https://hogenetica.org/ouvir/render.php?cachefile=rocha-20140702.xml#segment0
https://hogenetica.org/ouvir/render.php?cachefile=rocha-20140702.xml#segment300
https://hogenetica.org/ouvir/render.php?cachefile=rocha-20140702.xml#segment530
https://hogenetica.org/ouvir/render.php?cachefile=rocha-20140702.xml#segment819
https://hogenetica.org/ouvir/render.php?cachefile=rocha-20140702.xml#segment1089
https://hogenetica.org/ouvir/render.php?cachefile=rocha-20140702.xml#segment1274
https://hogenetica.org/ouvir/render.php?cachefile=rocha-20140702.xml#segment1639
https://hogenetica.org/ouvir/render.php?cachefile=rocha-20140702.xml#segment2210
DENT: Bom, hoje... Hoje é o dia 2 de julho...
ROCHA: 2 de julho.
DENT: de 1900...
ROCHA: 2014.
DENT: É. [Risos] Já como historiadora, estou perdida no passado. 2014. Eu sou
Rosanna Dent, eu tenho o prazer de falar hoje com o professor Fernando da Rocha. Ele é aposentado, foi professor na Universidade Federal do Rio Grande do Sul e... Tenho o prazer de conversar com ele hoje. Então, professor, muito obrigada por seu tempo e a disponibilidade.ROCHA: Muito obrigado. E eu tenho muito prazer de te conhecer. E além disso,
fico muito contente de poder te ajudar. Se é que eu vou te ajudar. Se isso vai te ajudar.DENT: [Risos] Com certeza vai. Agradeço muito. Não sei se talvez o senhor
poderia iniciar dando assim um apanhado da formação profissional que teve. Que levou o senhor a se interessar na tema da Genética.ROCHA: É, na verdade, isso aí tudo começou em 1960. No início de 1960. Eu
procurei o Salzano, lá no edifício, na Rua Annes Dias, e me ofereci. "Olha, eu sou fulano, assim, assim, assim. Tenho ouvido coisas a seu respeito". Na época, eu chamava de senhor. "E teria interesse em participar do seu grupo e tal." Ele estava formando o grupo. O Israel, tu já ouviu falar? Tinha chegado lá há três meses. A Margareth, que também... Chegado há um mês. Além disso, ele 00:02:00tinha posto um anúncio no jornal, para contratar um técnico. Aí o Girley se apresentou e foi contratado via jornal. Contratou uma faxineira via jornal, a Dona Gueda. Uma secretária via jornal, a Nilda. E o Fernando se apresentou lá para se juntar a esse pessoal que eu te falei. Havia mais uma pessoa lá chamada Arna Schwanz, que foi para São Paulo dez anos depois. Trabalhava com haptoglobinas, o Arna. E tinha também a Inês de Castro. Então era a Margareth, a Inês, o Arna, o Fernando e o Israel. E o Salzano com um pessoal muito contratado por ele. Ah... Os dinheiros do laboratório vinham da Ford Foundation, da Rockerfeller Foundation, essas organizações patrocinadoras americanas. E com isso, ele fazia a festa, né? Comprava o material, comprava... Não pagava pessoal. Mas pagava pessoal através de bolsa da FAPERGS, que é fundação de amparo à pesquisa do Rio Grande do Sul, e... E também bolsa da FAPERGS, bolsa...DENT: Tinha CAPES naquela época? Ou CNPq?
ROCHA: CNPq. Era dificílimo conseguir bolsa do CNPq, porque a concorrência era
muito grande. Estava tudo começando junto no Brasil, não é? Na época. Bom, aí quando o Salzano deu o "sim", eu sentei na minha mesinha e comecei a programar a minha vida. Eu tinha recém casado com a Iara, tinha um ano de casado. E o Israel tinha também recém casado. Mas enfim. Aí comecei a 00:04:00programar. Então, o negócio era o seguinte, eu tinha que fazer uma formação profissional científica. Que era hoje pós graduação compatível com o trabalho que eu ia realizar. Então a Genética organizou um curso de aperfeiçoamento e eu fiz Biologia, fiz Hematologia, um monte de coisa. Pós-graduação. Mas não existia pós-graduação. Internamente, no departamento, se convencionou que nós deveríamos fazer um curso de Bioquímica, Biofísica, Hematologia, Estatística... Cada um na sua área. Isso foi feito. Então fiz esse meu curso de especialização. Chama especialista em Biologia. [Telefone toca] Com licença um minutinho.DENT: Claro.
