor faz o seguinte. O senhor desça. E vá pelo campo". Que aí eu tinha que vir, dava uma ré bem longe e vinha. Tocando. Chegava no meio daqueles barreado ali, às vezes, tinha buraco de caminhão que tirou peludo, como a gente diz. Deixava tronco de árvore, pedras. Chegava ali, aquela coitada daquela caminhonete, aquele baque, que às vezes eu voava de cima e batia com a cabeça no teto. [Risos] E aquela direção 00:18:00voava nas mãos da gente. Claro e outras ocasiões, entrar no barro, né? Quando vê, vinha um caminhão de lá para cá. E aí? Nenhum podia parar. Nem eu, nem ele. Digo e agora? Mas o cara, o motorista também é muito bom, quando ele chega em cima, ele fazia isto aqui assim e eu torcia pro outro lado. Então quando ia para passar, já para poder sair. Olha, se der para profissionais agora fazer isso, não fazem. Nunca, nunca andaram no barro assim.Olha, passei poucas e boas. Poucas e graças a Deus, nunca toquei em ninguém.
Nem nunca ninguém me tocou. Nunca tive mínimo de acidente, nada. Entende? Só essa Rural aqui, essa Rural teve 400, quase 500 mil quilômetros na minha mão. Sem nunca ninguém tocar. Quando saía em férias, trazia a chave para casa. [Risos] É. Sim, porque ninguém usava. Que aí o departamento já tinha outros carros e tinha outro rapaz também que era técnico de laboratório, também era motorista. Então, ele tinha lá o carro também do setor deles lá. Mas se eu começar a te contar a história de viagens, nós vamos ficar meses aí conversando... [Risos]DENT: [Risos] E uma vez que chegaram lá na aldeia...
SIMÕES: Sim.
DENT: Como era um dia de trabalho lá? Que eram todos os processos que o senhor
tinha que fazer?SIMÕES: Inicia... Então, iniciava cedo.
DENT: A que hora?
SIMÕES: Ah, em torno de, bom, eu não lembro bem, dependia, lógico, da
00:20:00ocasião que a gente viajasse, mas fosse no inverno, não podia ser muito cedo, lógico, em torno de 9 horas, por aí. Mas também aquilo ali, enquanto estivesse pessoas ali para serem analisadas, não tinha almoço, não tinha nada. A gente ia até cinco, seis horas da tarde. Até o último ali, entende? E então entrava por famílias. Então o doutor Salzano fazia todo o levantamento, aquelas informações que ele precisava. Aí ia passando para mim. Então ia coletando o sangue e liberando aquelas famílias. E às vezes precisava, eles vinham machucados, tinha que fazer curativo. Muitos gripados, tinha que dar remédio. Então. [Risos] Era... super...DENT: E o senhor sabia fazer isso?
SIMÕES: Sim. Se não sabia, tinha que aprender. [Risos] Depois das primeiras
vezes, a gente engata. Pega o jeito.DENT: E explicaram o que estavam estudando para as pessoas que vinham?
SIMÕES: Sim. Sim. Sim. Não, inclusive era para uma verificação de problemas
de saúde, no caso. Porque eu não estava em condições de entender. está fazendo uma pesquisa em genética, não sei o quê. Então não, era problema de saúde. Esse era o mais prático, mais simples assim para eles entenderem. Pronto. Se é problema de saúde, então problema de saúde. Ainda mais que, como eu disse, a gente fazia curativos, dava remédio para eles para dor de barriga, para dor de cabeça, sei lá. Isso, para gripe. 00:22:00DENT: E a comunicação com os Kaingang era em português?
SIMÕES: Português. Português.
DENT: Eles falavam em português?
SIMÕES: Falavam português, sem problemas.
DENT: E eles perguntavam se estavam interessados ou tinham muita paciência,
pouca paciência. Como era a interação?SIMÕES: Não, não, não. Olha, é melhor trabalhar com índio do que com
civilizado. Que o civilizado que é chato. E tu vai, dói, aí não sei o quê, vi homem desmaiar na minha frente. Por causa de medo da agulha. E entre os índios, crianças, eles ficavam olhando para ti e rindo. [Risos] Como se fosse a coisa mais natural do mundo. Entende? Não tinha problema. Aquilo era ligeirinho, rápido, rápido. Assim, colher material.DENT: E o senhor aprendeu algo da cultura dos Kaingang nessa época? Nessas
viagens ou não tinha muito tempo?SIMÕES: Não, não. Não, não, não. É, não, não tinha assim muito tempo,
máximo eu fazia da conversa, conversar a noite, por exemplo, com o chefe do posto. Mas aí ficava aquelas conversas sempre em função da reserva de uma maneira geral. Problemas que existiam entre FUNAI e funcionário. Enfim, então...DENT: E os funcionários gostaram de ajudar, de participar?
SIMÕES: Ah sim, não. Que praticamente não participava assim. Ele só avisava
eles que havia uma equipe para trabalhar com eles ali problema de saúde e tal e coisa. E pronto. Aí depois, claro que ele, ali junto com nós, vinha conversar, trazia uma chimarrão, trazia um... Entende? Mas demais, só ficavam... Cuidado 00:24:00e controlando sem problema nenhum. Então, foi, olha, sempre um trabalho muito, muito bacana. Não tinha... A gente nunca teve, assim, a não ser lá para cima, não lembro o que, não lembro agora. Uma vez deu um probleminha, mas foi lá entre um chefe e um subchefe da aldeia, deu qualquer coisa, mas não lembro bem agora. Não me lembro que que houve. Deu um probleminha qualquer.DENT: E depois dessas viagens para os Kaingang, eram todos essas viagens de caminhoneta?
SIMÕES: Sim, sim. Porque eram aqui perto. Até o Paraná, foi de caminhonete.
DENT: Sim.
SIMÕES: Agora, depois que começou essas viagens via aérea. Porque pro Mato
Grosso, como é que a gente ia? Fomos uma vez como experiência. Não deu. Não deu, porque...DENT: Essa foi a primeira vez que foram para Mato Grosso?
SIMÕES: para Mato, não, não, não, não. Primeira vez foi entre os Xavantes.
Foi nessa turma aqui com o doutor Neel. Primeira vez nos Xavantes. Não, não lembro o nome mais da aldeia. Não lembro assim de nome.DENT: Podia contar um pouco o que lembra dessa primeira viagem para os Xavante?
SIMÕES: Olha. Primeira vez dessas viagens foi a primeira vez que eu comecei a
andar de avião. E não gostava e até hoje não gosto. [Risos] Eu digo: "Olha, depois que aposentar, nunca mais quero andar de avião. Chega!". Porque já passei poucas e boas também com avião. [Risos] Para tu teres uma ideia, do meu ordenado eu gastava no mínimo um terço só de seguro de vida. Então eu mexia 00:26:00com minha esposa e dizia: "Olha, se me acontecer qualquer coisa, tu vai ser uma viúva rica!". [Risos] É, no fim, coitada, ela foi primeiro. Mas eu tinha certeza que eu não ia me aposentar. Eu ia ficar por aí. Porquê de tanta coisa, tantas peripécias que eu passei. Então, se fosse me dedicar a contar uma coisa por coisa, assim, é brabo, mas valeu. Valeu. Agora o doutor Salzano, sim. O avião pode estar que nem elevador, desse jeito, ele está lá lendo. Não é possível. [Risos] Eu suando. Ah! [Risos] "Vai cair essa porcaria, vai bater numa árvore!"Pegamos um avião. Quatorze paradas entre Belém e Araguacema, parece que era
quatorze descidas no meio do mato. Pelo amor de Deus! Do suor frio, suor... [Risos] Sim, porque aquele avião desse jeito assim, tu olha aquilo, minha nossa, parece que ele vai tocar nas árvores. Sim, e nessa ocasião, tinha caído um avião. Então, pediram para ele fazer um vôo visual, bem baixo, para ver se encontrava esse avião no chão, no meio do mato. Então, olha. Aquele avião trepidava tanto, trepidava tanto. "Essa porcaria vai cair!"Mas, uma vez um oficial mecânico da FAB, ele diz: "Olha, Douglas não cai.
Derrubam ele!". Porque na época, eu acho que a FAB, como coisas do governo, 00:28:00eles têm dificuldade para conseguir, por exemplo, se estraga um motor do avião para conseguir uma peça nova, tem que fazer, como é que é? Até esqueci... Não pode, não posso pegar dinheiro e ir lá comparar uma peça. Não. Tem que esperar toda aquela burocracia do governo. Às vezes demora meses. Então esse oficial dizia assim: "Não, nós pegamos um outro avião que está lá no chão, a gente já peça aquele lá!". Claro, usada, né? "E bota neste aqui. Funcionou? Vamos embora!" Então, ele dizia: "O Douglas não cai! Derrubam!". Por causa desse procedimento, da dificuldade de até vir uma peça nova. Tiravam peça usada de outro e botavam ali. Funcionou? Vamos embora. Pronto. [Risos] Ai, coisa. [Pausa] Mas tem, tem muita coisa interessante. Muita coisa gozada que aconteceram. Mas infelizmente, como te disse, eu nunca fui assim, interessado em muita fotografias ou de tomar nota de casos que aconteceram, então, passeou. Coisas que a gente tem na memória, mas também já um pouco esquecidas. Mas tem algumas que marcaram bastante. Então...DENT: Lembra da primeira chegada na comunidade Xavante depois desse primeiro voo?
SIMÕES: Sim, foi a primeira vez que eu vi, quando o avião abriu desse aí, o
grande, o Douglas. Quando ele abriu as portas ali. Que o índio, ele ouve barulho do motor que está se aproximando dali, mas muito tempo antes de a gente 00:30:00chegar. Então eles já correm para lá para aldeia. Quando parou aquele avião lá no meio do mato, que abriu as... aqueles índios tudo nus. Que até então, a gente trabalhava com os Kaingangs aqui que era contato com civilizado há muito tempo. Então o costume deles aqui é os nossos. Tipo, o pessoal do interior aí. Chega lá no meio do mato, vê aquela, homem, mulher, criança, todo mundo nu. [Risos] Primeira vez deu um impacto assim, até acostumar. [Risos]Agora o gozado para gente trabalhar no meio deles, a gente também sofre um
pouquinho, porque quando eles vêm do mato, traz uma nuvem de pium, que é um inseto que morde, que nós chamamos aqui de borrachudo. Lá para cima é pium. Então olha, e com aquele calor, tu não pode estás muito vestido e aquele bicho começa a te pegar também. A gente botava tudo quanto era cheiro e tal, mas não adianta muito, não. É, e além do mais, se juntava aquela tropa e junto deles de tu estás ali e eles tão, e te abraçam, e te alisam o teu cabelo, e tocam nos teus óculos. [Risos] E tocam na tua roupa e ficam ali... Mas aí aqueles índios estavam numa morrinha, uma coisa de Bá!... Sabe? Trabalho é esse aí. [Risos] Não adianta está querendo reclamar de nada, eu nunca fui... só comentando, porque eram coisas que aconteciam. Mas eu, para mim 00:32:00está tudo bom. Se tivesse o que comer, a gente comia. Se não tivesse o que comer, eu não comia. Não tinha problema nenhum de...DENT: E pode contar como era um dia de trabalho lá na comunidade Xavante?
