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Partial Transcript: Então… Bom, eu venho de uma família, de uma cidade muito pequena do interior do Rio Grande do Sul. "Então, depois a gente veio aqui pra Porto Alegre pra estudar na Universidade e tal. "E… Na verdade, eu, meu campo inicial, meu interesse inicial em ciência nem era tanto Genética, na verdade, né?
Keywords: concepção de ciência; economia moral; valores
Subjects: economia moral
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Keywords: Contexto Político-Economico; Formação Acadêmica; Instituições de formação; Raça, Etnia e Identidades; Redes científicas e circulação; ambiente político; diversidade humana; doutorado; evolução; indígena; instituição de fomento; prática; técnicas de pesquisa
Subjects: Contexto Político-Economico; Formação Acadêmica; Práticas; Raça, Etnia e Identidades; Redes científicas e circulação; diversidade humana
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Keywords: Diversidade biológica; Gênero; Mudanças importantes na ciência; Raça, Etnia e Identidades; afeto; doutorado; entusiasmo; evolução humana; formação acadêmica; indígena; instituição de formação; instrumentos; miscigenação; orientação; técnicas de pesquisa; técnicas variablilidade genética; vanço técnico transformador
Subjects: . Prática; Diversidade Biológica; Gênero; Raça, Etnia e Identidades; formação acadêmica
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Keywords: Avanço técnico transformador; Diversidade Biológica; Formação Acadêmica; Mudanças importantes na ciência; classificação da diversidade biológica; doutorado; evolução humana; instrumentos; processamento de dados; prática; técnicas de pesquisa; técnicas variablilidade genética
Subjects: Diversidade Biológica; Formação Acadêmica; Mudanças importantes na ciência; prática
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Keywords: Avanço técnico transformador; Contribuições importantes à ciência; Diversidade Biológica; Formação Acadêmica; Instituições de formação; Mudanças importantes na ciência; Prática; Raça, Etnia e Identidades; Redes científicas e circulação; ancestralidade; classificação diversidade biológica; colaboração e acordos; coleta de amostras; coleta de dados; doutorado; etnia; evolução humana; grupo continental; indígena; instrumentos; processamento de dados; troca de amostras; técnicas de pesquisa; técnicas variablilidade genética; viagem
Subjects: Diversidade Biológica; Formação Acadêmica; Mudanças importantes na ciência; Prática; Raça, Etnia e Identidades; Redes científicas e circulação
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Keywords: Formação Acadêmica; Raça, Etnia e Identidades; Redes científicas e circulação; colaboração e acordos; coleta de dados; grupo continental; orientação; processamento de dados; troca de amostras; técnicas de pesquisa; Ética; ética formal
Subjects: Formação Acadêmica; Prática; Raça, Etnia e Identidades; Redes científicas e circulação; Ética
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Keywords: Afeto; Formação Acadêmica; Instituições de formação; Prática; Redes científicas e circulação; colaboração e acordos; doutorado; experiência afetiva; instituição de fomento; orientação; processamento de dados; rotina de trabalho; técnicas de pesquisa
Subjects: Afeto; Formação Acadêmica; Prática; Redes científicas e circulação
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Keywords: Diversidade Biológica; Economia moral; Formação Acadêmica; Instituições de formação; Prática; Redes científicas e circulação; concepção de cientista; evolução humana; instituição de fomento; instrumentos; orientação; processamento de dados; rotina de trabalho
Subjects: Diversidade Biológica; Formação Acadêmica; Prática; Redes científicas e circulação; colaboração e acordos
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Keywords: Avanço técnico transformador; Diversidade Biológica; Formação Acadêmica; Interdisciplinaridade; Mudanças importantes na ciência; Prática; Redes científicas e circulação; antropologia; classificação diversidade biológica; colaboração e acordos; doutorado; evolução humana; história; instrumentos; processamento de dados; técnicas de pesquisa
Subjects: Diversidade Biológica; Formação Acadêmica; Interdisciplinaridade; Mudanças importantes na ciência; Prática; Redes científicas e circulação
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Keywords: Afeto; Avanço técnico transformador; Contribuições importantes à ciência; Diversidade Biológica; Mudanças importantes na ciência; Prática; Raça, Etnia e Identidades; Redes científicas e circulação; colaboração e acordos; concepção de cientista; economia moral; evolução humana; grupo continental; indígena; instrumentos; ontribuições importantes à ciência; orientação; relação afetiva com colaborador; técnicas de pesquisa; técnicas variablilidade genética; valores
Subjects: Afeto; Diversidade Biológica; Economia moral; Mudanças importantes na ciência; Prática; Raça, Etnia e Identidades; Redes científicas e circulação
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Keywords: Avanço técnico transformador; Contexto Político-Economico; Mudanças importantes na ciência; Prática; Raça, Etnia e Identidades; Redes científicas e circulação; coleta de dados; fator externo à pesquisa; indígena; instrumentos; processamento de dados; publicações; técnicas de pesquisa
Subjects: Contexto Político-Economico; Mudanças importantes na ciência; Prática; Raça, Etnia e Identidades; Redes científicas e circulação
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Keywords: Afeto; Prática; Redes científicas e circulação; classificação diversidade biológica; colaboração e acordos; coleta de amostras; coleta de dados; desconforto; etnia; grupo continental; indígena; orientação; paixão ao trabalho; processamento de dados; resistência do pesquisador; técnicas de pesquisa; Ética; ética formal; ética informal
Subjects: Afeto; Diversidade Biológica; Prática; Raça, Etnia e Identidades; Redes científicas e circulação; Ética
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Keywords: Afeto; Avanço técnico transformador; Interdisciplinaridade; Mudanças importantes na ciência; Prática; Raça, Etnia e Identidades; Redes científicas e circulação; coleta de dados; elação afetiva com sujeitos humanos; indígena; medicina; paixão ao trabalho; processamento de dados; ética formal
Subjects: Afeto; Economia moral; Interdisciplinaridade; Mudanças importantes na ciência; Prática; Raça, Etnia e Identidades; colaboração e acordos; Ética
DENT: Então hoje, no dia 22 de julho de 2014. Eu sou Rosanna Dent, doutoranda
em História e Sociologia das Ciências na Universidade de Pensilvânia. E tenho o prazer de conversar hoje com o professor Sandro Bonatto da Universidade, da PUC. Estamos aqui no campus da PUC hoje em Porto Alegre. Então, professor, muito obrigada por seu tempo. [risos]BONNATO: Não por isso.
DENT: Eu queria iniciar só pedindo para você nós fazer um apanhado do seu
interesse na Genética. Quais eram os impactos, o âmbito familiar, de criança, que primeiro se interessou na ciência? [risos]BONNATO:[Certo] Então-- Bom, eu venho de uma família, de uma cidade muito
00:01:00pequena do interior do Rio Grande do Sul. Então, depois a gente veio aqui para Porto Alegre para estudar na Universidade e tal. E--Na verdade, eu, meu campo inicial, meu interesse inicial em ciência nem era tanto Genética, na verdade, né? Eu sempre gostei muito de ciências, a gente-- Meu irmão é professor de Física e de Astrofísica ali na universidade federal também, então na nossa família sempre teve um interesse em Física. Apesar de os meus pais, na verdade, nem terem educação, muitos anos de educação. Eles eram do interior e tal, mas sempre achavam importante isso. E um dos motivos por que que a gente veio para capital foi exatamente para permitir que a gente estudasse em bons colégios, para poder depois fazer uma boa universidade. Então a gente sempre teve muito interesse em ciência. E ele foi para área da Física e eu gostei, gostava muito de Biologia e tal, então resolvi fazer, trabalhar com Biologia. 00:02:00Mas não sabia exatamente qual área, em quê da Biologia, né?E no começo, eu me interessei muito, e tanto que durante a graduação, eu
comecei a trabalhar com Zoologia, com animais. Mais especificamente com insetos, entomologia. Então durante toda a minha graduação, eu trabalhei com a parte de insetos. E tive disciplinas de Genética, mas eu não gostei da Genética na época. E o motivo é que eu comecei a estudar... Quando comecei a ler muitos livros e começar a ter uma ideia do que que era a Biologia, quais as áreas mais interessantes, eu gostei muito de evolução, então comecei a ler pessoalmente muito sobre evolução. E na época, a Genética tinha muito pouco, pelo menos as disciplinas da graduação, tinham muito pouco de evolução. Era muito, e principalmente, o que tinham de evolução era mais essa microevolução, assim, genética das populações clássicas, de equilíbrio de 00:03:00Hardy-Weinberg. E eu não me interessava muito por aquilo. Eu não via muito evolução na Genética. Conversando com meus professores, impressão que ninguém fazia-- Não conhecia o Salzano ainda. O Salzano não dava aula para gente. Eu não conhecia ninguém que fizesse evolução no sentido mais-- Na época, não se trabalhava muito com evolução, microevolução então-- Não me interessei por nenhum grupo que pudesse, de pesquisa, no departamento de Genética, que tivesse fazendo alguma coisa que me parecesse mais evolutiva, né? Era muito microevolução e tal, e não me interessei muito. E aí continuei na Zoologia, né?Mas sempre estudei muito, sozinho, a parte de filogenia, de evolução de
grandes grupos. Me interessava por essa área e achei que a Zoologia era o 00:04:00melhor caminho, assim, né? Para fazer isso. Depois, eu acabei continuando nessa área, e durante o mestrado, eu fui fazer mestrado em entomologia, em sistemática de insetos. E é isso que eu fiz durante [risos] o meu mestrado. Mas eu realmente sempre lia muito e me interessava muito pela parte da filogenia, a parte da evolução da sistemática. Não tanto a descrição de espécies, a parte mais tradicional da taxionomia, mas mais me interessava mesmo pelo aspecto evolutivo.Bom, e estava, assim, trabalhando com isso e etc. Mas como eu gostava dessa
parte de filogenia e estudava sozinho, quando eu estava fazendo mestrado lá na faculdade de Curitiba, no Paraná, eu conhecia várias pessoas e tal, e aí conheci uns professores da Genética lá de Curitiba. E aí eles disseram: "Pô, 00:05:00a gente não tem ninguém aqui, no departamento, que trabalhe com a parte mais de filogenia e evolução". E aí me convidaram, disseram: "Não quer dar uma palestra sobre como usar dados genéticos para fazer evolução e filogenia já que a gente não tem nada, ninguém aqui?" Eu, aluno de mestrado, né? Mas gostava muito disso e disse: "Tudo bem, posso fazer, mas vou ter que ler um pouquinho. Deem alguns, uns dois meses para eu ler mais sobre isso." Que eu realmente na época não estava, não estava lendo muito sobre a parte dos dados genéticos. Eu achava que não tinha muito, não tinha muita conexão. E aí comecei a ler, né, peguei alguns artigos.Nesse sentido, foi aí que minha vida mudou em termos de carreira científica.