ROCHA: Ao mesmo tempo... [silêncio] Ao mesmo tempo assim. E eu estava
trabalhando nessa época com hemoglobinas anormais, cortando sangue. Aprendi a coletar sangue. Trabalhando junto... Material pro Salzano também. Uma parte, né? E treinando, né? Participando também sempre de treinamento com a parte de morfologia. Enfim, e a parte de hemoglobina também, fazendo diagnóstico diferencial. Aí surgiu, mais quatro, cinco anos, a chance de eu liderar o setor 00:06:00de aconselhamento genético. A médio prazo, lá na frente. Mas aí o Salzano começou a viajar para os índios. Nós começamos a viajar. Primeiro aqui no Rio Grande do Sul. Kaingang, Guarani e Kaingang. Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná. Nos três estados, nós devemos ter ido nuns cinco ou seis acampamentos indígenas. Nesses três estados. Eu coletava esse material que eu te falei da Morfologia. Coletava dermatoglyphics, que são digitais do palmar. E tirava fotografia dos índios. Todas fotografias que tu for levantar lá fui eu que tirei. Deve ter umas duas mil fotos. Enfim. Aí o Salzano, através de recursos externos, conseguiu recurso para viajar. Ir lá pro norte do país. Foi aí que ele começou a viajar. Aí primeiro sem... Eu não fui. No Xavante, eu não fui. Que foi o primeiro. Foi no Mato Grosso. Aí ele foi pros Kayapó. Aí eu fui. No Xingu, né? No Xingu, nós fomos em duas localidades. Já tinha um... Como é o nome dele, o... Um indigenista muito famoso.DENT: Os... é... Villas Boas?
ROCHA: É. Conheci o Villas Boas. Pessoa fantástica, fantástica. Um deles,
00:08:00né? Não me lembro, mas era o Villas Boas.DENT: Orlando? Fernando e Orlando, né?
ROCHA: Orlando Villas Boas. Não era Fernando, não. Era Fernando?
DENT: Tem os dois irmãos, né?
ROCHA: É?
DENT: É. Acho que são Fernando e Orlando.
ROCHA: Orlando Villas Boas é, sim. Fernando eu não tenho certeza.
DENT: Ah, tá. Orlando então.
ROCHA: Eu acho que sim. Orlando morava por ali, o Villas Boas. Dentro dos
Kayapó. Eu não sei precisar a época, mas lá nós ficamos talvez uns... Nessa época, foi junto pessoal de Belém do Pará. Grupo de alunos e o doutor Manuel Ayres. Se eu não me engano. Médico. Bom, aí veio a fase dos Yanomami. Nação muito grande, muito espalhada. Dali pro norte do país. Vários, vários acampamentos. Nós fomos em... Aí não estava o pessoal do Pará. Aí estava o pessoal do Neel. Chama William Mill, que era médico. E tinha um antropólogo social, mocinho, bem mocinho, americano.DENT: Napoleon Chagnon.
ROCHA: Como é?
DENT: Chagnon? Chagnon? Napoleon Chagnon?
ROCHA: Napoleon. Claro, tu sabe. Gozadíssimo e tal. Muito divertido. Não
divertido, tinha que lavar a louça, tu imagina, né? Meio que eu e o Neel. Faz a limpeza, faz a limpeza. E essa aí se estendeu por... Eu me lembro que era carnaval e eu passei lá no meio do... E minha mulher estava aqui. Foi pro 00:10:00carnaval lá na praia. Ficamos, eu acho, que uns dois meses.DENT: Dois meses na... No território dos Yanomami?