SIMÕES: Sim.
DENT: Lembra quanto tempo ficaram lá? Nessa viagem?
SIMÕES: Eu acho que foi nessa viagem que eu fiquei quase uma semana lá depois,
ou mais de semana, sozinho lá. Que esse avião não pôde ir nos buscar. Então foi lá um avião pequeno, um Cessna. E como tinha todo esse pessoal que tinha que embarcar, que tinha que ir embora para lá, para Inglaterra, França, não sei para onde mais. Mas o doutor Neel e outros para os Estados Unidos. Passagem dele, não podiam perder tempo. Então eles vieram, esse avião e eu fiquei. Não dava. Já estava com excesso de peso e eu cheguei a contar aquele dia, né? Não quer que eu repita? Aí o piloto foi e me disse: "Não, Girley, tu pode aguardar aqui mesmo". Porque ficava longe aquela pista, pista. Picada no mato ali onde o avião descia, ficava longe da aldeia. Não tinha ideia assim, mas olha, era umas duas horas caminhando, para mais. Eles: "Não, tu aguarda aqui mesmo na pista aqui. Até duas horas da tarde, tô aqui de volta, para gente ir. Voltar para Goiânia. Se não der para chegar às duas, eu vou chegar em torno de quatro horas, mas aí eu fico aqui porque aí não dá para voltar. 00:34:00Aí vamos pernoitar aqui e a gente sai amanhã de manhã." "Não, tudo bem". Eu fiquei. Isso era umas sete e pouco da manhã. Foi embora o avião, fiquei lá. E veio meio dia, e veio uma hora, veio duas, veio três, veio quatro, veio cinco. Até os próprios índios, como diz, vamos embora. [Risos] Não, vamos embora.Segundo dia. Voltei cedo para lá. Digo não, amanhã cedo esse avião vai estar
chegando aí. Já vou ir para lá. E os índios me acompanhando. Aí ficamos também todo o dia lá. Desde que chegamos até quatro, cinco horas. Ficamos ali e nada de o avião vir. E aí, que que tu vai pensar? Um acidente, alguma coisa, sei lá o que que houve. Porque se ele me garantiu que ia chegar ontem, não chegou. Não chegou hoje. Então?E aí o problema que a alimentação nossa, como a gente ia embora, eu
distribuí pros índios. Não era grandes coisas, mas sempre tinha bolacha, biscoito, sei lá, leite em pó, essas coisas. [inaudível] Dei. E todo esse tempo que eu fiquei lá, em torno de uma semana, não lembro bem se um pouquinho mais, um pouquinho menos, mas foi por aí. A alimentação era fornecida por eles, pelos índios. E olhe, não perdi um quilo, nem aumentei um quilo, fiquei no mesmo peso, normal. E eles toda hora de alimentação, eles me traziam alguma coisa para comer. E nunca era a mesma coisa. Se no almoço, por exemplo, eles 00:36:00trouxessem peixe, feito à moda deles. Como não tem sal, eles queimam, né? Então aquela coisa queimada, aquele preto queimado fica meio ardidinho. Aquele que dá o gosto. Entende? Não tem sal. [Risos] Então, por exemplo, se ao meio dia era peixe, de noite, era caça. No outro dia, era uma ave, entende? E assim, eles faziam. E nos intervalos, me traziam tudo quanto era tipo de fruta. Que eles pegavam pelo mato. Se eles comiam, eu nem conhecia. Algumas frutas eu nem conhecia. Mas eles traziam, comiam, eu como também. Está bom. Agora eu nunca esqueço de banana deles. As bananas verdes. Mas umas bananas desse tamanho, acho que dessa grossura assim.DENT: Que tamanho é isso? Quantos seria? Quarenta centímetros? [Risos]
SIMÕES: Mas olha! Eu acho, mas olha, mas era uns bananão verde, eu nunca tinha
visto aquele tipo de banana. Também foi só naquela região ali do Mato Grosso que eu vi. Nunca mais eu vi um negócio daquele. E a gente tem plantações de banana, aqui de Santa Catarina, Rio Grande do Sul. Paraná também. Depois, pela costa aí. Mas na parte do mato ali, não. Então surgiu esse. Banana, digo, banana. [Risos] Mas não dava para comer. Talvez se fizesse aquilo frita ou sei lá, aí talvez desse. Mas crua assim. Era uma coisa dura e ácida. Não dava aquilo. Aí ficava com aquela coisa na boca, por dentro da boca. Aquela coisa parecia assim pegajosa, coisa gozada. [Risos] 00:38:00DENT: E era só para comer assim? Os Xavante comiam assim?
SIMÕES: Sim. Comiam. Acostumados, então...
DENT: Claro.
SIMÕES: Era uma coisa gozada.
DENT: E nesse tempo que o senhor ficou uma semana depois da ida dos companheiros
de trabalho...SIMÕES: Sim.
DENT: Como se comunicava com os índios?
SIMÕES: Por mímica.
DENT: Sim?
SIMÕES: Ahh... Não tinha... Ah, eles vinham trazer coisas, sabia que era para
mim comer. Agora, aconteceu uma coisa bem interessante nessa época. Nessa aldeia aí. Eu tinha um suéter desses, de lã, comum. E aquele suéter desapareceu. Um dia, eu vi um índio usando aquele suéter. Para quê? O chefe soube. Fez ele tirar e vir me entregar. "Não, ele não quer aceitar." Dei para ele de volta. Mas o próprio chefe, não. Então tive que dar para outro. Dei para outro lá. Bem mais. Ele pegou, acho que deixei por lá, decerto eu lavei e deixei por lá, ele pegou. Mas aquilo é uma coisa natural. Não estava fazendo nada demais. Entende? Então assim como eles também me davam coisas deles, de recordação. Mas o problema é que aí eu não, eu nem, não queria de volta. Mas o chefe que estava obrigando ele a devolver. Então se eu não aceitasse aquilo, seria até uma ofensa para eles. Então aí peguei e dei para outro. [Risos] 00:40:00DENT: E como se sentia nesse tempo que estava lá esperando avião chegar?
SIMÕES: Então era... O que eu senti isso... O problema... A gente não tinha
nenhuma comunicação. Não existia celular, não existia rádio, não tinha nada. Então o que eu podia imaginar é que houve algum acidente, caiu por aí esse avião. Pronto, e agora? Algum dia vão me procurar. Que a Universidade francamente não tomava conhecimento das minhas idas para lá, porque não pedia permissão para sair e também não pedia diárias, para receber diárias. Então a universidade praticamente não sabia. Única coisa que sabia era minha família. Que a Neiva minha esposa trabalhava lá no departamento. Mas na parte de, como é que vou te dizer? Na parte de agricultura ali. Então, eu claro que ela vai achar a pauta, vai se comunicar decerto com a universidade. Um dia, sei lá quando a universidade vai ter que entrar em contato com a FUNAI ou sei lá quem. E vão ter que chegar, algum dia vão vir. Vão me procurar que que sobrou, né? [Risos] Digo então, nesse meio tempo eu não estava passando fome, eu não estava, claro, preocupado. Quando é que vão vir me pegar. O problema de família, que a gente sai e não toma mais conhecimento, não sabe se tão precisando de alguma coisa, se tão doente e isso e aquilo. Então é meio complicado a coisa. Mas, passou.DENT: Deu tudo certo. E como chegou o avião que chegou, estava procurando você
00:42:00ou estava só...SIMÕES: Não, não. Foi o mesmo avião. Então ele foi explicar que esse avião
era de uma firma, e a firma já tinha fretado. Já tinha alugado esse avião para um senador fazer campanha eleitoral. E ele não teve jeito, não abriu mão. Então por isso que ele ficou todo aquele tempo andando com o tal do senador, fazendo campanha política. E eu lá. Fazendo a minha campanha de isolamento. [Risos]DENT: E antes de ficar sozinho na aldeia, como era o processo lá nessa viagem,
estava lá o professor James Neel, da Universidade de Michigan, estava Friedrich Keiter, que era alemão.SIMÕES: Sim. Sim. Professor Keiter.
DENT: Keiter.
SIMÕES: Keiter.
DENT: Estava também o professor Maybury-Lewis, o David Maybury-Lewis, o antropólogo.
SIMÕES: Exatamente.
DENT: Pode comentar um pouco como era cada um deles e como era o trabalho,
assim, em grupo?SIMÕES: Sim. Porque parte do doutor Neel, ficava junto com o doutor Salzano. E
os outros também ficavam mais ou menos. Porque entrava aquela família, então, todos já iam, dentro da sua atividade. Já iam tentando recolher os dados que precisavam. E claro que tinha um intérprete, intérprete...DENT: E lembra quem era o intérprete?
SIMÕES: Poxa, agora tu me apertou. Eu não lembro se era da FUNAI. Mas eu tenho
a impressão que...DENT: E não era o professor Maybury-Lewis que falava Xavante?
00:44:00SIMÕES: Esse Maybury-Lewis, eu lembro dele, mas não...
DENT: Tinha também um intérprete...
SIMÕES: Parece que era... Não, não tenho certeza, certeza. Mas eu sei que ele
tinha envolvimento muito grande ali também com os Xavante. Mas eu como ficava lá naquela minha, minha parte ali, que mal olhava pro lado. Porque faziam mais ou menos rápido com uma equipe, então vinha famílias grandes. Então, ficava ali...DENT: E que estava fazendo? Que era sua responsabilidade dentro das tomadas de
dados lá? Antes da tomada da sangue que era depois ao final.SIMÕES: Era só... Não. Era, essa era minha...
DENT: Só a tomada de sangue.
SIMÕES: Só. Somente isso. Às vezes ajudava também no problema de visão.
Acuidade visual. Então eu sempre ajudava. Fazia isso aí.DENT: Fazendo exames de visão?