Porque eu comecei a descobrir artigos recentes que estavam saindo sobre filogenia. Filogenia molecular usando dados de DNA, que eram, estavam recém 00:06:00saindo na época, né? para fazer estudos dos insetos mesmo, entre outras coisas. E junto com isso eu descobri estudos, os mesmos estudos que estavam também na época de evolução humana usando DNA mitocondrial. Que foi aquela, na época lá, da década de 1980. Começo da década de 80 com Mark Stoneking lá, né? Pessoal do Wilson etc.E aí isso, aquilo ali me fascinou totalmente, porque aí eu vi que realmente o
que eu... Como eu me interessava muito por evolução, e também por processos evolutivos, mas mais a longo prazo assim, história evolutiva de populações mais a longo prazo... E quando eu comecei a ver aqueles artigos, que eles faziam exatamente o que me interessava... Não só a filogenia de como os grupos evoluíam dentro e entre os continentes, mas a gente poderia também trabalhar com tamanho da população e estimar rotas migratórias e tal. Realmente eu não 00:07:00imaginei que desse para fazer isso, porque na época-- Aí eu, de certo modo, parei a minha tese de descrição de insetos e coisas assim e comecei a ler centenas de artigos, não só para fazer a palestra, mas principalmente porque aquilo era realmente o que me fascinou muito.Então com isso, eu descobri que, sim, dava para fazer muitos estudos
interessantes de evolução usando dados moleculares de DNA. E essa área principal seria a área da Genética e tal.Bom-- Eu já estava pensando em fazer um doutorado no exterior, nos Estados
Unidos basicamente, né? E aí nessa época então eu fui, contatei vários pesquisadores nos Estados Unidos para tentar, né, me candidatar a um programa de doutorado. Por vários motivos, eu acabei sendo selecionado e acabei 00:08:00escolhendo ir para Nova Iorque, para a Universidade de Nova Iorque, lá que fazia... Na época, eu não achava que eu poderia trabalhar no doutorado, pelo menos sozinho, fazendo um estudo de evolução humana. Pelo menos não de indígenas, porque não conhecia ninguém aqui, assim, diretamente. Não tinha amostra, não tinha nada. Aí eu resolvi trabalhar mais com a parte de filogenia molecular mesmo no primeiro momento de doutorado e aí Nova Iorque era um ótimo lugar. Por causa [inaudível] americanos e tal, que é centro dessa área.Muito bem, aí fui fazendo isso, estava acabando o mestrado, e aí apliquei para
uma bolsa do CNPq, essas de doutorado integral. E obviamente demora vários meses até esse processo se concluir, normalmente. Em situações normais. Então nesse tempo que eu estava finalizando o mestrado, até sair as respostas e até as coisas burocráticas se encaixarem, eu-- O pessoal daqui da Genética 00:09:00de Porto Alegre, mas a maioria do pessoal trabalhava com... Não sei se tu conheceu, deve ter ouvido falar da Helga Winge, que trabalhava com plantas e tal, né? Ela me convidou para ficar alguns meses aqui em Porto Alegre, nesse intervalo antes de ir para o exterior, para ensinar e ajudá-los a fazer filogenia com dados moleculares que eles estavam obtendo, né, com as plantas. E também não tinha muito conhecimento. Eu disse: "Tá, ótimo, volto para Porto Alegre, fico alguns meses aqui e, né, me preparo para quando sair da bolsa, sair tudo direitinho, eu vou pros Estados Unidos." Bom, vim, né?E aí, que que aconteceu? Aconteceu um desses planos econômicos brasileiros...
Na época de hiperinflação, teve vários planos econômicos tentando resolver o problema da hiperinflação. E um desses planos, justamente nessa época, fez foi que o governo congelou, né? Assim, bloqueou o uso de verbas, diminuiu 00:10:00durante, sei lá, não me lembro quanto, muitos e muitos meses. Então, eu recebi a notícia que eu tinha ganho a bolsa integral, só que ela não seria liberada agora. Seria liberada dali a vários meses, quando o governo voltasse de novo a liberar verbas etc. E aí eu fiquei mais tempo em Porto Alegre do que eu estava esperando, né? Fiquei esperando eles liberarem. Eles disseram: "Tá certo, tu ganhou a bolsa integral, não tem problema, só que em vez de sair agora, deve sair daqui a vários meses até quando as coisas funcionarem."DENT: Isso foi em qual ano?
BONNATO: Boa pergunta. Foi 1987, eu acho. É, acho que 1987. Exatamente. Acho
que é, é. Foi mais ou menos por aí. 87, 88. Acho que foi perto de 87.E bom, então aqui em Porto Alegre, comecei a frequentar o departamento, né? E
conhecer as pessoas, conheci o próprio Salzano, que eu não conhecia 00:11:00pessoalmente. Mas ainda estava tranquilo assim na ideia de fazer meu doutorado nos Estados Unidos com outras coisas. Parte molecular, evolução, mas não com isso.Só que aí eu conheci a Loreta. [risos] Que estava aí, e aí a gente começou
um relacionamento, começou a namorar e tal. Mas assim, a gente realmente acertamos o nosso relacionamento, tipo um mês antes, um mês assim. Aí um mês depois o CNPq me disse: "Pronto, está aí a bolsa, pode ir pros Estados Unidos a hora que quiser fazer o doutorado integral". E aí ela não tinha como, ela estava no meio do mestrado, tinha família e tal. Fiquei naquela e disse: "Não, não vou". [risos] Vou apostar no meu relacionamento pessoal e não, não nisso que eu queria já há muito tempo e tal. Estava tudo certinho, mas aí acabei desistindo da bolsa.E eu resolvi ficar então em Porto Alegre, né? E aí, bom, eu tinha que fazer
00:12:00alguma coisa. Dessa convivência com o Salzano, com o pessoal, eu disse: "Ah, vou, vou tentar retomar aquele interesse que realmente me fascinou de estudar evolução humana usando dados. Mas dados de DNA, dados de sequenciamento mitocondrial naquele momento, coisa que o pessoal não fazia ali. E vou propor para o Salzano então, e ver se ele me aceita no doutorado para fazer isso. Aí ele já me conhecia, e aí ele disse: "Não".Mas ele disse: "Não, não para isso. Eu tenho uma proposta para ti que--" E
assim como me lembro da... Eles fizeram, ele e a Sidia fizeram, foi doutorado da Sidia durante-- Um levantamento de todos os estudos de genética de populações, de indígenas, nativos americanos etc, que saiu aquele livro. Ele 00:13:00disse: "Eu quero fazer a mesma coisa para populações urbanas. Estudos de populações urbanas etc. que tem muita coisa, quero que tu compile e vamos fazer um livro sobre isso". Aí eu disse: "Não". [risos] "Não estou interessado nisso, em populações urbanas, em questões de miscigenação e de coisas, assim, de que acontece. Meu interesse é realmente entender a evolução mais a longo prazo, questões de povoamento das Américas, como é que os índios chegaram aqui, como é que os humanos evoluíram. Não, isso eu não quero." [risos] "Aí e eu quero fazer isso, eu quero fazer com DNA mitocondrial, como o pessoal lá dos Estados Unidos está fazendo, e entender etc etc." E ele me disse: "Ah, mas a gente não tem nada aqui, não tem laboratório para sequenciamento de DNA, não tem, não tem condições." Bom, aí eu disse: "Tá, eu monto. Faço. A gente faz essas coisas, né? Vamos fazer."Então, então o que eu acabei fazendo é estudando um monte de, assim, dessa
00:14:00parte de montar o laboratório, de comprar, de começar a comprar coisas simples, e aprender todas as técnicas de sequenciamento, e toda parte molecular. E minha experiência era de secar insetos e fazer desenho para descrever espécie. E a parte mais de fazer filogenia. Mas na prática mesmo, eu nunca tinha trabalhado com nada de molecular e ninguém no departamento trabalhava com a parte de DNA e sequenciamento. E aí, bom, e aí foi um longo, demorou bastante, porque a gente, na época no Brasil era muito difícil ainda. Conseguir equipamento do exterior, levava muitos meses para importar. Não tinha, era muito caro. Então a gente tinha que inventar, a gente mesmo inventava. Ia numa vidraçaria, comprava vidros para fazer sequenciamento e, ou seja, a gente meio que inventava as coisas. Que dava para fazer. Com pouco 00:15:00dinheiro e as poucas condições de importação que se tinha e demorava muito tempo. Então, demorou bastante para conseguir montar um sistema de sequenciamento que funcionasse razoavelmente bem, né? E aí quando a gente conseguiu e tal, Salzano concordou, disse: "Tá bom, já que tu insiste." [risos] "Não desiste, então vamos fazer, né? Vamos. Concordo" e tal.E aí começou o meu estudo mesmo, a parte de estudar a evolução humana,
principalmente questão do povoamento das Américas usando dados de DNA, dados genéticos moleculares.DENT: Poderia voltar um pouco para falar um pouco mais sobre o contexto, assim,
a experiência na graduação? Como era, assim, aquele momento, estar na universidade? Ainda estava no final da ditadura, né? Tinha algum efeito, como 00:16:00era a vida diária dentro da universidade?BONNATO: Então, era o final da ditadura. A gente sabia, obviamente, que tinha