ROCHA: É, mais ou menos. De um mês a dois meses. Teve um grupo lá que nós
ficamos um período grande sem sair do mato. Aí nós saímos do mato. E fomos para... Voltando para civilização, nós fomos para Belém do Pará. Bom. Então essa aí foi a viagem que fechou o meu ciclo [inaudível]. Aí eu tinha que organizar meus dados, de antropometria. Apareceu um cálculo d2 de Mahalanobis. Conhece? É um cálculo multifatorial, trabalha com coisas multifatoriais, como por exemplo, com a cor, estatura, medida antropométrica... E que tu, por exemplo, tu pega o Fernando aqui, mede 16 medidas... Crânio anteroposterior, bizigomático, bigonial, abertura de ombro, abdômen, perna. Dezesseis medidas que tu define a pessoa do ponto de vista antropométrico. Aí tu pega naquele grupo. Todo grupo, as 16 medidas. Aí tu faz um cálculo estatístico e tu vai comparar esse grupo com outro grupo que mora lá, as mesmas medidas. E tu vai ter um número. Chama distância generalizada de Mahalanobis. Essa distância de Mahalanobis te dá a diferença sob ponto de vista estatístico. [inaudível] 00:12:00Essa técnica eu fui aprender lá em Campinas, no Rio Claro, no Brasil. Rio
Claro. Com o doutor Pisani, que era um... Acho que isso está descrito na minha tese, eu acho. Passei 20 dias lá fazendo só... versão de matriz, cálculo matricial. Eu tinha um número enfim. Era possível comparar os números, os grupos. Desse ponto de vista e avaliar, inferir, a diferença entre eles. A língua também interferia... São grupos Jê, outros não são. Os Yanomami não são Jê, são Tupi. Então, na verdade, o estudo era uma coisa bem ampla. Espectro. Então, depois que eu aprendi a medir...Foi aí que eu sentei para escrever a tese. Analisar esses... Isso que eu estou
te falando... Como eu te falei antes, eu não posso precisar, mas eu acho que era 68, 67, 68, 69, 70. Porque em 71 eu viajei pros Estados Unidos. Em 72 eu viajei. Eu fiz a minha tese aqui em 71 ou 70. Aí eu fui pros Estados Unidos. Então foi antes disso... Aí eu fui lá para o Pisani. Lá eu fiz a cópia dos meus cartões aqui da IBM em [inaudível] 360 e levei esse pros Estados Unidos, 00:14:00lá para o Spielman. Então quando eu cheguei no Spielman em 72, nos Estados Unidos, eu levei as coisas e fizemos uma reanálise da... Com Spielman. Bom, isso mais ou menos foi minha vida daquela época.E meus filhos crescendo, a minha filha foi pros Estados Unidos, nasceu lá em
setembro de 72, em Ann Arbor, no hospital de Ann Arbor. O Neel e a mulher dele foram fantásticos com a Iara, que é a minha mulher. E a Claudinha, que é minha filha. E a minha filha ficou por lá, a minha filha. E aí quando eu vim embora, a Claudinha veio junto, lógico, né? Aí aqui no Brasil, quando chegou lá pela, a Claudia foi fazer, fez Biologia. Aí ela quis fazer Biologia, fez lá na Genética com o Salzano. Salzano não. Vera Valente. E... Voltou e casou nos Estados Unidos com um americano. Casou e na Califórnia, com o Brian, [inaudível]. E hoje ela tem dois filhinhos, ambos americanos. O Eric, e a Isa, como é, a...DENT: E eles moram lá na Califórnia?