SIMÕES: De visão. Então tinha que, para acertar a distância exata. E depois
ir para lá e apontar para uma figura. E primeiro mostrar para eles que figura era assim, outra assim, outra assado. Porque tem que fazer conforme ele enxergasse ali, ele tinha que mostrar a direção da figura. Aliás, até acho que tem até uma foto aqui. Dá uma olhadinha aqui, olha aqui ligeiro. [Som de fotos] 00:46:00DENT: Aqui.
SIMÕES: está aí?
DENT: Pode comentar, pode explicar como era essa carta?
SIMÕES: Ah sim. Olha aqui ó. Olha ali ó. Até onde eles vão enxergando.
Então é uma traba... Esse aqui ó, aí ele fazia...DENT: Pode explicar como era? Como era para alguém que não tenha uma imagem?
SIMÕES: Era um quadro. O tamanho?
DENT: Ah, o tamanho...
SIMÕES: O que que a mãe quer?
DENT: Sim, como é que...
Mãe de SIMÕES: Vai um cafezinho, toma um cafezinho?
DENT: Sim, muito obrigada. [Risos] Aceito. Ah, muito amável.
Mãe de SIMÕES: Não tem açúcar.
DENT: Se seria possível explicar como é esse teste. Sim, para alguém que não
pode ler, né? E isso?SIMÕES: O quadro. Sim. Sim, sim. Não, não. É, exatamente, isso aí é para pessoas...
Mãe de SIMÕES: Espera, vou botar açúcar.
SIMÕES: Ah, mãe. Pouco, pouco açúcar, dá aqui. Já ponho mais. Olha, olha
aonde ficava o quadro lá, ó, na parede. Então aqui era marcado uma distância. Eles ficavam nessa distância aqui. Então esses quadros, tinha quadro tinha os vários tamanhos de sinais, Então vamos dizer, a média era até aqui, ó. Até aqui era a pessoa muito boa de vista.DENT: Até o número cinco. Então, é uma quadra que tem ou que parece como um
E, um M, um 3 e um double V, né?SIMÕES: Sim. Sim. Exatamente. Ela pode ver aqui, parecia um M.
DENT: Sim.
SIMÕES: Aqui um E. Depois um outro é virado para lá, o outro para cima. Entende?
DENT: E tem oito níveis?
SIMÕES: São quatro níveis. Essa figura não. Essa figura, ela é virada em
quatro posições: para direita, para cima, para esquerda e para baixo.DENT: Ah, claro. Sim. A figura tem, são quatro versões da mesma figura e tem
oito linhas na quadra. Não? Aí que cada uma é mais pequeno que o anterior, 00:48:00então, a questão é se essa, a que distância se pode ler. É isso?SIMÕES: Então, olha aqui, ó. Sim. Exatamente. Então aqui ele vai, enxergou
aqui, ele vai indicar nessa direção. Enxergou aqui, ele vai indicar qual é a direção que está essa figura. E ali a mesma coisa. Então, aí quando ele errou aí parou.Mãe de SIMÕES: Mais açúcar? Não toma com açúcar?
DENT: Não, está bem, muito obrigada, já... [Risos]
SIMÕES: Mãe, tem aquele, tem aquele bolinho ali. Tem aquele bolinho ali, mãe.
está aqui, mãe. está ali junto com o pão ali. É, mãe. Aí embaixo. Coitada. Ela esquece. Esquece. Então, aconteceu um caso que um doutor falou para mim quando eu estava tirando a medida, então ele foi fazer o teste comigo. E eu enxerguei tudo, até o último. Ele diz: "Não, não é possível. Tu decorou!". Como é que eu ia decorar? Bá! [Risos] Eu não. Sei eu lá. Mas olha, não, mas eu tinha uma visão muito boa mesmo. E ele disse não, não pode. Eu estava enxergando além do normal. Se o normal era até ali, eu enxerguei todas. Todas. Sei lá.DENT: [Risos] Então, parte da sua responsabilidade, durante a coleta de dados,
era fazer a prova, medir a distância para a prova de visão.SIMÕES: Sim. Depois, indicar também as figuras. E ele dizendo qual era a
posição daquela figura. Até o momento que começasse, que errou, então aí 00:50:00insistia novamente. Não, o próximo errou, insistia sempre na mesma linha. Na próxima também errou. Bom, então, chegou. Parou por aí.DENT: Sim. E como era...
SIMÕES: E, além disso, para mim nunca foi nada... Nunca tive dificuldade para
nada assim. O que precisou, se tu precisa de qualquer uma coisinha ali, tô disponível aqui, eu vou lá te ajudar. Assim, fazer comida. O alimento foi eu é que tinha que fazer. Lá... [Risos] Então, olha, como eu sempre comento com pessoas conhecidas, amigos às vezes em conversa. Digo: "Doutor Salzano é uma pessoa assim fora de série". Puts... [inaudível] também, né? Mas o doutor Salzano, a gente, por exemplo, nas capitais vai pros melhores hotéis. O melhor hotel da cidade, a gente ficava. Come o que tem de melhor e bebe o que tem de melhor. Agora lá no mato, fazia aquelas sopinhas lá de qualquer coisa ali. E ele se sentava no chão, nunca vi ele reclamar de nada, dizia "olha, está frio, está quente, está salgado, está doce..." Nunca. E para ele está tudo bom, sem problema. Ele é um companheiro assim de...DENT: E como comparava o professor Salzano com os outros professores que estavam
lá como parte da equipe? Lembra alguma história do professor Neel ou do professor Maybury-Lewis? O do professor Keiter?SIMÕES: Não, não porque a gente...
Mãe de SIMÕES: Não está frio?
DENT: Não, está ótimo. Muito obrigada.
00:52:00SIMÕES: O professor Keiter é que mais, mais ou menos arranhava um pouco mais
do português. Então ele... Eu nunca esqueço de ele falar para mim, disse: "Girley, tem que aprender o alemão". [Risos] "está bom, doutor Keiter, tem que aprender alemão." [Risos] Porque ele viajou também aqui pros Kaingang. Viajou comigo no carro, entende? Andamos viajando por vários dias aí, né? Então, ele gostou muito de viajar comigo. Então, a gente sempre rabiscava algumas palavras. Dava para se entender. [É uma pessoa muito bacana também.]Mãe de SIMÕES: Não vem comer um bolinho?
SIMÕES: Não, mãe. Você sabe que eu só tomo um cafezinho. E o seu café, mãe?
Mãe de SIMÕES: Casa é muito grande. [Risos]
SIMÕES: E o seu café, mãe?
SIMÕES: Mas de mais, fora do trabalho ficava reunião. Os assuntos é só sobre
atividade mesmo. O que foi feito naquele dia, que seria feito no outro dia. E enfim, era sempre de assuntos em termos de coisa. Então eu realmente eu já não entrava nesses detalhes. Porque aí eu já saía para lá, ia fazer uma coisa ou outra, como que eu disse ia fazer uma janta, um almoço. Enfim, janta, porque almoço, a gente não tinha tempo para fazer. Então eu já ficava para lá e tal. Eles ficavam, depois a gente cansado, jantava, daí em seguida dava, batia o sono. No mato, a gente vai à cama ligeirinho.DENT: E como comparava a interação com os Xavante como a interação que a
00:54:00gente teve antes com os Kaingang? Como comparava a experiência de estar lá no mato versus a uma comunidade assim que estavam já mais perto?SIMÕES: Sim, aqui seria, aqui é mais fácil. Porque, mais fácil em termos da
nossa estada no local. Porque aqui tinha os chefes do posto, da reserva. Então tinha ele e a família. Então como a gente levava mantimento para nós, então chegava lá, entregava tudo para eles e eles que faziam o almoço, a janta para nós. Então nesse ponto, era bem mais prático. Lá no mato, a gente já não tinha essas facilidades, então aí eu que tinha que dar jeito de fazer uma coisa qualquer ali para...DENT: E qual era o prato preferido do grupo para jantar lá na selva? Que que
era a comida que preparava?SIMÕES: Olha, sabe que eu não lembro assim? Especial, porque normal, mesmo o
normal seria sopa. Porque levava massa. E levava algumas coisas enlatadas. E se não tinha refrigeração, não tinha nada, a gente não podia levar nada que perecível. Então tinha que levar bolacha e bastante coisa. Se eu posso me desviar um pouco do assunto para contar outros casos...DENT: Claro!
SIMÕES: Como o Fernando. O Rocha, todo filhinho de papai. Só comia, diz que em
casa... A gente ia lá pros hotéis, ia nos restaurantes e ele só queria arroz, 00:56:00ovo, bife e batata frita. Digo: "Rapaz, tu não come outra coisa?!" "Não. Até em casa, como só arroz, bife e batata frita". Digo: "Ô Fernando, nós estamos no... Não quer fazer o trabalho lá no mato lá?". Disse: "Sim, vamos." "Então, rapaz. Tu acha que tu vai comer arroz, bife, ovo e batata frita? Não comigo!". [Risos] Aí ele: "Não, não." "Fernando, tu vai te arrepender". Bom, a primeira vez que nós fomos pro mato, mas ele levou pacotes e mais pacotes de bolacha. Então só comia bolacha e tomava água. Bolacha e água. Ele não queria tomar, não queria fazer aquelas comida que eu fazia, ele não queria. Tudo bem. Problema é teu, né? Eu te avisei.Chegou uma ocasião, estava entre os Xavante. Xavante ou Kayapó? Eu acho que
foi Kayapó. Nós almoçamos ali, comemos o que tinha que comer. E aí sai eu e ele, e fomos sentar lá na beira do rio, do rio Xingu. Ficamos ali sentados numas pedras ali, esperando passar o tempo para começar o trabalho. Antes que os índios voltassem lá da aldeia. Tá. Ali conversando e tal, dali a pouco, eu olho para trás assim, vi o chefe dos índios. Esse jeito com uma bengalinha, um pedaço de pau ele trazia na mão, se apoiando. Mas já velho. Vinha com a mão assim. Ele veio, veio, veio e passou por mim e foi em direção ao Fernando. 00:58:00Sabe o que que ele trazia na mão? Um ovo, assim, tipo frito. Trazia naquela mão suja.Mãe de SIMÕES: Ai, que horrível. Não bota a mão assim.