ditadura e tal. E era assim... Eu não senti nenhum tipo de problema pessoal e nem na Biologia. Porque a Biologia, eu imagino que nas Ciências Sociais, nessas, né? Nessas áreas talvez pudesse ter bem mais problemas e mais questões assim relacionadas ao que podia e não podia estudar talvez e outras coisas. Na Biologia, não tinha, a gente não sentia nada em relação à pesquisa em si. O ambiente da universidade... A gente não sentia, eu não sentia nenhum problema. Mas obviamente de vez em quando aparecia.Tinha um pessoal desconfiava que um que outro aluno pudesse ser um informante do
00:17:00exército, pela maneira que ele se vestia. Mas assim, nunca foi provado nada, de vez em quando tinha algumas manifestações relacionadas à questão do retorno da democracia.Eu me lembro--Um momento muito assim, que ficou mais claro para mim isso, foi
naquela época, se fazia uma reunião, tipo um mini congressinho de estudantes de Biologia. Que depois acabou, mas era muito famoso na época. A gente ajudou a organizar inclusive um ano e tal. Nessa época, a gente convidou principalmente estudantes do Uruguai. Acho que vieram alguns da Argentina, mas vieram muitos do Uruguai. Então Uruguai também, né? Também estava sob regime da ditadura, então-- 00:18:00Eu me lembro de uma das festas que se teve. Na época dava para fazer festas
dentro da universidade, nos bares da universidade e tal. Se vendia álcool e coisa que hoje em dia não pode, né? E então, tinha festa e aquela coisa e o pessoal começava a cantar assim: "Vai acabar, vai acabar a ditadura militar", em espanhol assim, né? Então eu via assim realmente era um problema, era uma coisa comum a todo mundo. A todos nós. Mas não afetava diretamente.Acho que realmente a ditadura estava no final e na nossa área não tinha nenhum
problema acadêmico diretamente. Então não, assim, não sentia, não sentia nenhum tipo de repressão a qualquer coisa que a gente fizesse. Obviamente, eu nunca fui, não estava ligado em nenhum movimento que pudesse de repente ter pessoalmente alguma-- Sentir alguma repressão maior. Obviamente, o pessoal mais 00:19:00da área mais ligado mais à política, dos diretórios acadêmicos, falavam mais, mas realmente acho que era-- Como eu entrei na universidade em 1980, e em 1980 já não tinha mais muita--DENT: Já bem mais tranquilo-- [risos]
BONNATO: É, já estava bem mais tranquilo. E como eu disse, na nossa área,
não tinha muito-- Então nesse sentido, não teve, não senti nenhum problema.DENT: Teve alguma pessoa, algum professor, algum colega, alguma experiência que
foi muito marcante na graduação para, assim, confirmar que você queria ser cientista?BONNATO: Olha, nenhum em especial, na verdade. O que me marcou, na verdade
mesmo, que eu vi que era isso que eu queria, foi... No começo, acho que é 00:20:00muito comum. No Brasil, pelo menos, é muito comum isso. Vejo pelos meus próprios colegas e pelas conversas depois. Nos primeiros meses a gente não tem certeza se é aquilo mesmo que a gente quer, né? Porque as disciplinas, principalmente naquela época, as disciplinas iniciais, o primeiro semestre, segundo semestre, primeiro ano eram muito disciplinas não da área da Biologia mesmo. Tinhas que fazer outras, Matemática, Química, Física... E coisas básicas e tal. Então a gente sempre ficava em dúvida. Então nos primeiros meses, no primeiro ano a gente muitas vezes fica em dúvida. Naquela época, eu não fazia nenhum... Normalmente, no primeiro ano, não se faz estágios de pesquisa. Não fazia estágio nenhum e nem sabia que área. Por exemplo, se fosse fazer pesquisa, que área eu fosse fazer.Mas o que realmente me marcou foi quando eu conheci a biblioteca. Da
universidade. E aí eu comecei a olhar, eu ia na biblioteca, comecei a ir nas 00:21:00estantes. As bibliotecas não eram muito grandes. Não são muito grandes as nossas, mas... Bom, tinham muitos livros antigos e tal. Comecei a olhar os livros, comecei a ver as lombadas dos livros, aí lá, livro do Darwin de evolução e outros livros e tal. E só lendo os títulos, já olhava assim: "Isso eu quero dar uma olhadinha". Aí comecei, começava a olhar os livros. E depois os artigos, os periódicos.Mas eu não sabia inglês. Na verdade, né, nossa... O ensino de inglês era
muito ruim. Então não sabia inglês o suficiente para ler um livro normalmente nos primeiros meses. Aí eu disse: "Não, vou ter que ler isso". Aí eu pegava o livro, pegava o dicionário. Ficava lendo horas a fio os livros e em, sei lá, dois, três meses, já estava lendo normalmente. Pelo menos a leitura já nesse primeiro momento de livros técnicos assim. E aí, assim, eu vi que cada vez eu queria ler mais e lia outro livro com outro nome interessante de evolução não 00:22:00sei o quê, ou de alguma coisa interessante. E aí eu vi que realmente eu queria entender aquilo, queria saber como é que funcionava, queria. Tudo que estava ali eu estava interessado em entender.E as bibliotecas nossas, não sei se ainda... A biblioteca da Biologia na época
era separada em duas partes. A parte dos livros e uma segunda parte dos periódicos. Num primeiro momento, eu nem sabia que existia a parte dos periódicos, onde se fazia, onde tinham os artigos científicos. E aí um dia eu passei aquela barreira que tinha lá e comecei a ver os periódicos. E também comecei a folhear e ver o que que tinha, as áreas de interesse, e aí vi mais ainda. E aí vi não só o livro, que é o produto final, mas os artigos mesmo. Como que as pessoas faziam, que tipo de experimento, que tipo de análise, que tipo de perguntas se poderia fazer. As várias áreas de evolução, 00:23:00principalmente. E aí eu vi que realmente tinha um campo muito grande. Evolução de comportamento, evolução de não sei o quê, toda essa parte...Então, o que realmente me mostrou que eu... para dizer que eu realmente queria
ser cientista, eu vi que eu queria entender tudo aquilo, queria saber, queria aprender cada vez mais e que eu tinha facilidade. Eu lia, via a metodologia, aprendia e via como é que funcionava, já queria aplicar e já. Ir atrás e pegava as referências, ia atrás... Então eu vi que realmente, assim, me parecia que eu, que a minha mentalidade era bem apropriada para pra estudos científicos, né? E aí realmente eu comecei a ler muito, ficava horas lendo na biblioteca livros e periódicos gerais assim, tentando... Li tudo que me interessava. Como eu não fazia nenhum estágio naquele primeiro ano, um ano e pouquinho, eu tinha liberdade para pesquisar o que eu quisesse. E não aquilo 00:24:00que, sei lá, mais apropriado da minha, do estágio que fosse fazer. Então, então realmente, comecei a.... Li de tudo, li, lia livros de evolução de modo geral, de sistemática, de métodos de filogenia, evolução do comportamento. Comecei a ler coisas. De interesse. Eu acho que para mim isso foi muito bom, porque me abriu bastante, né? Lia e via métodos, e perguntas de todas as áreas.Então quando eu fui fazer meu primeiro estágio, que no fim, virou um estágio
até o final. Que é sistemática de insetos, taxionomia de insetos. Pessoal do laboratório só via aquilo, pegava os insetos e via os artigos, os artigos de 1800 e tanto, 1700 que descrevia as espécies. E aí via se era uma espécie nova ou não, desenhava e tal, descrevia. E eu ficava lendo métodos de filogenia, evolução do comportamento e tal. Além de toda teoria da 00:25:00sistemática e [inaudível] na época, [inaudível] filogenética. Porque eu já tinha começado, já tinha um conhecimento e aí me interessava por essas questões mais de metodologias modernas e processos e etc. DENT: Depois de fazer o mestrado, assim, sobre uma coisa animal, específico, filogenético, né? Como era a transição para a área de genética humana?BONNATO: Sim, a parte humana. Olha, como é que eu posso dizer? Eu, assim, em
termos científicos, eu não-- Muita gente me pergunta quando eu digo: "Ah, eu sou entomólogo, eu fiz mestrado em entomologia, com sistemática de insetos e--". "Como que mudou tanto?" Na verdade, para mim, em termos, pensando 00:26:00intelectuais, científicos, não foi uma mudança muito grande.Eu me interessava por evolução, filogenia de organismos. Os humanos, nesse
sentido, eram mais um organismo, ou seja-- Passar de inseto para humanos só muda o organismo, mas as perguntas não eram necessariamente muito diferentes. Nesse sentido, não foi uma transição tão grande assim. Agora claro, a diferença é que o grau de conhecimento que se tem, de perguntas. A evolução humana em relação ao que se tem qualquer outro organismo, é totalmente diferente. Então nesse sentido, o detalhamento que se pode obter em termos técnicos, científicos, é muito maior. Então, eu vi que enquanto que para estudar filogenia de um grupo qualquer não existia praticamente nada, em humanos tem que ler uma quantidade muito grande-- Conhecer muita coisa que tem, 00:27:00milhares de estudos de várias áreas diferentes etc.Agora, eu acho que talvez, assim, a transição, ou o impacto não tenha sido