ROCHA: Moraram na Califórnia até agora, até um ano atrás. Aí eles tinham
uma casa muito boa lá que ele comprou e tal. Ele trabalha no mercado comum assim. Eles foram pro Colorado. Eles tinham um amigo que mora no Colorado, falou do clima, da vida, que os filhos, seria mais fácil, e ele queria no Colorado 00:16:00que na California, mais tranquilo, né? E a Claudinha se convenceu. Falei com ela ontem até, foi. Se convenceu e foram pro Colorado. E lá tem esses dois filhinhos. Mas a Genética ela parou também. Ela fez Genética aqui também, mas parou. Ela fazia Biologia Molecular. Foi aluna do Salzano. Mas enfim, assim... Essa é minha vida.Aí vim pro Brasil em 72. Foi aí que eu montei o negócio do aconselhamento
genético. Trabalhei uns cinco anos, quatro, cinco anos nisso. Enquanto pude. Depois... Aqui no Brasil, nos Estados Unidos não acontece isso, mas aqui é quase inevitável que tu estando num setor da universidade, tu seja a guindado a um posto de diretor ou de chefe aqui ou ali. É quase inevitável. Salzano nunca aceitou. Ele não aceita. Mas eu aceitei. Então eu fui diretor do de Ciências durante quase quatro anos. E foi aí que na metade disso, aí eu me afastei da Genética. Foi um prazo que quando a Genética foi pro campus. Eu era diretor. Aí me aposentei, aí tive um problema circulatório primeiro. E tive um infarto agudo do miocárdio. E agora eu tive, em 2006, 2013, nem sei, 2006, 2009, dois AVCs. Eu estou bem. Estou bem. Procuro estar bem. Aí eu me afastei. 00:18:00DENT: Às vezes, precisa, por causas diferentes, né? Às vezes, precisa.
ROCHA: Não tinha mais, não tinha saúde mais. É.
DENT: Poderia comentar um pouco mais sobre como surgiu a ideia de participar no
primeiro estudo que o senhor fez com os índios, assim, com os Kaingang, os Guarani.ROCHA: Dos índios. Pois é. Bom, para mim era uma coisa assim, como deve ser
para maioria das pessoas. Uma coisa fantástica, não é? Tu sair de Porto Alegre, uma vida boa, com carro pra lá e pra cá, de repente tu desce, vai andar de calção vinte dias. Tomando banho no rio. Dormindo numa rede. Comendo peixe... Um dia eles... Tinha um cara do Xingu, os Kayapó, são Kayapó. Chegaram e caçaram um bicho grande que é de água.DENT: Eu não conheço muito bem os nomes, mas... Conheço esses que tem, assim,
costela de peixe?ROCHA: Não, ele é... Esse é um... Não é um peixe, ele é um mamífero...
DENT: Ah... A capivara?
ROCHA: Capivara. Estavam atrás de uma capivara, do Xingu ali. Estava todo
mundo, mulher, criança. Eles não se vestiam naquela época, tudo pelado. E aí pescaram a capivara, trouxeram para beira do rio e a carnearam ali mesmo. Aí comecei, fígado... Deu o fígado para mim. Tenho horror de fígado de qualquer coisa. [Risos] Aí tive que pegar o fígado, né? Na mão e tal, levei, depois lá dentro, dei para não sei quem.Pegamos uma época também... São as coisas gozadas, que a gripe... Estavam
numa gripe. Era terrível. Todos eles fungando e ranhentos, sabe? Isso foi 00:20:00Kayapó. Kayapó usavam botó aqui assim. Botavam madeira e... E espirravam. [inaudível] E eles andavam pelados. E a higiene deles não existe, né? É no rio e pronto. Aí minha rede estava ali em cima, aí um deles deitou na minha rede, sujo. Deitou na minha rede, espirrou. Minha rede. Aí o Girley fez um ovo frito e eu... Aí eu peguei o ovo e o índio queria, né? Aí eu dei ovo para ele, ele pegou o ovo, cortou o ovo pela metade com a mão suja e me deu a metade pra mim comer. E tive que comer logo. E ele comeu a outra metade, o ovo frito. Isso o Girley se lembra, eu acho. Então tem coisas assim, né, Rosanna, que são...Vocês vão ficando, ficando, ficando e esquecemos. Mas então, a pergunta que