SIMÕES: Então vá ver a mão deles, que chegam assim, ó. Tão perto da
senhora e passam a mão por tudo quanto é lugar. [Risos] Aí o Fernando: "Não." "Não faz isso, rapaz. Pega! Pega e come! Tu está vendo aí o chefe da aldeia, rapaz!". Sabe que até hoje, ele diz que foi sacanagem que eu fiz para ele. Como é que eu ia fazer? Que jeito? [Risos] "Ah, aquilo foi praga que tu rogou!" [Risos] Bá! Passou por mim, mas eu sei que ele botou na boca e ficou de boca fechada. Coitado. Virou as costas e saiu para lá, ele saiu correndo lá para trás jogar fora. Digo: "Olha, até parecia que coisa que eu tinha mandado mesmo!". Entende isso, mato é mato. [Risos.] Também querer, tu não queria ovinho? está aí, ó! [Risos] "Ovo frito, ovo, bife, batata frita." Então tem coisas assim... Mas há pouco tempo, encontrei ele e ele estava de diretor aqui no Hipódromo, Diretor do hospital do, ali do Hipódromo. E ele ainda tocou nesse assunto, diz: "Não, aquilo lá foi coisa que tu me fez!". [Risos] Eu digo: "Então tá, foi...". [Risos] É brincadeira!DENT: [Risos] O senhor sabia quando entrou no cargo, trabalhando com o professor
Salzano que ia ter que fazer trabalho de campo? 01:00:00SIMÕES: Não. Não. Não. Entrei para trabalhar de dentro do laboratório. Não
tinha a mínima ideia que ia sair fora do laboratório. Tanto é que de acordo com a função pública, eu sou técnico de laboratório, então tenho que ficar ali dentro do laboratório. E teria que ter uma pessoa especializada em coletas.SIMÕES: Isso aqui está aberto aqui, mãe. Senti o cheiro de gás, mãe. A
senhora deixou aberto, não ligou, colocou água aqui e não ligou. É, eu senti o cheiro.[Conversa com a mãe]
Mãe do SIMÕES: está bom? Aceita mais um pouquinho?
DENT: Muito obrigada. [Risos]
SIMÕES: Então tinha, fui assumindo as coisas. E aí como tinha que sair para
fazer coleta fora, aí eu já sabia, desde os treze anos dirigindo carro. Tempo que a gente chama aqui Ford bigode, aquilo modelo A. [Risos] Mas eu não tinha carteira, então aí o departamento pagou a carteira para tirar a carteira de motorista, para poder dirigir o carro. Aí foi tranquilo. 01:02:00DENT: E gostou?
SIMÕES: Assim, mas eu...
DENT: Dessa parte do campo? Das viagens?
SIMÕES: Eu gosto de tudo. Eu não tenho nada que, nada me... Se é o meu
trabalho, é o meu trabalho. Pronto. Olha, se eu vou te contar, infelizmente eu vou encher, saindo fora até das... tu sabe, o Israel, até faleceu a pouco tempo, fui eu, ele e mais uma turma de médicos. E, íamos fazer um estudo de uma família aí pro interior, aqui do estado. Tô indo e então tem as pontes, é assim, a madeira aqui, uma outra tronco e as tábuas atravessadas em cima. Aí só tem, depois só mais uma tábua aqui que é o trilho pro carro passar. Tá. Eu bem aqui assim, chega ao longo da ponte estava assim, tinha caído essa parte aqui, ó. estava cheio de gente trabalhando aqui. Aí e agora? Não dá para passar. Não dava para passar adiante. Sei eu lá. Eu nunca tive dificuldade para coisa nenhuma.Aí desci do carro. Falei: "Quem é o chefe aí, quem é o mestre?". Aí disse:
"É o fulano". Fui lá e comecei a explicar para ele: "Ó, assim, assim, assim, assado. Pessoas doentes, aí vem uma turma de médicos aí dentro e nós precisamos ir." "Pois é, mas não dá para passar". Digo: "Mas eu não tenho nem sei por onde voltar para esse local aí". Aí fui e disse para ele 01:04:00assim... Digo: "Diz uma coisa. Vai demorar muito?" "Ah, vai demorar, porque eu tenho que desbarrancar ainda mais, soltar [inaudível] aqui, depois levantar...". Fui e disse para ele: "Escute". Tinha mais ou menos uns mais de 10. Aí eu disse para ele, digo: "Será que umas 10, uns 10 operários desses aí não levantariam essa parte aqui?". Não, porque se eles suspenderem essa ponte desse lado aqui, ó, eu passo com a caminhonete apoiando neste aqui. Olha, loucura. Fiz todo o pessoal: "Desce". Disse: "Desce e vamos a pé, atravessa a pé para lá e deixa comigo". Claro, botei a caminhonete aqui. Bem na roda bem nessa ponta aqui, ó. E vim ocupando aqui. E eles apoiaram tudo aqui. Loucura. E se aquela caminhonete, se eles não aguentam o peso lá e aquela caminhonete escorrega para cá e cai por cima deles?Mas a troco de que fazer isso? Não era minha obrigação. Em primeiro lugar,
não era o motorista. Segundo lugar, estava desviado de função. Cheguei ali, olha, não dá para passar, vamos voltar, vamos embora. Deixa para outro dia. Né? Mas não. Eu nunca fui de reparar nada. Nunca fui de voltar atrás. Essa caminho, essa rural, só aqui no estado, no mínimo três vezes ela entrou em locais que nunca tinha entrado carro. E o cara: "Não, não passa". Quero ver. Ai, meu Deus do céu.DENT: Aí pensando nessa dinâmica entre o senhor e os estudantes do professor
01:06:00Salzano, pode comentar um pouco como era levar os estudantes para o trabalho de campo?SIMÕES: Sim. É, porque aí, por exemplo, com o Israel. O Israel estava
fazendo, a parte do estudo dele era sobre hemofilia. Então nós fizemos um levantamento em todo o estado. Inclusive, até ali o laboratório era montado, a gente já levava todo o equipamento dentro da caminhonete. E chegava no local, ou seja, no hotel, ou seja, num hospital, a gente montava. Aquilo, uma peça lá, ou seja, numa faculdade, enfim. Inclusive até na casa de um irmão meu, foi lá em Bagé, foi montado. Então ele ficava no local, trabalhando. E eu ia... Podia ser no fim do mundo, não tinha problema. Ia lá, trazia pessoal, aí levava de volta, entende? Então, inclusive, aqui ó, aqui perto.Aqui em Cachoeira do Sul, teve uma, assim, quando chegava de noite, eu ajudava
a... Eu fazia também aquela árvore genealógica. Fazia aqueles mapas. Já tinha... cansa com aquilo também. Aí nós tínhamos feito um trabalho, aqui para esse lado. Cidade está aqui, Cachoeira aqui, para cá. Toda aquela família. Aí eu ia, eu já fazia o levantamento de tudo. Anotava os dados todos, pai, marido, filho, irmão, enfim. E nós ia para cá, coletava. Aí ia para aquele outro lado, outra família também de hemofilia. Tudo bem. Depois de um ou dois dias. De noite, eu fazendo aquele mapa, mas já estava enorme. Olhei. Uma parte do mapa, mas para um pouquinho. Sobrenome, aqui tem um sobrenome. Eu acho que isso é a mesma família. Aí o Israel não estava acreditando. Aí eu disse para ele. Eu digo: "Não, então vamos fazer o seguinte: eu vou... deixa eu ver o nome aqui dessa pessoa aqui. Eu vou procurar essa pessoa aqui. Eu vou ir lá." Aí cheguei lá, resultado: eram irmãs, mas faziam mais de 40 anos que tinham perdido contato uns com outros, que nem sabiam que existia no mesmo município. Então foi assim uma coisa muito bacana. Ah, sim, e aí trouxe essas daqui e fui lá, trouxe aquela para juntar as duas.DENT: E como era essa experiência assim de as irmãs se encontrar de novo?
SIMÕES: Mas imagina! Imagina a saudade. Achavam que tinham morrido, porque
separaram praticamente criança. Entende? Achavam que era mortas uma da outra. Nenhuma sabia da existência da outra. Moravam no mesmo município. Só que no interior. Aquela história, sem comunicação. Então, morar lá para aquele lado e outro apareceu por lá. Então tem essas coisas assim que de vez em quando a gente vai lembrando de detalhes. Uma outra, posso contar mais uma com Israel?DENT: Claro, por favor.