tão grande, porque na verdade, eu não trabalhava com os humanos mesmo. Essa talvez seja... Eu nunca tive contato com tribos indígenas ou com populações, com as pessoas mesmo, certo? Então, eu trabalhava com sangues, com DNA que tinha ali. E como meu interesse era mais de povoamento, ou seja, uma coisa de quinze, vinte, vinte e tantos mil anos atrás, nem as populações atuais, na verdade, me interessavam tanto. Eu não estava interessado em entender como os Xavante, ou como os Suruí, ou como, sei lá, evoluiu especificamente. Na verdade, representavam amostras de uma história bem mais antiga. Então, e eu 00:28:00não tendo esse contato direto com as pessoas... Não, assim, nesse sentido, realmente, era mais um organismo. Se fosse sangue, ou se fosse DNA de humano, DNA de inseto, em termos científicos, não fazia diferença.A única diferença é que, obviamente, aquela espécie, a espécie humana, tem
muito mais informação, então as questões são muito mais amplas, muito mais interessantes. Mas em termos práticos mesmo, não, a minha transição não foi tão grande. Porque não tive, não tinha que ir nas tribos e conhecer e obter os resultados, interagir pessoalmente e tal. Então, nesse sentido, não teve--Acho que imagino que quem tenha passado de uma área de lidar com um
00:29:00invertebrado, um organismo que não tem praticamente interação nenhuma e passar para estudar evolução humana ou genética humana, mas interagir diretamente com as pessoas... Deve ter sido-- É muito diferente, acho, que da minha experiência. Então, nesse sentido, não teve realmente muito impacto assim. Não estudando também tanto as populações em si. Também faria-- Acho que se eu tivesse, se o meu estudo fosse mais voltado a entender uma tribo. Aí possivelmente teria estudado mais questões de comportamento, mais antropológicas mesmo. Então, mas como não era, não é o meu interesse científico, então, aí tinha milhares de coisas para estudar. Mais técnicas, então no fim, eu acabei não, acho que não tendo essa transição muito radical. Eu imagino que talvez a Maria Cátira ou outras pessoas que têm mais 00:30:00contato com questões mais de comportamento ou mais éticos, de repente, isso possa, sem dúvida, ter mais. É bem diferente da minha experiência, que foi mais realmente como um objeto de estudo. Do que como entender aquelas pessoas mesmo...DENT: Poderia explicar um pouco mais sobre a tese de doutorado? Assim, já fez
todo o trabalho para montar o laboratório e aí iniciou o trabalho com DNA mitocondrial. Poderia explicar um pouco mais o estudo, que que era, qual era o impacto?BONNATO: Então, o meu objetivo, que eu tinha dito para o Salzano, é que eu
queria realmente entender e estudar o processo de povoamento das Américas. Então para isso a gente precisava gerar e ter informação do máximo possível 00:31:00de populações. De onde tivesse o material. Mas naquela época, era tudo muito difícil. Tanto gerar os dados, quanto obter informações, e não tinha internet, computadores eram um horror-- A gente nem tinha computador pessoal. Então assim, então foi um processo bem mais longo do que a gente esperava.Ou seja, só para gente, uma comparação-- Eu fiz, fiquei quatro meses no
laboratório do Mark Stoneking, lá na Pensilvânia, na Penn State. Então, naqueles quatro meses, eu, na verdade, interagia com muita gente, fiz um monte de coisas da parte mais de análise, um monte de coisas. A parte do laboratório mesmo, de gerar os dados, eu demorei mais ou menos um mês, se tanto, para 00:32:00fazer. Então, naquele um mês, eu fiz mais do que quatro anos aqui no Brasil. Pelas condições, né? Ou seja, lá bastava, assim, o material estava sempre ali, não tinha que esperar meses para vir um material radioativo, que ficava semanas de alfândega, e aí já tinha que ter-- Conseguir outro, porque já tinha decaído-- O filme que a gente usava lá era um filme que em dois dias o material, o sequenciamento saía. Aqui no Brasil, precisava de um mês. Porque era um filme de baixa qualidade, então para ter a informação, precisava de um mês. Ficar a radiação atuando no filme. Então, assim, as coisas foram extremamente mais demoradas. Muito demoradas.Mas aos poucos, a gente foi obtendo informação, eu fui entendendo toda parte
de análise, da metodologia, de como analisar, inventando coisas e fazendo-- Porque era uma área muito nova, essa área de análise mais populacional, de 00:33:00usar o DNA mitocondrial para questões como essa assim. Relativamente recente. E não usar, não só a filogenia, aquela árvore da relação entre as moléculas, mas também dali tentar entender quando que foi o processo de colonização, de expansão populacional e etc. Coisa que realmente não era muito comum na época. Pessoal fazia aquelas coisas mais clássicas. Fazia filogenia dos humanos como um todo, estimar alguma coisa de quando que era a raiz da árvore, ou saber quando os humanos, a espécie humana surgiu etc. Mas essa parte mais populacional e bem mais recente era novidade, então a gente estava, a gente tinha que inventar coisas, imaginar e tentar usar aquela informação--Tinha que pegar sequências que estavam publicadas e escrever manualmente lá no
computador, porque não tinha um GenBank com as sequências para gente baixar na hora e analisar. Tinha que escrever, pegar sequência mesmo de algum trabalho 00:34:00publicado. Cada um publicava de uma maneira diferente, então tinha que tentar ainda juntar as coisas e, como eu disse, eu não tinha um computador pessoal na época. Então tinha que usar um computador da faculdade de Física, que era um computador velhíssimo e horrível. Então, muito demorado mesmo, muito difícil. Mas no fim, fui juntando as informações-- Muita, tudo que eu pude obter de DNA, de sequências, de populações americanas-- Mais de outras populações, da Ásia, da Sibéria, principalmente, mas da Ásia, para fazer as comparações-- [pausa] Deixa eu ver--Que tem de interessante? Assim, num primeiro momento, tinha a grande questão
que tinha na época, era: "Quantas ondas migratórias?" E o que prevalecia, na 00:35:00época que eu comecei, era a hipótese, teoria das três ondas migratórias lá do Greenberg. Que cada um dos grupos daqueles linguísticos teria vindo em momentos independentes etc. etc. E era o que os primeiros estudos de DNA mitocondrial do grupo do Wallace e outros diziam que sim, que era, comprovava e que dados de DNA mitocondrial favoreciam essa hipótese. E eu não tinha nenhuma hipótese. Queria saber o que que ia acontecer. Quando as primeiras análises que eu fiz primeiro me mostraram que tinha mais, aquela história dos quatro grandes haplogrupos, eu vi que tinha um quinto haplogrupo. Quando eu juntei, tinha dois estudos diferentes que davam quatro grupos. Só que eles não tinham comparado entre si. Quando eu peguei as sequências, anotei, fiz-- Manualmente, 00:36:00entrei elas, e fiz, junto e vi que, na verdade, um dos grupos não era comum entre eles. Então na verdade tinha um quinto grupo.E depois, deixa eu ver-- Quando eu comecei a fazer as análises e comecei a
juntar uma grande quantidade de informação. Eu comecei a ver que esses haplogrupos, cada um deles tinha uma estrutura muito semelhante entre si. Em termos da profundidade e da diversidade dentro dos haplogrupos. E é isso que me chamou atenção. Disse: "Ah, mas não tem muito sentido isso, se os grupos vieram em momentos diferentes, não deveriam ter a mesma idade, a mesma [inaudível]"--Mas quando o pessoal fazia as primeiras análises, eles pegavam uma tribo ou um
00:37:00conjunto de tribos, todas as mitocôndrias simultaneamente, faziam a filogenia e estimavam quando que aquelas sequências mitocondriais nas populações começaram a diversificar. E obviamente, como a diversificação, o pessoal encontrava uma idade muito antiga e etc. E eles não conseguiam entender exatamente como é esse, como é que podia, né-- Se era mais recente, como é que podia ter um coalescência, uma idade de diversificação muito antiga, então de repente não houve o bottleneck. E talvez a colonização seja muito mais antiga ou então, tinha um monte de hipóteses.O que eu me dei conta era que, se cada haplogrupo tinha uma diversidade