tu me fez foi... Que que eu sentia quando fui... Eu senti a sensação da novidade primeiro. Uma coisa nova, uma coisa perigosa. Que era importante pra mim como professor, membro de uma unidade científica. Fazer esse tipo de conhecimento. Trazer pra cá. E foi o que eu fiz. Publicar, transmitir. Eu não fui um bom professor. Não sou bom cientista também. [risos] Eu fui uma pessoa normal. Eu sempre me digo isso quando os caras começam: "Não, o Salzano é ótimo, o outro é ótimo, o Israel era ótimo, Margarete..." Eu não sou igual. Eu não sou assim. Eu tenho minha família, eu tenho minha vida pessoal. Jamais 00:22:00eu... trabalhar como os outros trabalhavam. Em relação à família e tudo... Na verdade, a família sentia falta dele. Uma pessoa que trabalha, só trabalha... Só não trabalha domingo de tarde como ele fazia. E ele deixava o carro... Ele, Salzano, estacionamento, na João Pessoa embaixo. E atravessa a Redenção a pé. De calção e sandália. Eu não podia quando era frio. Aí chegava lá, tirava o sapato e botava... Lá na [inaudível], lá em cima, na antiga. Ele é uma figura incrível. Ele é meu ídolo. Só é gremista. O defeito dele. Mas fora esse, [inaudível]. O cara tem um coração incrível, uma bondade incrível. Jamais eu vi o Salzano cometer uma injustiça. Por menor que fosse. Fazer algo assim... Tu está vendo que ele tá sacaneando alguém. Jamais, jamais. Nem falando, nem como ato. E um cientista honesto. Um cumpridor de deveres. Isso ele transmitiu para nós. Nós que trabalhamos com ele.A Margarete, o Israel, a Inês, o Arno, eu. Nós sempre trilhamos o mesmo
caminho. Então as coisas que ele guardava, ele, Salzano, que ele era muito organizado. Ele tinha uma mesa enorme lá, na parte velha. Que acho que é a mesma que está lá no campus. Que ele puxava assim, tinha os projetos de pesquisa. Quando eu fui trabalhar com os negros aqui, ele puxou e disse: "Eu tenho um projeto aqui sobre fertilidade de portadores... De mulheres com anemia 00:24:00falciforme." Que na África, um tal de Alison determinou que essas mulheres têm uma resistência a mais contra a Malária. E quem é portador de hemoglobinas anormais não pega malária. E esse era a base do trabalho que ele me deu. Então, eu quero ver... E tu vai ver, ele disse, tu que vai [inaudível] se numa zona onde não tem malária, se as mulheres negras heterozigotos para hemoglobina falciforme também têm resistência a outras doenças. Eu fiz esse trabalho aqui. Ele puxou da gaveta uma pasta assim com...DENT: Organizado... Ele é.
ROCHA: Projeto. E tinha outros... Aí chegava [inaudível] Lia tudo, tudo, tudo.
DENT: Como era o processo? Como ele, uma pessoa tão organizada, como era o
processo de se preparar para um trabalho de campo na terra indígena? Como era o processo? O que que vocês tinham que fazer para se preparar para um trabalho de campo?ROCHA: Eu acho que... Naquela época, né? No Brasil daquela época, o trabalho
de campo com índios, né?DENT: Sim. Especificamente.
ROCHA: O Brasil tem um serviço de proteção ao índio. SPI. E tem a FUNAI, que
é a entidade que congrega os indígenas. E tem esses caras tipo o Villas Boas. Tinha. E tem muito missionário. Então o Salzano, o que que ele fazia? Ele já tinha prestígio, ele já tinha feito aqui no Rio Grande do Sul. Ele fazia contato com pessoal indigenista e marcava, né? Disse: "Olha, eu estou com 00:26:00vontade de fazer isso, isso, isso, isso, isso..." E mandava lá pros caras. E os caras recebiam muito bem. Já chegava lá, os índios ficavam tudo, assim, na volta. E ele levava um monte de presente. Calção, dava os presentes e tal. Mas na verdade, tem que se organizar muito, né? Que tem que voo, voo, quem é que paga... Estadia, quem é que paga. Lá no mato não se paga nada, mas e os voos? Nós voamos uma vez com o avião da FAB. A FAB liberou um vôo para nós ir lá para... E aí foram dois americanos junto. Esse, Napoleon, foi lá junto. Esse da FAB. Esse que é lá em Surucucu, chama o lugar. Tu passa pelo meio das rochas, e cai dentro de um ginásio. Como se fosse um morro, ovo. E para levantar voo um horror [?]... Mas enfim, mas nós passamos por tudo isso. Ele é organizadíssimo, o Salzano. Tudo escrito, tudo encaminhado. E... Foi uma experiência muito boa, muito rica na minha vida, que jamais eu vou esquecer, lógico. E graças ao Salzano.DENT: O senhor lembra a primeira vez que chegou numa comunidade indígena? Qual
foi a impressão?ROCHA: Não foi comigo, porque ele foi...