SIMÕES: Eu acho que foi na viagem da ponte. Todo dia trabalhando, cansado. Aí
chega umas 10 horas da noite, ainda faltavam outros para [inaudível]. Umas 10 horas da noite. Eu na porteira. Olha, fizeram uma granja de arroz. Uma granja de arroz, o arroz aqui é cultivado na água. O lodo estava aqui perto da porteira. "Tá e agora? Vocês vão ir a pé?" "Não, não, não. Temos que ir de caminhonete." "Como é que eu vou entrar com a caminhonete aí? Se eu entrar, não saio. Se é que eu vou conseguir entrar?". E eu com fome ainda por cima. E brabo, cansado. "Não, porque nós temos que ir, porque...". Tinha inclusive uma que é a médica, aqui da Santa Casa, que na época era noiva de um dos médicos que estavam junto, com nós ali. E tinha mais, parece que uma enfermeira também. Ah, não, porque ela não podia e como é que ia de sapato alto naquele barro? Querem ir, então tá. Então abre ali a porteira. Eu já com nojo, digo: "Nem vou descer para ir abrir porteira. Abre lá quem quiser". Pois o Israel desceu lá, foi lá abrir a porteira.Aí dei uma ré e vim com tudo. Entrei. Ah, mas aquela coitada daquela
caminhonete. Claro! Chegava lá no meio daquele arrozal, pegava um buraco, saltava. E foi embora! O barro, aquele lodo, até praticamente junto da porta da casa. Que quando eu fui assim em direção à casa. Aqui, a casa está aqui. Eu tô em frente. Quando eles desceram, aí para entrar lá para casa, eu só simplesmente, só torci a direção aqui, só apertei aqui e a caminhonete sozinha fez a volta e ficou virado para lá. De tanto lodo que tinha ali. Mas naquele jeito eu fiquei virado para lá. Sabe? E aí?Fizeram lá levantamento e tal, aí saíram. Eu disse: "Olha, esse carro não
vai sair daqui ein?" "Não, não, vai sair." "Não vai sair." "Tá, entrem". Consegui andar, eu acho que uns 50 metros até que caiu lá dentro de um buraco, lá já não saiu mais. "Ah, tu vai ter que sair por aí a procurar um trator." "Quê?! Eu não! Vá quem quiser. Eu não vou". Saiu acho que o Israel e mais o Palombini, que é médico. E até de negócio de pulmão. Saíram. Lá pras tantas da noite, acho que umas onze e meia, mais ou menos, quando eu vi umas luzinhas, um trator. Conseguiram um trator lá. Parou. Aí o trator ir lá. Tá, arrastou a caminhonete até lá fora da porteira. Foi embora. Tá, agora vou embora. Digo: "Olha, eu não vou embora, ein? Primeira casa que eu encontrar...". Já era quase meia noite. "Primeira casa que eu encontrar, eu vou pedir comida e pousada." "Tu é louco!" "Não, não vamos, não." falei. "Vamos, vamos embora, vamos embora."Digo: "Eu não vou, rapaz. Não vou. Eu vou... Não." "Ah, capaz que tu vai
fazer." "Então tá". Aí fui andando, andando, lá pelas tantas na luz do carro assim, luz alta. Pomar. Lado assim das laranjeiras e tal. Digo: "Aí tem casa". Mas não teve dúvida. Cheguei. Já torci a caminhonete em direção à casa. Dei umas buzinadas na frente para... Aí, ali a pouco, eles ficaram: "Tu é louco, rapaz, essa hora tu fazendo isso!". Digo: "E daí?". Aí eu vi que acendeu uma luzinha lá dentro, né? Daqui a pouco veio perguntar sem abrir a porta: "Quem é?". Aí eu expliquei. Disse: "Olha, é o seguinte: nós estamos aí, é uma turma de médicos, tão fazendo um trabalho aqui na família de doentes, família assim, assim, assado. Acho que era conhecida deles também. Aí quando vi a porta começou a ranger devagarinho assim. Só vi primeiro aquele enorme '44 que apareceu na porta, antes dele mostrar a cara. Ai meu Deus. Fiquei ali. Conversando, explicando, explicando, explicando. Ele: "Pois é". Aí eu disse: "Não, senhor, acontece que a gente trabalhou todo dia. Tirando peludo aí dentro dessas, com carro atolado aí no meio dessas granjas. Nós não almoçamos, não jantamos. E eu tô que não, não consigo quase que nem dirigir mais de cansado". Aí ele ficou escutando e tal. Mas aí diz ele... Aí já voltou às boas. Deixou a arma para lá. E ficou com a luz de vela na mão. Aí diz ele: "Mas essa hora não tem mais nada, a gente já jantou, sou só eu e a minha velha." "A gente janta cedo, meu filho. Já são meia noite". Quando eu vejo, a velhinha apareceu lá na porta. Também com a vela na mão. Pano ainda branco amarrado na cabeça. "Não, fulano, tem sim. Tem janta, sim. Vai lá no galinheiro e mata uma galinha. Que eu vou fazer janta para eles." Pronto. Enquanto ela estava fazendo a janta começamos a conversar e tal.Ah, resultado: já os médicos que estavam ali, já trataram deles e tal, mas
olha, pegamos uma amizade com eles. Ficaram satisfeitos. Estávamos jantando e eu fui e perguntei para ele, digo: É, já tinha me dado o nome, não lembro. Digo: "Mas o senhor tem um local aí para mim dormir?". Ele: "Mas filho, eu tinha só essas duas pecinhas aqui. Só lá o quarto é pequeno. Quarto meu e da minha velha ali, não sei o quê. E aquela cozinha não dá para...". Digo: "Mas e não tem um galpão aí?" "Não, filho, não tem, a gente não tem galpão aqui, só tem um paiol". Digo: "Tá. Dá para dormir lá no paiol?" "Não, não dá não sei quê...". E aí: "Não, mas eu quero dar uma olhada no paiol". Aí o pessoal: "Bá, tu é louco! Mas capaz!". Digo: "Não, eu vou lá olhar". Aí eles foram comigo lá olhar. Foi o velhinho esse com uma vela. E a gente nem lanterna tinha. Olha, quando abriu aquela porta, o barulhão que saiu lá de dentro daquilo. Parecia assim um rebanho de ovelha correndo. Que tinha de rato lá dentro. E a morrinha de rato. Mas chegava a arder no nariz. Mas eu brabo. Digo: "Eu vou... Não, mas eu vou dormir aqui". Aí o pessoal: "Não, porque tu não vai, porque tu está louco, porque não sei o quê, não sei o quê". Digo... Aí eu lá, macaco velho, capaz que eu vou até... Olhei para eles, olho assim, os ratos estavam tudo nos grandes milhos que estavam, porque eles traziam as espigas. Ficava aquele monte de espiga ali. Eles iam debulhando, ficava aquele monte de milho, milho ensacado e coisa e tal. E aquele monte de palha. Eu digo: "Tá, eu vou ficar aqui." "Mas tu tem coragem?" "Tô cansado, tô com sono, eu vou dormir aqui". Aí que que eu fiz? Eles foram embora para lá, eu peguei quatro sacos. Peguei dois, peguei um, enfiei dentro do outro. Tirei a minha cinta. Como eu te disse, eu usava bota, bota de cano longo. E essas calças de brim. Calça grossa. E mais aquela minha japona de couro. Eu não me lembro se eu estava de luva. Não, não estava de luva, não.Mãe do Girley: Os ratos passando por cima.
SIMÕES: Chovia muito. Capaz. Aí enfiei de lá para aí, Tiramos as botas,
enfiei dois de lá para cá, amarrei na cintura. Enfiei dois na cabeça e me joguei no meio das palhas. Pronto. O cheiro daqueles sacos de aniagem filtraram um pouco a morrinha dos ratos. Mas eu naquele podre de cansado que eu estava. Mas acho que, não, levei um pouquinho mais de tempo para dormir porque antes de conseguir dormir, eu percebi os ratos entrando. Tudo de novo. Caminhando, entrando e guinchando e fazendo aquela estripulia deles. Mas eu na canseira que estava dali a pouco capotei mesmo. Dormi.Outro dia de manhã quando, antes de abrir os olhos, eu tentei primeiro
movimentar meus dedos. Tudo no lugar. Os pés estavam no lugar. Rosto e tal. Digo: "Mais essa!". E eles: "Ah, nós vamos..." "Caminhonete está lá, vão dormir lá dentro se vocês quiser. Vão dormir sentado lá dentro de caminhonete". E fizeram assim. Eu fiquei ali. Mas de brabo que eu estava. Não, porque foi um médico que nem tinha nada a ver, parece com o assunto. Já no que saiu daqui ó, ele já ficou botando horas para voltar. Não, porque ele tinha que voltar, porque ele tinha não sei o quê, porque tinha que atender. Mas então, para que que foi? Quem sai para estrada não tem hora para voltar. É a hora que dá. É que nem aqui em casa. Né? A mãe: "Ah, tu vai voltar em seguida?" "Assim que puder, eu volto, né, mãe?". Chega aí, essas confusões que dá, essas tranqueiras que dá, esses ônibus que demoram, não sei o quê. E a gente depende de condução. Então, praticamente não tem hora. A hora que eu cheguei, cheguei. Mas claro que eu vou fazer o máximo de empenho para vir o mais rápido possível para casa. para não deixar ela sozinha. Mas não adianta, ela não entende. Então acha sempre que eu tô sempre demorando. "Que tanto tu demorou!" [Risos]Mãe de SIMÕES: Dormir no meio dos ratos...
SIMÕES: Então, tem essas. Ela nem ouviu o que eu estava contando.
Mãe de SIMÕES: Os ratos por cima...
SIMÕES: Ah... Que rato por cima o quê, mãe? Se eu estava aqui no meio das
palhas, eles foram lá pro milho, que era o interesse deles. Lógico! Né? Mas por isso que... Mas olha, tem que saber analisar as coisas, né, mãe?Mãe de SIMÕES: A canseira também, né?
DENT: [Risos]
SIMÕES: Lógico! Segui com fome, com cansaço e brabo. E estava fazendo já
mais por birra com aquele cara que tinha dito. Não, matar de cansaço. E foi. Que que tu quer perguntar mais?DENT: Bom. Tinha essa pergunta sobre como era a preparação para uma saída de
campo? Sobretudo para uma saída de campo para um povo indígena para ir a fazer um trabalho com os Kayapó, ou com os Xavante ou com outro grupo que vocês estudaram? Como era o processo de preparar para a viagem? Em que estava envolvido o senhor?SIMÕES: Foi eu que preparava tudo.
DENT: Imaginava. [Risos] Por isso a pergunta. [Risos]
SIMÕES: Todo o equipamento que fosse necessário. Todo o equipamento de
laboratório, tudo era comigo. E providenciar as coisas que ficavam praticamente por último lá na última cidade que a gente fosse estar antes de ir pro mato, era providenciar o negócio de gelo. Então tinha que acertar, se o avião já fosse nos buscar, já tinha que ir levar gelo. E ademais todo equipamento de laboratório era eu que condicionava tudo na mala, em caixas, sei lá. Então, antes dessa viagem aqui, ó.DENT: Para os Xavante com o professor Neel.
SIMÕES: Sim. A gente trabalhava com seringas. Então tinha que esterilizar a
seringa. Era aquela confusão toda. E isolar e preparar pacotes daquele. E depois dessa viagem, eles trouxeram aqueles vacutainers. Aí foi um toma lá, dá cá. Porque não precisava me preocupar com esterilização de nada ali, porque usava o tubo aquele, já vai direto lá pro sangue, o resto vai fora. Então a partir daí foi a primeira vez que usei vacutainer. E acho que fui o primeiro brasileiro, pelo menos aqui no Brasil. Em conhecer essa...Um dia eu estava aqui, que fui fazer exame aqui no Clínicas. [inaudível] veio
e tal coisa. E com vacutainer. Daí ele: "Não, não...". Diz ele para mim: "Não, não te preocupa que isso aqui não vai doer nada e tal". Eu olhei para ele, e digo: "Se tu soubesse... Que eu acho que fui o primeiro brasileiro a usar isso aí". Aí ele ficou muito sem graça assim. "Sou da universidade e tal. Sou funcionário da universidade, foi ali que comecei. Aprendi a usar isso aí. Há muito, eu acho que tu nem era nascido."DENT: [Risos]
SIMÕES: Ai, meu Deus do céu. Mas então, era assim. Mais ou menos já tinha
uma prática muito grande já de preparar aquele material todo. Então, olha, e sempre de cabeça. Nunca tomei nota, nem nada. Assim, o que que eu preciso? Levou, o que que eu vou deixar de levar, o que que eu vou esquecer. Não. Eu sabia aquilo de cor e salteado, já ia botando, arrumando, ajeitando e tudo o mais. Então, nunca. Chegar lá e diz: "Esquecemos de pegar isso". Nunca. Nunca teve. Então são essas coisas assim, ó. Mas...DENT: Quanto tempo tomou para preparar para uma viagem assim de duas semanas de
campo nos Xavante? Ou alguma coisa assim...SIMÕES: Olha. Isso era mais ou menos rápido, era porque coisa nossa aqui do
laboratório. Um dia, dois, eu já deixava tudo prontinho, já esquematizava, isolado. Mas claro que a gente tinha que ir, por exemplo, para Belém, para Manaus ou para Brasília, para Goiânia e tal. Mas lá também, a gente já tinha contatos. Então tinha coisa que a gente deixava para adquirir lá naquela cidade, já na partida. Como, por exemplo, o alimento geralmente já era na última etapa antes de chegar na aldeia. E mais alguma coisa que tivesse, que a gente já deixava de propósito para comparar para lá. para evitar excesso de peso. Mas normalmente, não tinha. A gente já tinha tanta prática que era ligeirinho. E o problema, o material de laboratório era aquilo ali que a gente usava, então era muito rápido para fazer isso aí. E tinha a parte do doutor Salzano, que era tudo negócio mais de papéis, mas isso aí era com ele. Então isso aí eu não me metia.DENT: Lembra algo específico sobre o trabalho de campo com os Kayapó? Quem
estava lá na saída...Era mais que uma saída de campo que fizeram lá?SIMÕES: Sim. Foram várias.