semelhante e uma profundidade semelhante, que talvez o que teria acontecido é 00:38:00que cada, durante o processo de povoamento no primeiro momento, teriam sequências, grupos diferentes. E que a diversificação tenha, dentro dos haplogrupos, acontecido após a colonização. E que esses grupos, os ancestrais desses grupos, na verdade, já vinha diversificado, ou já vinha pelo menos separados antes do povoamento. E que estimar a idade de povoamento ou alguma coisa assim com essa profundidade da relação entre os haplogrupos na verdade estava estimando coisas que tinham acontecido na Ásia e não durante o povoamento. E aí eu comecei a fazer umas análises, foi a primeira vez acho que alguém fez uma análise da dinâmica de diversificação, não considerando todas as sequências simultaneamente, mas separando para cada grupo. Cada um deles tinha uma história, né? Até para ver se as histórias, se realmente era correto que elas tinham vindo com um ancestral comum, cada uma delas 00:39:00diversificado após... Elas tinham que ter uma história, padrões de diversificação, de idade e etc. muito semelhantes. E foi, no fim, realmente o que a gente encontrou.Deixa eu ver-- Nessa época, eu estava, já tinha começado a fazer essas
análises, já tinha várias análises e uma coisa que achei interessante-- Então, eu estava descobrindo que existia uma evidência de que realmente todas, pelo menos todas as populações que a gente analisou, da América do Sul, América Central e América do Norte, tinham essa origem única, essa ideia de uma origem única. Mas tinham alguns fatores que eram difíceis de explicar. Por que que os esquimós e os atabascos [inaudível] tinham menos diversidade, 00:40:00tinham só alguns haplogrupos e os daqui não? Que o pessoal achava que estaria relacionado com questões de entrada em épocas diferentes.Então nessa época, que eu já estava fazendo essas análises, que eu fui lá
para Penn State com o Mark, aí eles pediram para dar um seminário lá. O de sempre, né? Aí, bom... Eu disse: "Mas eu preciso explicar isso, preciso explicar-- Preciso entender por que que tem acontecido essa, esse padrão aqui." Estava lendo durante bastante tempo, muita informação. Realmente a biblioteca lá era milhares de vezes melhor do que a nossa aqui, então tinha muito mais artigos e artigos mais antigos e de outras áreas mais antropológicas. Que a gente não tinha muito aqui. E aí eu comecei a ver um monte de informações interessantes que me ajudaram a perceber alguns fatores que foram importantes 00:41:00pra, na época, explicar toda essa hipótese de processo. Uma delas, que essa ideia de que o berço, digamos, da diversificação da população ameríndia era a história da Beríngia. De que eles não simplesmente vieram da Ásia, cruzaram e passaram, né? Mas essa noção de que eles ficaram durante alguns milhares de anos no que seria a Beríngia antes, diversificando. Quer dizer, no primeiro momento, possivelmente diminuindo a população, mas depois diversificando, criando essas mutações exclusivas nas Américas etc. Antes de alguma maneira, passar lá, as geleiras, seja pela costa...Na época, eu achava que era naquele espaço, naquele corredor aberto lá entre
00:42:00as geleiras, porque na época as estimativas de tempo de diversificação davam mais antigas que 20 mil anos. Então a melhor explicação era ter vindo do meio. Mas depois com os genomas mitocondriais que a gente sequenciou e fez análise, o tempo de entrada no continente já estava mais próximo de 18 mil anos. Então agora a gente já sugere que seja pela costa quando as geleiras estavam já começando a retrair, né?Mas essa noção, para mim, foi muito importante, na época quando eu li alguns
artigos, aquela da [inaudível], do [inaudível], que no outro contexto falava de que talvez os--pudessem ter ficado algum momento ali e tal. E aí eu vi: "Não, essa realmente é a melhor explicação." A ideia de que a Beríngia foi realmente um lugar em que os ancestrais dos ameríndios ficaram durante muitos 00:43:00milhares de anos diversificando e criando e, com isso, acumulando algumas mutações exclusivas antes de fazer essa passagem realmente para o continente e colonizar o continente todo, né? E aí que eu criei essa noção do [inaudível] Beríngia. Ideia de incubar na Beríngia e depois só diversificar e [inaudível] simplesmente passar direto da Ásia para América e assim--DENT: Quando você estava fazendo as análises em Penn State, tinha levado
material biológico do Brasil para analisar lá? Ou estava trabalhando com amostras lá na Penn State, ou eram as duas coisas?BONNATO: [Sim, sim. Não.] Não, lá, eles não tinham... Eu acho que eles
00:44:00tinham amostras do Neel. Mas não, não trabalhei-- Eu levei DNA. Depois eu trouxe de volta tudo. DNAs e soro, daquelas amostras antigas do Salzano de várias populações diferentes que ele tinha aqui. E aí lá eu sequenciei alguns dessas, algumas dessas amostras. Assim, só as nossas... E aí depois trouxe de volta, não trabalhei com nenhum material biológico deles lá. Na época. Até porque, o material era-- Segundo eu me lembro que o Mark falava e tinha uma pessoa que estava lá trabalhando, tentando resgatar, na época-- As condições eram muito mais precárias que hoje, eles não estavam conseguindo usar essas amostras muito antigas, que só tinha soro, que já tinha congelado e descongelado dezenas de vezes por vários motivos ao longo de décadas--E não 00:45:00estava conseguindo resgatar esse material para poder fazer alguma coisa de--Mas os nossos aqui eram, a gente tinha DNA que o Salzano, de algumas amostras de populações mais recentes que ele tinha coletado e a gente tinha extraído o DNA mesmo, então já tinha um DNA de boa qualidade, esse deu para sequenciar. Mitocôndria lá, parte da mitocôndria e alguma coisa que eu consegui fazer desses soros mais antigos, mas no fim esses foram muito pouco, então não realmente--A qualidade estava muito ruim, não deu para fazer praticamente nada. Acabei usando mesmo foi essas sequências dos Suruí, [inaudível], Xavante e tal.DENT: E como era o processo regulatório, imagino que deve ter sido complicado
levar amostras biológicas ou--BONNATO: Na verdade, eu-- Não foi complicado, não. Mas eu teria que perguntar
para o Salzano. Na verdade, essa parte foi ele que-- [pausa] Não consigo me 00:46:00lembrar como é que foi exatamente. Na época, 1994. A gente começou isso em 93. Não tinha, a regulação era muito mais, não era tão estrita como é hoje. Então, Salzano tem várias licenças de estudo etc. Então eu acredito que-- Não me lembro de ter sido-- Como seria hoje, extremamente penoso. Mas eu tenho impressão-- Eu não me lembro de ter feito nada. Assim, né? Então acho que, na verdade, quem fez, que levantou o que era necessário e cuidou disso certamente foi o Salzano, que tinha todas, tem as licenças--Era o responsável pelas amostras assim. Então na época foi tranquilo. Pelo menos não me impediu 00:47:00de fazer o estudo e trazer de volta e tal, o material todo.DENT: E tinha que passar por algum processo na universidade para aprovar o projeto?
BONNATO: Não. Na época, não precisei. Mark não me pediu nada, nenhum tipo
de-- Não.DENT: Assim, chegou como um pesquisador visitante na Penn State e participou na
vida do departamento?BONNATO: [É, isso.]. Exatamente. Deixa eu ver se tinha alguma-- Pensei numa
coisa, deixa eu pensar o que que era. [pausa] Não, lá não tive que fazer nada. Obviamente, eu acho que-- Não me lembro, mas eu acho que devo ter apresentado para o Mark ou coisa assim. Tipo, cópia da licença que o Salzano 00:48:00tem, né? Que é o que ele sempre usa, de estudo dessas amostras antigas de biológicas aí daquelas populações. Então eu acho que eu devo ter apresentado para ele, mostrando que né? Mas nem tenho certeza, porque afinal o Salzano é tão conhecido, né? E tão respeitado. Mas possivelmente, sim, mas não precisei fazer nenhum, assim, não precisei-- Esse projeto não precisou passar por nenhumDENT: Comitê de Ética--
BONNATO: [Comitê...] é, não, lá na Penn State, não. Até porque na
verdade-- É, na verdade, é isso, só uma pequena parte assim, né? Do projeto em si. Eu sequenciei algumas amostras lá. E meu projeto mesmo foi uma grande quantidade de, na verdade, foi principalmente de analisar dados já publicados. Se eu pegar-- Não me lembro agora, mas acho que deve ser uns 20% de toda minha-- As análises do trabalho da minha tese e tal foi de coisas que eu 00:49:00sequenciei. Na grande maioria, enfim, foi coisas que já estavam publicadas, né? ue não tinha com-- essas amostras todas, todo esse material. De América Central, América do Norte, Ásia, tudo isso compilei para fazer a análise, essa análise completa. Então não tive, não, lá não precisei passar por nada.DENT: E na UFRGS, para ter aprovação da proposta, do projeto de tese, tinha
que passar por um comitê no departamento para ter uma aprovação do projeto?BONNATO: [Sim, o científico...] Era assim-- Como se fosse qualquer outro
organismo. Ou seja, fiz o projeto, passou pela análise da avaliação do projeto pela qualidade científica do projeto e aí a gente colocava lá 00:50:00que--Que as amostras e etc., o Salzano tem aquela licença de estudo para essas amostras e foi só. Não precisou passar por nenhum comitê de ética de--Porque na época, não tinha. Que eu me lembro, acho que só tinha para estudos, nem sei se tinha, mas imagino que para estudos--DENT: [inaudível] em 96, então não tinha um comitê de ética.