DENT: Não, mas e... Assim, a sua primeira experiência...
ROCHA: A minha primeira experiência foi com ele aqui em Guarani, Kaingang,
são... São índios, mas são brancos, entende? Já vivem em comunidade branca e tal. Mas foi... Foi nos Kayapós. E a atitude dele foi... Ele nos recomendou muita coisa. Ele, Salzano. Para mim e para o Girley. "Não pode levar arma. Arma 00:28:00de jeito nenhum." "Não pode se meter na... Na... No grupo de onde eles dormem, de onde eles moram, nas barracas deles. Não, não pode se meter. Não pode falar nada que eles não falem. Só eles falando, tu responde." Sempre deixando uma reserva, porque esse grupo que nós fomos primeiro, era um grupo muito guerreiro. E eles... Eles fazem muita guerra entre eles, né? Por causa de mulher. Eles brigam por causa de mulher. E criança.Assim, eu tenho uma... Eu tenho uma experiência, uma foto. Não sei se está
lá no Salzano. Com um grupo de indígenas. Mulher, criança. E aí na outra vez, que a gente foi duas vezes, foi... Uma das crianças que estavam lá como filha já era uma mulher do índio. Quer dizer, entre os índios, isso é comum, né? Então... Tem que ter muito cuidado com essa história de... De... Não ofender. Enfim, não fazer bobagem com... Agredir ou... Por exemplo, assim, ó. Lá em Yanomami. Yanomami... [risos] Eu gostava muito de brincar com... Com... Tinha os chefes ali, as danças. Eu sabia a música deles. [Canta] E dançando. A mulherada e tal. E eu cantava isso aí, eles ficavam contentes. Aí um dia, cheguei para eles e... Salzano vai lembrar disso também. Cheguei para eles e... 00:30:00Peguei uma... Um papelzinho. E botei na mão e fazia que desaparecia o papelzinho... Bobagem de, faz para criança, né? E aí eu fazia isso aí. Aí eu fazia assim, o Girley estava junto. Aí eu deixava cair o papelzinho. Aí juntava com essa mão, botava aqui de novo, tal. Aí deixava cair. Aí juntava com essa mão. E botava na minha gola aqui atrás. Continuava. Botava... Aí o... Fazia assim. Aí um dia eu perguntei que que eles pensam. Como é que desaparece isso? Aí, então, isso aqui entra por aqui, passa na minha perna, entra por dentro da terra e entra lá no outro. Eles achavam que era assim que a mágica acontecia. Bom, resultado dessa mágica.Vou acender a luz que está muito escuro. Resultado dessa mágica aí. Essa
mágica se espalhou pela tribo. [pausa] A mágica se espalhou. Tinha um missionário lá nesse grupo. [Inaudível] Disse: "Olha, aquela mágica que tu fez lá com os índios lá fora tá correndo a tribo aí. Vem o chefe aí, um chefe indígena. Ele vai vir visitar aqui por tua causa. Vai ter que fazer a mágica para ele." Disse: "Bá, vou me ferrar, né?" Aí o Salzano também estava. Aí apareceu o tal de cara lá, um tal de Marcio. E eu... E eu estava 00:32:00sem camisa. Sem camisa, eu não posso fazer a mágica. Bá... Aí voltei de novo com a camisa. Tinha um grupo, assim, de tudo peladão, né? Uns 15 ou 20. Eles sentam, né? E as crianças ficam por ali, as mulheres também. Olhando.E eu comecei. Tinha posto a camisa. Aí eu cheguei pro cara: "Abre a boca. Aí