DENT: Lembra quais eram as pessoas que participavam? Como era a viagem?
SIMÕES: Olha, entre os Kayapós, eu não lembro se foi antes com os Kayapós,
mas teve uns que nos acompanhou em uma viagem, não lembro para que aldeia foi, foi o doutor Junqueira. Um carioca.DENT: Eu sei que ele foi para os Xavante na primeira viagem, ele estava lá.
SIMÕES: Ah, então tá. Então foi isso aí. É. Aí teve uma outra. Eu não
lembro de que aldeia foi. Que eu trouxe o material e tive que vim. Então eu vim pro Rio para fazer análise. Ali junto. Ah, daí não gostei de trabalhar com os cariocas.DENT: Por quê?
SIMÕES: Posso contar?
DENT: Pode.
SIMÕES: Então tá. Porque eu tinha todo o trabalho. Por exemplo, eu colhia o
sangue, eu vou centrifugar o sangue. Primeira coisa, centrifugar. Vou extrair o plasma, depois lavar já com gel o plasma. Aí pegar aquelas células que eu preciso, vou lavar três vezes, acertar a concentração, todas elas. Então aí, a partir daí que eu vou começar a analisar. Entende? E o que aconteceu foi que quando eu cheguei no Rio, eu fui começar a fazer isso aí. "Não, não precisa, não sei o quê e tal e coisa." Aí pegavam o sangue direto sem lavar, sem nada. E começaram a analisar aquilo. Olha. Eu fiz porque estava ali e tal, vamos ver. Mas eu não tive dúvida. Quando o doutor Salzano chegou, eu fui e disse para ele, digo: "Olha, doutor Salzano, eu não sei, a gente aprendia a fazer com tanto cuidado no coisa". E ele: "O que que houve?" "Não, aconteceu assim, assim, assim, assado." "Tá". Não deu outra. Quando chegamos aqui, nosso resultados bateram diferentes daqueles resultados de lá. E veio confirmação lá do doutor Neel batia exatamente com os nossos aqui, entende? Então aí foi desligada aquela... Pode desligar, me dá licença só um pouquinho?DENT: Claro.
SIMÕES: Só, só um pouquinho. [Pausa] Mas, essa... também com o Fernando.
Nós estávamos entre os Kayapó. E então a gente tinha as redes. E ele deitado assim, a rede dele aqui do meu lado e tal. Aí lá pelas tantas da madrugada. Bom, a gente jantou tal e coisa. Aí o Fernando ficou então para lavar os pratos. Tá. Ele pega. Tá. Agora depois eu completo. Nós estávamos já dormindo, quando eu vi, ele pá e sacodindo na rede. "Que que houve, Fernando?" "Anda uma onça aí." "Que onça, rapaz?" "É uma onça". E nós estávamos no galpão onde nós estávamos, é feito de cana assim, então ficava aquelas frestas grandes assim. Uma noite de lua bem clara. "Tem uma onça ali do lado de fora." "Mas que onça, rapaz?" "Não, porque eu não...". Eu: "Fernando, onde tu visse onça, rapaz? Junto de uma aldeia indígena. Só a morrinha dos índios já afasta qualquer bicho selvagem para longe. Ou mesmo se andasse aí, os índios já tinham acabado com ela." "Não, porque é onça e é onça, não sei o quê". Digo: "Ah, mas não é possível." "Olha ali!". Aí eu tirei assim, levantei o mosquiteiro, comecei a espiar. E vi um bicho mesmo passando assim de quatro patas. Vi que era pequeno. Levantei, fui olhar. E ele: "Não, não, não levanta, não levanta!". Fui. "Vem cá ver a tua onça, Fernando!"Um cachorro. Claro. Que que ele pensa? Pegou resto de comida dos pratos e jogou
ali na porta. Claro, os cachorros loucos de fome, de índio. Então o bicho que roncava. O bicho roncava, coitado, de tão magro, tão fraco. Roncava aquele bicho. Mas eu já logo vi que.. Digo: "Bá...". Mas o susto ele levou. A onça. Mas tudo que que é? Era a primeira vez que está indo. Falta de prática e tudo mais. Um cara toda a vida na cidade, nunca saiu. Mas olha. Se encontrasse com o Israel, por exemplo, que trabalhou bastante. A gente trabalhou bastante, alguns anos, juntos. Israel também era outro, um amigão meu que pela madrugada! Israel era aquele tipo de pessoa que se me descuidasse, ele me pegava no colo até, sabe? De tão amigo que ele é, que ele era. Ah, mas aí é só a gente se juntando, porque um vai lembrando uma coisa, outro lembrando de outra. E aí se torna bacana porque aí a coisa aumenta mesmo. Entra nos detalhes. Mas é isso, Rosanna. Mas pode perguntar mais o que tu quiseres.Mãe de SIMÕES: Vai cheia dos "causos" dele. [Risos]
DENT: [Risos] Então, um pouco sobre talvez, não sei se tem outra história
sobre os diferentes povos indígenas. O senhor trabalhou com bastantes grupos diferentes. Teve alguma vez uma experiência como favorita, preferida? Ou um grupo que mais gostava trabalhar? Ou...SIMÕES: Não, porque de uma maneira geral, esse índio do mato mesmo parece que
o comportamento deles é semelhante, entende? Então, é muito bom de trabalhar com eles. Muito bom. Mas com eles é como eu te disse. Desde criança, não tem problema nenhum. Criança chega ali e basta eles verem o primeiro a fazer, pronto, aí não tem mais nada. Eles formam fila. Entende? E querem ser até atendidos. Em primeiro, criança vinha, bota o braço ali. Enfia aquela agulha e ainda ficam te olhando. Rindo. Saem tranquilo, tranquilo. Então o comportamento deles é praticamente, eu não lembro de ter alguma diferença. Nunca vi um índio "ah, não, não vou fazer esse atendimento". Não digo que ele fosse dizer, mas pelo menos demonstrar que estava com medo. E agora, claro que entre eles também o adulto, decerto, já explicava para as crianças. Já dizia para as crianças que ele tinha que fazer aquilo e que não tinha problema nenhum que decerto eles falavam na língua deles lá. Explicavam, então a criança vinha, tranquilo.DENT: E lembra alguma experiência assim de ter um contato mais... É...
SIMÕES: Difícil de...
DENT: Ou é só mais sustenido, não? Uma interação com alguém da aldeia do
povo indígena que atuava como intérprete, fazer alguma amizade lá, alguma outra forma de...SIMÕES: Ah, sim, ah, sim. Sempre tem alguém que se chega mais. Por exemplo,
entre os Kayapós e mim, foi o Raoni. O Raoni, a gente, ele já falava alguma coisa. Então a gente se entendia bem. Tanto é que depois ele assumiu até a chefia. E depois eu soube ele andou até lá pela Europa, por lá, por todo lado aí. Nem sei se é vivo ainda. Mas eu acho que ainda é. Tem até filme, parece, com ele. Mas hoje, eu tô vendo os índios. É, com televisão, com mil coisas, quer dizer, puts, já acabaram com os nossos índios.DENT: E como era a interação com ele? Com o Raoni? Como estava atuando dentro
do grupo, assim, da pesquisa? Ajudava? Como era?SIMÕES: Ah, ajudava, sim. Sim, porque sempre a gente tinha algum deles que já
dava, a gente se entendia melhor. Então, ele já transmitia pros outros, então facilitava.DENT: Mas tem intérprete ou também conviviam um pouco?
SIMÕES: É, mais ou menos assim. Como intérprete. Porque todas essas aldeias
que a gente foi eram já supervisionadas pela atual FUNAI. Antes era a SPI. Então, sempre tinha um índio que já mais ou menos se aproximava do chefe do posto ali ou alguma coisa assim ou mesmo que fosse uma aldeia mesmo distante, tinha assim um tipo de um representante deles ali.DENT: E Raoni, em particular, como era? Pode descrever? Como era ele? Como era a
sua atuação? Como era a conversa que vocês tiveram?SIMÕES: Ah, é que era pouca conversa. Geralmente, vamos dizer, era meia dúzia
de palavras, só para a gente se entender mais ou menos. Ele era um índio de um porte grande, forte. Kayapó. Kayapó e Xavante são índios bem fortes. Yanomami que já é mais, que é bem menor. Então ficou mais nesse... Como era... Era simples o que a gente ia fazer, quer dizer, o doutor Salzano é que passava mais trabalho, porque tinha que tomar informações sobre parentes, então para ele, era mais complicado.DENT: E como fazia ele esse coleta de dados sobre as famílias?
SIMÕES: Ah, aí era com intérprete mesmo.
DENT: Sim.