BONNATO: Isso. É, exatamente. Então, não tinha isso e acho que para parte de
Genética, de evolução, mesmo que tivesse, nem sei se naquela época, ainda seria-- Teria que passar por esse. Talvez 96 né? Mas então, não tinha. Então realmente foi só avaliação científica, técnica. Não de ética.DENT: Mas eles fizeram comentários? Eles retornaram algumas coisas para mudar?
Como era esse-- Assim, não falando da parte ética, mas toda parte de aprovar 00:51:00projeto. Como foi-- Lembra como funcionava?BONNATO: [Sim, sim] Acho que como-- Como é-- Bá, deixa eu me lembrar como é
que era. Tem tantos processos diferentes. [pausa]DENT: Já estava aprovado com o CNPq para uma bolsa local? Já que não aceitou
a bolsa internacional.BONNATO: É, aí funciona, aqui no Brasil funciona normalmente assim-- "
Programa de pós-graduação tem uma cota de bolsas. Aí tu passa pelo processo do Programa e no momento em que tu é aprovado, se tu tem uma classificação que te permite pegar uma das cotas de bolsa, então, então assim... No momento que tu entra no Programa-- No meu caso, eu precisava da bolsa. E no momento que eu entrei no Programa, já tinha bolsa. E o Salzano tinha os projetos, em termos de recurso e tal, os projetos dele. E aí eu me lembro que eu fiz um, usei esse 00:52:00projeto meu que eu fiz, do povoamento e tal, e o Salzano, assim como ele usou para conseguir verbas, assim como vários outros que ele fazia. Mas a gente na época, tinha, acho que ainda tem. Eu acho que eu propus o projeto para entrar. Um dos requisitos do processo de seleção para o doutorado é fazer um projeto e aí faz uma avaliação. Depois, tem obviamente uma qualificação. Agora eu não me lembro. [risos]Porque agora já tem tanto dos meus alunos, a gente mesmo já mudou tanto aqui e
lá que agora tentando lembrar como foi a minha qualificação...[pausa] Não me lembro, só me lembro da minha defesa de tese, que foi o atual reitor da USP. 00:53:00Marco Zago foi um dos-- Mas a qualificação eu não lembro. Eu só me lembro que o pessoal achou que era muito ambicioso. E que não, que não dava-- [risos] Isso aí não é-- não dava para fazer. Não tinha como fazer, ainda mais um cara que era entomólogo e que era especialista em entomologia. E-- mas não me lembro assim, não me lembro como é que foi. Mas certamente teve algum tipo de arguição na entrada. E depois em algum momento acho que teve a qualificação, mas eu não consigo lembrar como é que foi a qualificação.DENT: E durante o tempo que você ficou em Penn State, como era o ritmo diário
do trabalho? Como era aproveitar de só quatro meses lá para fazer--BONNATO: [Sim, sim. Olha,] foi muito intenso. Eu trabalhava de manhã até o
último ônibus sair do campus para ir para o lugar onde é que eu morava. E 00:54:00eu-- No começo, eu fiquei alguns dias na casa de uma brasileira que estava trabalhando com Masatoshi Nei lá. Que era do Rio de Janeiro. E depois eu acabei ficando na casa, no quarto de um grupo que trabalhava-- Um trabalhava com o Mark, outro trabalhava com outro pesquisador lá. E aí acabei alugando esse quarto. E aí eu-- Foi intenso. Eu ficava até, me lembro agora, meia noite e um pouquinho, que era o último-- A hora que saía o último ônibus lá do campus, da Penn State para onde eu morava. Até uma que outra vez eu perdi e fui a pé. Não era tão longe assim. Mas normalmente era assim, sábado e domingo, sem parar praticamente. E o pessoal ficava lá... Na verdade, sim, frequentemente eu ficava sozinho, mas frequentemente tinham vários--A pós-doc do Mark lá, que 00:55:00era uma sul africana, a [inaudível], ficava lá, tinham vários outros que ficavam, então era comum assim ficar muita gente de noite e etc. Mas frequentemente eu era o último a sair, ficava sozinho lá. Botava um Caetano Veloso, uma fita do Caetano Veloso bem alto e-- [risos] Ficava trabalhando lá, fazendo milhares de PCRs e coisas assim. E fazendo uns programas de análise, que eu estava fazendo na época e tal. Foi um ritmo bastante intenso, mas foi realmente muito, uma experiência muito boa. Poder conhecer e interagir com pessoas do mundo inteiro que trabalhavam no laboratório Mark e outros ali próximos. Com várias coisas, várias áreas diferentes, várias abordagens diferentes, não só de evolução humana, de outras coisas também. E conhecer gente que fazia análises diferentes e professores, então foi realmente muito, foi uma experiência excelente. Tanto experiência de vida assim, quanto 00:56:00experiência profissional. De poder realmente-- Tanto os alunos quanto os professores. Como só tinha quatro meses, eu tinha que aproveitar e realmente, foi-- trabalhei muito. [Risos]DENT: Qual época do ano? Foi no inverno, no verão, lembra?
BONNATO: Foi-- É, foi, sim. Foi o segundo semestre, ou seja, eu cheguei em
começo de setembro e voltei no finalzinho de dezembro. Acho que um ou dois dias antes do Natal, uma coisa assim. Então cheguei a pegar um pouquinho de neve. [risos] Ainda que primeira vez que tinha visto neve. [risos] Foi--Aqui teve, né? Na verdade, teve neve, vi neve aqui, mas quando eu era bem pequeno aqui no Rio Grande do Sul. Mas neve assim de cair foi nessa época. Então fiquei esses quatro meses: de setembro a dezembro. Foi interessante, muito bom.DENT: Como era o processo depois de terminar o doutorado de passar para ser
00:57:00professor? Como era essa experiência de passar de ser aluno para ser professor?BONNATO: É uma experiência difícil. Porque aqui no Brasil, principalmente, a
gente tem muita burocracia. Tem muitas coisas administrativas-- Aqui na PUC a gente tem que dar um pouco mais aulas do que a média. Pelo menos no departamento de genética, da UFRGS ali. Então, de 100% focado no trabalho, né? Naquela, na tese, naqueles artigos, 100% mesmo. Em termos de trabalho. De repente tu tem que gastar muitas e muitas horas da tua semana preparando aula, dando aula, fazendo coisas burocráticas da universidade. E aqui foi pior, porque quando eu entrei aqui na PUC, o que eu tinha de laboratório era uma sala 00:58:00desse tamanho aqui, e não existia Genética na PUC. Não existia.DENT: Dois metros por dois metros. [Risos]
BONNATO: É, era isso aqui. E lá no outro lugar lá no meio do laboratório de
histologia. E assim, não tinha Genética nem Biologia Molecular, nada de relacionado com... Então, eu não tinha laboratório, então no primeiro momento, além das aulas e coisas assim, eu tinha que fazer análise. E para fazer análise, contar com a ajuda do Salzano, da Loreta que estava lá, para fazer a parte de laboratório que eu quisesse fazer. Fazer emprestado lá na Genética. Mas aí eu consegui, a gente conseguiu aprovar um projeto bastante grande de genômica, não de humana, mas fazer parte do projeto de genoma brasileiro que esse de começar a genômica no Brasil. E aí nisso se espalharam 25 laboratórios assim, equipamentos no Brasil. A gente se candidatou e aí eu 00:59:00consegui como coordenador, consegui. E aí, com esse, fazendo parte desse projeto de genômica brasileira, eu consegui apoio da universidade para criar esse laboratório aqui. E aí mudou bastante, porque realmente em termos de condições de trabalho. A gente conseguiu esse laboratório grande, bem equipado com dinheiro do CNPq e um pouquinho da universidade. E aí a gente conseguiu começar a realmente produzir. A Genética na PUC começou assim, podendo fazer esse laboratório.Mas a rotina muda muito, né? Porque infelizmente diminuiu muito o tempo que a
gente tem para dedicar. E a gente mesmo fazer as coisas. Então, claro, começa a ter aluno, aí os alunos fazem e tu ajuda e-- Mas diminui bastante o tempo. Então, isso é um problema que a gente tem no Brasil. A gente tem muito, os 01:00:00professores e pesquisadores gastam muito tempo com atividades extra pesquisa em si. Mesmo extra ensino. É um país, tu já deve ter percebido, muito burocratizado. Com muitas-- As pessoas acham que criar burocracia é controlar, é cuidar, é fazer. Há um exagero nisso, né? Então, então finalmente a gente diminui, acaba diminuindo o ritmo de produção científica própria assim. Por causa disso.E outra-- Pensando na parte de estudos de evolução humana, um problema a mais