eu peguei minha mão, botei lá dentro da boca dele, com o papelzinho. Apertei aqui por dentro. E tirei o papelzinho." "Jerimu." Ele me chamou de Jerimu. Eu não sei o que que é. Jerimu. Aí o... Me abraçou. Eu tenho uma foto com ele abraçado. Era um índio tamanho médio, forte, forte. Aí perguntei pro cara, que estava lá. O que que é Jerimu? Jerimu é um cara muito amigo. Muito valente, muito amigo, muito forte. E meio milagroso, mas não falou milagroso. Um cara forte, que é respeitado. Jerimu. O Salzano lembra desse troço, acho que lembro. Então, assim que eu encarava os índios. Tem, tem mais coisas, assim. Mas o Girley também foi... Foi testemunho de várias coisas. Nós 00:34:00sentados no... Escureceu, né? Então nós estamos saindo do mato. Eu, o Salzano e o Girley. Então nós estamos com as nossas bagagens, a mala, sentados na pista do avião. Aí escureceu assim. E se o cara caiu agora ali, né? Nunca mais nos acham, vão nos achar aqui? Aí os índios [inaudível]. Não caiu. Mas é... É uma experiência positiva. Vale a pena, valeu a pena. Vale... Claro que, para minha vida pessoal, valeu muito também.DENT: Em que sentido? Qual era o valor mais importante que... Que... Acrescentou
à vida pessoal?ROCHA: Minha? É... Bom, primeiro que... Que a vida não é só aqui. Que a vida
tem outras coisas. E que a gente tem que entender que tem povo, tipo índio, povo tipo pobre, enfim, que a vida não é só vista boa pro Guaíba, carro, coisa. Tem outras coisas. E que tu tem que ser sério aonde tu for. Lá, tem que ser sério, não pode brigar, não pode ir de arma, não mexer com as pessoas. Mexer com... As pessoas andam nuas, né? Andavam naquela época. Então acho que a seriedade da coisa e a importância que tu tem em fazer isso. Tu te sente. Eu fiz isso. Eu fui capaz de fazer isso. Eu fui capaz de ir lá no meio do Xingu, 00:36:00rio Xingu, fui capaz de conviver com 200 Kayapós, ou 300 Kayapós durante 15 dias. Conviver, né? Fiz isso todos os dias. Harmonicamente. Isso é uma [inaudível]... Foi isso, foi muito bonito para minha formação científica também. Porque foi uma coisa boa que eu fiz, foi um trabalho de composição com Salzano no global da pesquisa dele. Isso veio certamente a preencher um lado. Que ele tem os dados lá, eu sei que às vezes tem feito mestrado com uso dos meus dados e coisa.DENT: Sim. Ainda estão usando esses mesmos dados para... Pesquisas que estão
fazendo agora.ROCHA: Claro. Imagino.
DENT: Então...
ROCHA: São coisas... que custou muito. Eu custei muito a aprender as medidas.
Morfológicas... Bizigomático, bigonial. Media... [inaudível] Enfim, foi uma coisa, foi esse... [Para outra pessoa] Oi, minha filha.Kátia: Oi. Oi, boa noite. Tudo bem?
RD: Oi, boa noite.
ROCHA: Conhece a Rosanna?
DENT: Não, ainda não.
Kátia: Não sei.
ROCHA: A Kátia que é amiga da... Como é...
Kátia: A Naida. É, a Rosanna não conhece. Tudo bom? Só a Naida.
RD: Eu sou doutoranda, estou fazendo a pesquisa de doutorado sobre a história
da genética humana aqui no Brasil. Sou dos Estados Unidos.Kátia: Ah, bem que a Naida tinha falado, né?
ROCHA: É, ela me entrevistou, ia vim hoje, mas...
Kátia: Tá gravando?
DENT: Sim, está gravando, mas acho que estamos... Terminando para hoje, né?
Já são seis... [risos]ROCHA: Ok. Então tá, Rosanna. É isso. E que a vida é boa. A vida é boa.
00:38:00RD: Ah, é... Com certeza. Temos sorte, né? As pessoas que temos essa
possibilidade de fazer pesquisa acrescenta uma coisa importante.ROCHA: Tu fez... Não precisa gravar isso... Isso aqui não precisa. Assim, ó, eu--