SIMÕES: Tinha que ter um ali junto, porque claro que tinha perguntas, ele tinha
que saber sobre saúde dos índios. Mas desenvolvia bem, desenvolvia bem o trabalho. Porque entre os índios, tirando gripe, sempre se queixavam muito era problema estomacal. Problema de barriga, como eles diziam. Então aquilo a gente levava remédio, bastante. Porque para diarréia, isso era normal. Então levava aquele carvão vegetal. Não lembro que aldeia foi. Chegamos, estava uma epidemia de diarreia. Claro que a gente levou, mas uma certa quantidade só como um recurso assim. Chegamos lá nessa aldeia, todo pessoal está com diarreia. Então, que que eu fazia? Pegava um comprimido daqueles e repartia entre quatro. Claro, que que adiantava dar um? Dali a pouco vai terminar com tudo. Vamos que a gente levasse uns 50 comprimidos. Mas tu acredita que um pedacinho daqueles já segurava a diarreia? Claro, mas por que? Um organismo virgem, carvão vegetal. Mas olha, até eu fiquei fã do tal carvão vegetal. Eu dava até pro pessoal por aí já receitava. "Ah, está com problema de diarreia? Carvão vegetal." "Ah, não, mas eu..." "Toma, depois tu vai ver." Agora, claro que para o nosso organismo, não seria tão eficiente quanto no deles, lógico. É que nem, por exemplo, para gripe deles também. Pegava uns comprimidos lá para gripe, podia cortar em pedaços e dar para eles, porque já aliviava bastante. E a vida foi mais ou menos isso aí que a gente passou.DENT: Quais eram os grupos que visitaram, além dos Kaingang, Xavante, os Kayapó.
SIMÕES: Xavante. Bom, aqui tem Xavante, Guarani e Xokleng, sendo esses três
grupos aqui do sul.DENT: Kaingang. Os Xavante são...
SIMÕES: Não. O Xavante já é do Mato Grosso.
DENT: Do Mato Grosso. Sim.
SIMÕES: Ah, depois tem os Kayapós também. O Yanomami é lá de Roraima. Esse,
o Macuxi e Wapixana também acho que é do Pará. Krahô é do Pará. Esses Kayapó. É norte do Mato Grosso e parte do Pará. Que o concentrado mesmo Mato Grosso é o Xavante. Esse Tikuna é que eu não lembro da onde é. Acho que até foi tu que escreveu aqui.DENT: O Alpha Helix. O senhor estava no barco, na Alpha Helix?
SIMÕES: Sim. Sim.
DENT: Acho que as Tikuna foram um grupo lá que estudaram na viagem da Alpha Helix.
SIMÕES: Ah sim.
DENT: Pode contar um pouco sobre essa viagem? O trabalho de campo do barco?
SIMÕES: O barco é aqueles que usam rabeta. Porque o motor é aqui, a hélice
é lá. Porque são rios muito rasos. Então não pode ser motor de hélice lá embaixo, que pega nas pedras e arrebenta com tudo. Então o timoneiro ali, o barqueiro, aquele que sabe controlar, então ele vem aqui e ele sabe quando tem que levantar a hélice lá pro barco poder passar. É um negócio meio complicado, porque são tipo canoa, é canoa mesmo. E são às vezes rios de corredeira assim, no meio de pedras e tudo mais. Mas escapamos. E com água aqui assim, às vezes também.DENT: Muito pouco água. Sim.
SIMÕES: Muito peso que a gente levava para aquela porcaria ali.
DENT: Mas esse viagem da Alpha Helix era um barco mais grande que a gente ficava
no barco, que tinha como geladeiras dentro, tinha laboratório dentro do barco. Que o professor Neel estava lá, o filho dele, mais um monte de pessoas.SIMÕES: Não, não. Ah, não, então eu não estava, acho, nesse. Com filho do
doutor Mill eu não estava então. Eu não estava nessa aí.DENT: Essa que iniciou em Colômbia e que ia baixando...
SIMÕES: Sim, não. Essa eu não estava, não.
DENT: Ah, não.
SIMÕES: Eu acho nem eu, nem o doutor Salzano não estava.
DENT: Ah, o doutor Salzano estava lá, sim.
SIMÕES: Mas eu acho então em alguma parte. Não sei, não lembro.
DENT: Sim. Sim. Ah, então o senhor provavelmente não conhecia os Tikuna, não?
Porque eles só visitaram a comunidade dos Tikuna nessa viagem, acho.SIMÕES: Ah, então tá. Então foi isso. Não é como o doutor Salzano botou
aqui, ó. Aí eu não lembrava bem disso aí. Tanto é que eu já tinha dito para ele. [inaudível] E esse Tikuna também não lembrava, não. Escreveu aí. Porque tem muitos que você olha... E nós fomos lá no Amazonas e Maués, que a terra do guaraná. Eu não consigo lembrar da... Nós fomos lá numa aldeia. Próximo a esse Maués. Eu não consigo lembrar dos nomes desses índios de lá. E teve um também na Roraima, que além dos Yanomami, a gente foi. Que inclusive de carro. Saímos de Boa Vista em direção a Venezuela. Que eu também não consigo lembrar o nome dessa aldeia ali que a gente foi. Agora não lembro.DENT: E fazia muita diferença se os senhores estavam estudando lá no Roraima
ou Mato Grosso? Era muito diferente ou era a mesma experiência?SIMÕES: Não. A experiência era praticamente a mesma. A única coisa que
altera um pouco é o relevo. Porque lá, por exemplo, Roraima lembra muito o Rio Grande do Sul. Tanto é que agora está cheio de gaúcho lá que povoaram aqueles lá. Eu fui na primeira vez que a gente foi para Roraima, chegamos lá em Boa Vista, eu fui conhecer as cervejas em lata. Era americana. Até então, não existia aqui. Bom. Por quê? Porque seis meses por ano, quando o Rio Branco dava passagem, ia mantimentos de Manaus para lá para Boa Vista. Então aí tinha arroz, tinha feijão, tinha enfim todo esse negócio brasileiro. Nos outros seis meses não tinha passagem de navio para lá. Então vinha tudo de lá pela Guiana, pela Venezuela, sei lá por onde. Então ali a gente ficava em Boa Vista, a gente estava no estrangeiro, entende? Não parecia que não era Brasil. Bom, tanto é que vindo de Boa Vista para Manaus tinha que passar na alfândega. Não existia nada, nada, nada em Boa Vista. Foi quando nós fomos pros Yanomami. Saímos dali de Boa Vista de avião. Aquilo era um matagal, tudo. Não tinha nada, nada, nada.Bom. Nesse meio tempo, existiu, surgiu o projeto Rondon. Que eram estudantes
brasileiros que iam para esses locais distantes para ajudar, seja com medicina, enfim, tudo quanto era problemas. E esse pessoal daqui de Santa Maria, da Universidade de Santa Maria, foram para Boa Vista. Mas olha, eles se encantaram tanto com o negócio lá, que eles voltaram para cá. Quer dizer, eles enxergaram. Voltaram para cá e levaram os pais. Convenceram os pais a vender o que tinha aqui e ir embora para lá. Dez anos depois eu voltei a Roraima. Foi nessa viagem que eu digo que a gente foi lá em direção à Guiana, para lá, Venezuela. Que eu não lembro mais o nome da aldeia. Eu fui ver. Terras lavradas que não existia, já tinha plantação de trigo, plantação de soja, já tinha fazendas de gado, gado leiteiro e tudo mais. Que antes não existia nada, nada, nada, nada, nada, nada daquilo. Entende? E tudo. E agora foi indo cada vez mais gaúcho. Bom, Boa Vista virou outra cidade. E hoje não tem mais aquele isolamento dos seis meses também.DENT: Em que ano foi a primeira viagem para Boa Vista? Mais ou menos.
SIMÕES: Ai, meu deus do céu. Aí não me lembro. Mas parece que...
DENT: Foi com os Yanomami, então 67 por aí?
SIMÕES: Não, eu acho que mais.
DENT: Depois?
SIMÕES: Porque em Xavante foi 66.
DENT: Antes, talvez 62, 64...