que eu tive, até tenho um pouco aqui ainda, é porque--O programa de pós-graduação principal, que até agora eu sou coordenador é de Zoologia. E é uma Zoologia mais clássica assim, de modo geral. Então é muito difícil eu 01:01:00fazer ou conseguir alunos que queiram trabalhar com genética humana, evolução humana, neste curso de Zoologia. A maior parte dos alunos tá interessado em trabalhar com outros animais que não os humanos. Então é difícil para mim conseguir alunos, uma quantidade razoável de alunos para trabalhar com evolução humana aqui na PUC. Pela natureza do programa em si.No começo, inclusive, o pessoal achava que eu não deveria trabalhar com
evolução humana na Zoologia, porque o humano não deveria fazer parte da Zoologia. Eu disse: "Mas como assim?! Nós, humanos, não somos--" Mas então assim, durante um tempo, o pessoal disse: "Não, melhor não fazer, continua com-- Faz uns trabalhos aí de animais e tal. De humanos, tu orienta lá na UFRGS se for necessário e tal, porque não cabe." Até por ser o pessoal da 01:02:00Zoologia. Os pesquisadores da Zoologia no Brasil são meio conservadores. Alguns dos coordenadores iniciais aqui do Programa achavam que: "Não, tudo bem, mas fazer e colocar-- Fazer teses e artigos de evolução humana, genética, pode ser prejudicial na avaliação do Programa na hora que a entidade, a CAPES, essa que avalia os programas, olhasse-- 'Não, mas como assim?! Tem nada a ver. Genética Humana?! Num Programa de Zoologia, não poderia ter Genética Humana!' E poderia até ser prejudicial para o Programa e achar que estão colocando áreas de pesquisa que não são da Zoologia." Então isso, isso me diminuiu um pouquinho a quantidade. E a intensidade do meu trabalho com evolução humana depois que eu entrei aqui. E tanto os que eu orientei ou coorientei depois, o 01:03:00Nelson, coisas assim, foi sempre com o Salzano. O Salzano orientando lá, eu coorientando, e era um-- Na maior parte das vezes era o meu projeto que o pessoal fazia aqui... A orientação e o Programa em que as pessoas estavam vinculadas ficava a Genética e não aqui, porque aqui tinha uma dificuldade. De conseguir encaixar corretamente esse tipo de projeto na ideia do Programa de Pós-Graduação que se tem aqui. Então isso diminuiu um pouquinho, por isso que eu não faço mais tanta coisa de evolução humana por causa disso. Porque é muito difícil até conseguir os alunos. Quando o pessoal da Genética pergunta assim: "Ah, gostaria de trabalhar contigo, evolução humana, onde que tu orienta?" "Ah, na Zoologia" "Ah, não, na Zoologia, não tenho interesse, queria trabalhar num programa de Genética, para fazer todas as disciplinas de Genética". Então isso me atrapalha, atrapalha essa parte de evolução humana, 01:04:00sem dúvida. Porque poucos alunos que gostam de evolução humana de Genética. De Genética evolutiva humana concordam em fazer uma pós-graduação de nome Zoologia. Porque a maior parte das disciplinas no fim são das áreas zoológicas e tal. E os-- Gostariam de fazer mais Genética. Então isso--DENT: Tem algum vínculo aqui com a Antropologia ou com a Arqueologia nessas
questões de--?BONNATO: Não, não tenho. Temos um programa de História, que tem um pessoal
que trabalha com Arqueologia. Um bom grupo. Mas não temos nenhuma vinculação, assim, de pesquisa. Nada, praticamente, em comum. Primeiro é porque-- Realmente o nosso, foi muito envolvido com a parte mais zoológica. E o pessoal é mais da área-- Não é da Antropologia Física. Você deve ter visto que aqui no 01:05:00Brasil, nós basicamente... A Antropologia não é física. Então, no fim, diferentemente da Argentina e do resto da América. América Espanhola, em que Antropologia tem Antropologia Física. Nós no Brasil não. Basicamente quem trabalha com a parte física é biólogo. Não antropólogo. Então tem pouquíssimos antropólogos físicos. Que fizeram graduação em Antropologia, que trabalham com Antropologia. Praticamente todo mundo que trabalha com parte física. Na Antropologia, na verdade, vem de outras áreas, principalmente da Biologia. Então, não tem muito-- É um viés, digamos, é uma característica, não sei se-- Pelo que eu me lembro. Conversando com o pessoal, na América Espanhola não é assim, nos Estados Unidos não é assim. Mas aqui no Brasil, 01:06:00não sei, não sei exatamente por quê, a Antropologia é basicamente social. Então eu imagino que os pesquisadores de Antropologia ou de Arqueologia aqui nem imaginam que, na verdade, que possa ter gente que estuda evolução humana, história humana pela parte mais evolutiva. Em outras áreas que não sejam a parte social assim. De História mesmo.DENT: E se você tivesse que escolher, assim, um campo de conhecimento no qual
você se coloca, qual seria?BONNATO: [risos] Acho que é evolução. É. Evolução, porque tem muitos, né?
Tem realmente hoje em dia uma boa parte dos meus estudos e minhas publicações são de evolução de organismos de modo geral. Seja-- São não humanos. Muitos 01:07:00mamíferos, baleias e [inaudível] marinhos, primatas, mas também tem outros, outros organismos. E mesmo, assim, como eu disse, obviamente evolução humana tem questões a mais, questões científicas a mais pelo grau de conhecimento e pelo refinamento da pergunta. Quando foi exatamente a entrada? Foi 18 mil, 21 mil ou 14 mil? Isso para um animal é absurdo. Se tu disser assim: "Foi entre, sei lá, 20 mil e 100 mil anos", está todo mundo muito contente que se fez um progresso enorme. [risos] Evolução humana, 3 ou 4 anos já é uma briga enorme decidir se a hipótese do Clóvis ou pré Clóvis é não sei o quê. Então é questão de poucos, né, um detalhezinho de poucos, 2, 3 mil anos. O que todos outros organismos já é algo assim, né? Pegando-- 100 mil anos de erro já está, já é excelente. Então-- Mas fora essas questões a mais, assim, de 01:08:00resto as abordagens são muito semelhantes. Ou seja, as abordagens que eu-- O tipo de pergunta básica, o tipo de metodologia de análise para trabalhar com uma baleia, para trabalhar com, sei lá, com macaco, não difere do que a gente faz com humanos. Então realmente o que eu faço é isso. É entender a história evolutiva de espécies. E cada vez mais a história mais populacional, não tanto a filogenia, que a gente faz também alguma coisa, mas-- Mas principalmente pegar espécies ou populações e entender como elas evoluíram em termos populacionais, a própria dinâmica demográfica e assim, populações passaram por bottlenecks genéticos ou não, se expandiram. A questão das baleias, por exemplo, é uma das coisas que mais me interessam, tenho trabalhado bastante. Entender como que foi toda a história evolutiva das baleias e 01:09:00consequências da caça e tal.Mas a abordagem é muito semelhante, não difere quase nada. Quer dizer, isso é
uma das coisas que para mim foi importante de certo modo. Parte do sucesso no estudo de animal foi por eu trabalhar também com a parte de evolução humana e desenvolvimento de metodologias de histórias evolutivas, história populacional, demográfica... Assim, quase a totalidade de métodos novos são desenvolvidos para estudos de evolução humana. E geralmente publicados em revistas de evolução humana ou de genética evolutiva, coisas assim. A grande maioria dos pesquisadores que trabalham com evolução de animais não consulta livros, periódicos tipo American Journal of Human Genetics. O cara nunca vai 01:10:00fazer uma coisa dessas, né? Mas ali, por exemplo, é um exemplo de uma área em que está sempre surgindo novos métodos. E que pode, e tanto faz, então-- Então aplicar isso para qualquer organismo, desde que tu tenha os dados. Então uma das coisas que eu acho que para mim foi importante é que, conhecendo e estudando essa área eu consigo aplicar rapidamente as questões de evolutivo de outros organismos. Métodos que estão recém saindo e que a maior parte os pesquisadores em evolução animal só vai saber depois, porque não consultam esse tipo de periódico.DENT: Então se identifica, se identificaria como geneticista ou como zoólogo, ou--
BONNATO: Evolucionista. [risos]
DENT: [risos] Evolucionista.