SIMÕES: É, foi muito, muito depois. 70 e alguma coisa. Porque nós ficamos
acho que uns dois anos ou três com os Xavante. Mais uns três, quatro, entre os Kayapó. para depois subir. Mais ou menos assim. Eu não tenho, como eu digo, fielmente eu não... Quem tem essas datas direitinho é o doutor Salzano, lógico. É que ele escrevia tudo. Então eu, por exemplo, não preciso, não me preocupava com isso.DENT: E para o senhor, na experiência assim de fazer todas essas viagens de
campo, quais foram os aspectos que eram mais recompensadores. Como que se sentia bem depois dessa viagem ou entendia de uma maneira como que que era o que mais gostava, o que mais encontrava assim...SIMÕES: O problema, o problema mesmo... O que eu mais gostava era do meu
trabalho, porque eu não media as consequências que poderiam advir desse problema. E então, o que eu digo. Olha, eu agradeço a esse, o departamento, a universidade... o departamento. A universidade não, porque não foi a universidade que me proporcionou isso aí. Tanto é que ela nem sabia o que eu fazia. Mas o departamento que me proporcionou todo esse conhecimento em termos de Brasil que até então eu não tinha a menor ideia. Quer dizer, tinha ideia, mas não de ir pessoalmente. Porque, inclusive, para ir nesses locais, tem que ter licença, era do ministério da saúde, ministério da guerra, do governo e da FUNAI e de não sei o quê. Entende?E se não fosse isso, quando... Bom, em primeiro lugar, como eu te disse, não
gosto de avião. Tinha medo de avião. E portanto, todos esses anos ter que andar. Nossa, passar por cada uma peripécia em avião. Pelo amor de Deus. E jamais iria ir para o Amazonas, jamais iria para Rondônia, jamais iria para Mato Grosso, jamais iria para Roraima, jamais iria pro pro Pará, jamais, entende? Nem teria condições de ir nesses locais. Mesmo que eu tivesse dinheiro para ir, não conseguiria ir. Poderia ir nas cidades próximas, mas não nesses locais que foi. De ter essa vivência, essa experiência aí. Não teria. Então, isso o departamento me proporcionou. Então foi uma satisfação que eu tive na minha vida. Foi isso aí.Porque de mais, é como diz o outro, não fiquei rico, nem coisa nenhuma por
causa disso. Mas não deu para viver com muitas regalias, que hoje também não tem mais nada, porque larguei tudo de mão. Mas inclusive depois de dez anos, colega meu lá de dentro da universidade, dentro da reitoria, veio encontrar comigo. Disse: "Pardes, tu te aposentou, né?" "Sim." "Mas tu ganhasse uma nota, né?" "Eu?! Eu não". Porque a gente funcionário público entra com pé atrás e outro sai com um pé atrás e outro na frente. A única vantagem que a gente tem é que o ordenado permanece o mesmo. Se vem aumento pro pessoal da ativa, vem aumento para mim também. Entende? Até eu deixar de existir, vai acontecer isso. Mas não tem nenhum ganho além disso. Ao passo que quem trabalha na particular, tem fundo de garantia, tem não sei o quê. Então se aposenta, é uma miséria, mas não interessa, tem um fundo de garantia quando se aposenta. está ali. E o funcionário público não tem isso.Mas tem uma outra vantagem. Por quê? O trabalhador comum, se o ordenado dele na
ativa é isso, quando ele se aposenta é isto. E o nosso permanece esse mesmo e aumentando. Então é a vantagem. Bom, mas então esse rapaz: "Não, porque tu ganhasse uma nota, né?" "Eu não, rapaz." "Mas escuta, mas tu sempre foi motorista, tu foi enfermeiro, tu fosse da assistente não sei lá do raios que o parta, fosse isso, fosse aquilo, andasse de avião aí todos esses anos aí. Tu não botou na justiça? Porque tu tinha direito, rapaz. Tu estava, como é? Tu desempenhasse várias funções que era obrigação da universidade. Ter no mínimo uns quatro. Pagar mais uns quatro funcionários para fazer, desempenhar esse papel que tu desempenhasse. E tu nem...". Mas eu não ganhava nem diárias. Disse: "Ah, mas podia fazer isso?" "Claro, rapaz." "Sim, mas e agora?". Já fazia dez anos. "Não, agora caducou. Agora...". Então que que adianta me dizer? Ah, vá...Mas de fato, se eu tivesse posto na justiça, olha, eu tinha tirado um bom
dinheiro da universidade. Por causa disso aí. Mas valeu a pena. Não perdi nada. Se não ganhei, não perdi. [Risos] Então, é aquela história. Te lembra que eu contei a história da loteria? Da caminhonete. Que eu deixei e tinha dinheiro, porque, por exemplo, eu estava viajando sozinho. Aí o doutor Salzano chegava e dizia para mim: "Vamos". Em termos de hoje. Dizia: "Faz um cálculo aí. Quanto é que tu precisa para essa viagem?". Aí eu já dizendo por cima. Porque tinha que levar recursos porque pode estragar o carro, pode quebrar, ter que deixar no caminho assim. Dizia: "Ó, doutor, cinco mil dá para mim ir e voltar". Me dava o dobro. Ou muito mais. Então eu estava sempre com o bolso que tinha que esconder dinheiro. Sempre cheio. Mas olha, esse orgulho eu tenho. De nunca ter excedido nenhum cem reais a mais. Porque aquilo que, claro, que eu podia exagerar, comer, como eu te disse, do bom e do melhor, melhor hotel. Problema nenhum. Já fazia toda documentação para ele. E poderia usar.E dizia para ele: "Olha, doutor Salzano, precisei de tanto aí". Mas pela mesma
hora, "Não tem problema". Mas nunca houve ocasião de chegar e dizer: "Olha, doutor Salzano, eu precisei tirar para mim um tanto aqui, depois eu lhe dou, agora no fim do mês ou vou lá no banco e tiro dinheiro e lhe dou". Nunca. Esse orgulho eu tenho. E olha, trabalhar sábado, domingo, feriado. Aquela história que eu contei da caminhonete na ponte lá com ele, com o doutor Salzano, nós ficamos todo... Era fevereiro. Ficamos quase duas semanas lá presos porque chovia. Que era terror. Carnaval, passamos lá. Dois, um olhando para a cara do outro. Esperando. "Escuta, quando é que vai dar? Quando é que tu acha que vai...?" Digo: "Não, amanhã vamos". Mas que gozado. Não. Bá.Fazia as peripécias, mas eu chegava e cumpria. Coitadas das caminhonetes
sofriam. Essa rural não. Porque essa rural já tinha tração. Então não. Mas a Chevrolet, coitada, americana. Aquela sofria. E com pneu liso. No meio do barro. Então tinha que fechar os olhos e toca. Porque senão tu não vai passar. [Risos] Ai, quebrava com... Barbaridade! E nunca fiquei empenhado. Nunca fiquei na estrada. Vinha mal, mas chegava. [Risos]Mas também era uma coisa assim. Antes de sair, não tinha conversa. Podia, era
só dizer o que eu queria. Levava para a oficina, mandava fazer do bom e do melhor. Ah não, essa aqui, essa peça ainda dá. "Troca. Põe nova." Assim. Então não tinha, eu tinha toda regalia, com toda [inaudível] Claro! Mas ele nem podia ser diferente. Vai que cai lá dentro. Sou eu é que vou passar trabalho por aí. Então eu tinha que ter uma garantia também. Ia sozinho na maioria das vezes. Então tinha que ir. E sair dia e noite, de madrugada, qualquer hora. Ia e voltava, e não interessava. Se eu fui para fazer aquele serviço, se me disser: "Olha, lá no fim do mundo". Mas se eu sair para ir, então está bom. "Por onde é que se vai pro fim do mundo?" "É por aí." "Então vou". [Risos] Ai meu deus.DENT: está ótimo. Acho que já talvez paramos aí por agora.
SIMÕES: Sim.
DENT: Sim? Para não ficar muito cansados e...
SIMÕES: Perfeito.
DENT: Aí podemos talvez agendar outra entrevista também. Tá?
SIMÕES: está jóia. está joia. Perfeito.
DENT: Bom, muito obrigada então.
SIMÕES: Não. Disponha. Nós estávamos em Belém e lá com o doutor Ayres,
Manuel Ayres, o médico. Nós tínhamos que providenciar eu acho que o doutor Ayres queria mostrar a cidade para o Doutor Neel. Tá. Aí ele chegou e diz: "Girley, pega o carro. Dirige". Digo: "Não." "Não, dirige que eu vou conversando com o doutor Neel." "Tá". E ele queria mostrar a cidade. Aí fomos. Paramos até lá, depois de dar algumas voltas, paramos na frente de uma igreja. Eles entraram para lá e eu fiquei ali esperando pra quando eles vieram que nós fomos sair, eu olhei que a roda de trás estava com pneu no chão. estava furado. Furou a roda. E aí? Cheguei e digo: "Tem step esse carro, né doutor?" "Tem." "Macaco, chave de roda, tem? Tá, então me dá aqui que eu já vou...". Que eles já estavam que ia providenciar não sei o quê. Digo: Mas e aí? Quem disse que ele aceitava trocar aquela roda? Ele ficou muito impressionado. Como é que eu troquei aquela roda? E ele não queria mais entrar dentro do carro achando que... [inaudível] [Risos] Coitado. Então se ele viajasse comigo, ele ia ver o que que...Mas ele ficou muito preocupado. Primeiro lugar, por eu já estar dirigindo.
Depois com aquela história de trocar a roda do carro. Mas para ele aquilo ficou muito impressionado. Digo. Era acostumado a chamar o [inaudível], chamar não sei lá quem para vim trocar uma roda de carro. Digo: "Não, pode deixar que eu troco". [Risos] Como quem diz: "Mas tu tem certeza?". A passagem com ele e com doutor Neel. Mas uma pessoa muito bacana. Muito bacana. Trabalhamos. Ficamos juntos não sei quanto tempo, mas eu acho que numas duas ou três excursões dessas daí a gente passou bons tempos. Depois ele veio aqui também, no departamento. Então ficamos bem próximos um do outro.Era isso, Rosanna. Que eu lembrei dessa história do doutor Neel. Ah, ele achou
muito estranho eu estar trocando aquela roda ali. [Risos] Se ele soubesse das macacadas que a gente fazia nas estradas aí. Uma vez, estava vindo com essa Chevrolet americana. estava vindo do interior. Nesse tempo, como as estradas não tinham asfalto, então a gente diz tem aquele monte de coisinhas. Então, aquela trepidação é sempre. Eu vinha no verão, umas duas horas da tarde, eu vinha porque naquilo tem que correr, porque se tu andar devagar, ela pica mais ainda. Então tem que emparelhar tudo. Tá. Dali a pouco. Eu olhei para baixo, uma fumacinha assim saindo. Perto de mim. Uai. Olhei. Tem alguém fumando aí? Não. Não tinha ninguém. Gozado. Aí voltei ela, parei do lado. Fui lá. Quando abro o capô na frente que saiu "Vuu". Fogo por tudo quanto era lado. Aí eu fui, corri para dentro da caminhonete para ver o extintor. Não tinha extintor. Aí já fui tirando sei lá como é que eu estava. estava de camisa, lá estava quente. Tirei a camisa e joguei a camisa lá para dentro para tentar abafar aquele fogo. E nada. Ah, não teve dúvida. Baixei ali, comecei a jogar terra. Não tinha outra coisa. Nem se tivesse pá, eu não ia perder tempo em procurar pá. Com as mãos mesmo, com as duas mãos. Dei-lhe a jogar terra para dentro. Até que consegui apagar aquele fogo. E era uma estradinha lá pro interior, não passava nada para ajudar. Aí fui ver, o filtro de ar, com a trepidação, escapou. De cima do carburador e virou o óleo, caiu pro lado e derramou o óleo em cima do cano de descarga. Aquele cano de descarga em brasa, claro que pegou fogo. Mas o problema é que o carburador ficou aberto. E eu jogando aquele monte de terra para lá, digo, claro que entrou terra ali para dentro. E agora? Botei o purificador no lugar e tal. Digo, mas isso aí deve estar cheio de terra, pedra, sei lá o quanta coisa que não... Aquela apuração ali é capaz que ia estar escolhendo. O que vinha na mão, vai. Aí tá. Fui para dentro da caminhonete, mas com medo. Digo, mas se essa terra, essas pedras, entrar para dentro do motor? E aí? Vai quebrar tudo. Bom, vou ficar aqui parado? Não vou. Então meio com medo e tal, virei. Funcionou direitinho e tal. Vou embora. Mas ficou, a terra ficou assim em cima no carburador. Não, não desceu.Então digo não, mas foi a única vez. Essa Chevrolet me fez eu... Ah, essa
Chevrolet me fez eu aprender a dirigir em tudo quanto é situação. Agora depois com a rural, não. A rural já era tranquila, porque um carro se eu pegasse barro, ligava a dianteira, ligava a reduzida e ia embora. Agora com essa Chevrolet já era o contrário. Ir com roda lisa ainda por cima. Aí tinha que entrar com tudo. O que tiver pela frente, passa por cima. Claro. Era pedra, era toco, era buraco, era tudo. Minha Nossa Senhora! Mas felizmente, deu tudo certo, tudo bacana. Mas então, olha, foi esse. Bom, todo mundo tinha uma confiança em mim dirigindo, pessoal podia dei... Dormir, fazer o que? Não tinha problema.DENT: Está ótimo.