BONNATO: Tá, não, até posso dizer que-- Entre os dois, se eu tivesse que
01:11:00escolher, eu seria mais geneticista nesse sentido, sem dúvida, porque a base assim das perguntas e dos métodos, sem dúvida, são métodos mais que a gente poderia dizer mais genéticos. Genética evolutiva, genética populacional. Usar a propriedade genética, genômica para entender a história e tal. E menos zoológica, sem-- Nesse sentido, sim. Mas é, na prática, são as duas coisas juntas. Sem dúvida. Ou seja, quer dizer, a gente poder-- Eu já descrevi espécie nova, gênero novo, usando dados genéticos, a gente faz lá filogenias populacional de espécies de aves e descobre que tem um gênero novo lá e tal. Então, assim, é Zoologia no sentido mais estrito. Mas usando metodologias totalmente genéticas. Assim como questões aí de conservação, de organismos. 01:12:00? Então assim, é sem dúvida uma mistura das duas coisas. Não é só genética, no sentido clássico. Porque tem todo esse componente extra de classificação, taxionomia, até descrição de espécies, conservação, que não é muito da área da genética. Mas toda metodologia que eu uso... A informação é derivada da genética, da genética molecular. O estudo de variabilidade genética molecular.DENT: No processo de fase estudos sobre o povoamento das Américas, por exemplo,
você comentou, entra informação de muitos campos de conhecimento diferentes. Poderia comentar um pouco sobre os métodos, as coisas difíceis que se encontra fazendo um estudo que traz dados de muitos campos diferentes? Como lidava com 01:13:00esse problema?BONNATO: É, não, é assim. Por exemplo, na época que eu estava no doutorado
fazendo esses artigos e as hipóteses aí, teoria sobre o povoamento inicial... A própria hipótese, o modelo aceito na época era aquele modelo das três ondas migratórias e que era um modelo multidisciplinar. Um modelo com dados genéticos, dados linguísticos e dados de morfologia. Anatomia dental etc. E realmente isso é uma dificuldade muito grande, porque na hora que a gente vai-- [fala ao fundo inaudível] [risos] Na hora que a gente, por exemplo, tentava entender quais eram as evidências linguísticas para aqueles três grupos... E toda a discussão novamente que existia na época e continua existindo afinal de 01:14:00contas... As evidências de linguística, que que diz sobre a questão do povoamento é muito difícil, porque as metodologias usadas na época e a mesma informação de língua é muito diferente do que a gente estava acostumado a usar como evidência em genética, por exemplo. Morfologia nem tanto, porque morfologia é um pouquinho mais próximo assim. Até pela minha experiência de taxionomista. E a gente usava, no primeiro momento, todo desenvolvimento foi feito com morfologia, então isso até que não era tão, mas a parte linguística, por exemplo, era muito, muito diferente. Então isso dificulta muito, porque a análise crítica fica meio... Na verdade, no caso da linguística, eu não tinha condições de avaliar... A qualidade, digamos, da 01:15:00informação e do resultado. Eu usava o que os outros linguistas... As críticas favoráveis e contrárias dos linguistas, eu não tinha condições, né?Mesma coisa agora, por exemplo. Com os estudos que a gente faz em colaboração
com o Rolando. Mesma coisa, quer dizer, essa parte mais moderna que ele faz de morfometria já tem muitos detalhes ali que eu não consigo acompanhar realmente o que ele, né? Do que ele propõe e dos métodos novos e-- No fim, tem que-- Que acho que na verdade é o padrão hoje em dia. Quanto mais sofisticado as áreas vão ficando e mais ao mesmo tempo multidisciplinares... A gente tem que confiar nos colegas, cada um tem uma área de expertise, obviamente a análise do padrão final é simultâneo, mas a geração do dado e o quanto se confia 01:16:00naquele resultado a gente tem que confiar no colaborador, porque a gente não tem condições de ser expert em todas essas áreas. E nessa época, eu via a parte da... para mim, a parte do estudo das línguas era o mais óbvio. Que eu não tinha condições realmente de avaliar o quanto que aquelas afirmações de que eram três grandes grupos e os outros dizendo que não, na verdade, era totalmente sem sentido aquela informação que eram três, e era mais ou menos. Realmente eu não, não, até porque na época... Agora, a maior parte das áreas, é o caso da linguística, é um exemplo típico, está ficando mais quantitativa, já tem métodos mais semelhantes aos métodos que a gente usa, de fazer filogenia com línguas, com dados de variabilidade linguística, muitos 01:17:00mesmo método que a gente usa para fazer dados de DNA e tal. Mas na época, era muito aquela coisa do especialista, né? "Não, eu estudei já 30 anos milhares de línguas e aí eu sei que é assim e..." Ficava uma coisa muito, era muito da autoridade, né? Mas-- Então assim realmente eu não tinha condições nenhuma. E as informações também eram mais difíceis. É basicamente livros, a gente não tinha acesso a muita informação, então mesmo que se quisesse, seria muito difícil conseguir todas as informações e tal, dessas áreas mais diferentes.DENT: Agora como colaborador do professor Salzano que vai ser, assim... Grande
parte da minha pesquisa é sobre o trabalho dele e etc. Queria ver se você poderia assim explicar um pouco o lugar dele no campo da Genética Humana e dar 01:18:00assim uma perspectiva sobre as contribuições mais importantes que ele, ele fez até agora, né? Que continua fazendo.BONNATO: Sim, sim. Bom, é-- Só posso dizer sobre basicamente essa parte de
genética de populações indígenas. Porque as outras grandes contribuições dele, eu... Como eu não sou geneticista humano nesse sentido, né? Quer dizer, cheguei depois e cheguei interessado especificamente na questão de evolução humana e povoamento das Américas e não de Genética Humana como um todo. Como vários outros pesquisadores têm, ou seja, que entendem e trabalham, estudaram questões, outras questões de Genética Humana, essas outras eu não tenho condições de avaliar... Só pelo que a gente ouve falar, realmente teve para o Brasil e para a América Latina, teve uma contribuição importante sobre todos os estudos de genética humana como um todo. Mas assim, eu mesmo nunca li, não 01:19:00trabalho, nunca, não tenho interesse com genética, por exemplo, médica, ou genética desse tipo de coisa. Então é uma área que só o que os outros me falam. Mas me parece óbvio por tudo que eu já conheço do Salzano que realmente teve essa mesma contribuição que teve para genética de populações humanas, nativas e tal. Então, nessa área, é óbvio. Quer dizer, o que a gente lê é-- Realmente ele tem uma capacidade de trabalho, de congregar pessoas e juntar. E apoiar grupos que se interessam por trabalhar, desde o começo, é muito grande. Então assim, a minha experiência pessoal dele é que, assim, é isso que eu falei, ou seja, é pegar um entomólogo que trabalha com insetos [risos] [inaudível]. O cara diz que quer trabalhar com Genética, 01:20:00fazer sequenciamento de DNA mitocondrial para entender evolu-- Povoamento das Américas. E ele, apesar de relutantemente, depois concordar e me apoiar 100%. Me dar toda autonomia e apoiar 100% revela que é uma pessoa realmente muito, muito capaz. Acho que sim, de identificar pessoas que têm condições de fazer o que prometem. E muito generoso nesse sentido de que, né? Se a pessoa tá interessada e quer fazer uma coisa interessante, diferente, que é uma coisa que no primeiro momento ele não domina... Essa parte de molecular, de DNA, ele não dominava na época. E concordar em apoiar tudo que foi possível, até ajuda a fazer, criar um laboratório meio novo. Dar todas as condições, é uma pessoa que, assim, que é realmente generosa. Sabe da sua contribuição, da sua 01:21:00importância e apoia todo mundo que quer. Que quer fazer alguma coisa, né? E é, contribui nisso.E a capacidade dele, ou seja, sendo uma área totalmente nova, que ele não
tinha envolvimento. O que ele conhecia bastante mesmo na época era a parte de proteínas. Que foi todo o começo, durante boa parte da história dele do começo da evolução da genética de populações indígenas foi com proteína. Quando começou o DNA era uma coisa muito nova, muitas coisas diferentes que não existiam de proteínas, que é a parte mais, que é a genética de populações clássica. [inaudível] da filogenia, do DNA. São áreas muito, assim, muitas coisas diferentes e novas. E a capacidade dele de ler, acompanhar e poder analisar criticamente os artigos que a gente ia produzindo pra... É impressionante. 01:22:00Outra coisa que impressiona a gente quando a gente vai em congressos, de
qualquer lugar da América... Principalmente América do Sul, mesmo lá nos Estados Unidos, lá na Penn State e tal. O respeito, né? Que todos os pesquisadores têm com tudo que ele fez, com a história dele e com ele pessoalmente. Como ele é como pessoa. As pessoas gostam dele. É bastante interessante. Então acho que teve realmente uma, eu vi aqui na América, na América Latina, teve um papel, assim, essencial, acho que na criação da genética de populações humanas e no desenvolvimento, porque ajudou e contribuiu para desenvolver na Argentina, no Uruguai, no Chile. Muito, muito, muito. E fora na Venezuela. Então assim, teve um papel muito importante.Essa parte mais das teorias iniciais, daquelas com o Neel e tal, eu não tenho,
01:23:00assim, tanto conhecimento porque eram mais questões de populações mais local mesmo. Como eu disse, quando eu cheguei, o meu interesse era mais nessa parte de evolução mais antiga e tinha tanta coisa, tanta coisa nova que eu não pude estudar muito, assim, profundamente, as contribuições originais dele, dessas questões. Mas assim... O pouco que a gente lê assim, e leu, li na época, leu e conversa, realmente, a contribuição dele para o fundamento mesmo, da genética de populações humanas. Não só da América, mas [inaudível] funcionamento, de dinâmica microevolutiva e populações isoladas e pequenas é excepcional. 01:24:00Fora o resto, né? Todas as coisas que ele ajudava no departamento. Ou seja, as
outras áreas que o pessoal vinha lá: "Ai, quero fazer genética vegetal" e tal. "Não, não, eu ajudo, eu faço, eu ajudo a orientar, eu oriento, não é minha área, mas, né? É uma área importante, preciso ajudar a desenvolver." Então, como tu disse, a quantidade de áreas que ele orientou não sendo especialista... Mas conseguindo orientar e fazer excelentes trabalhos e grupos que surgiram, importantes. Não só lá no próprio departamento de Genética, mas no resto do Brasil. Em que ele concordou em orientar e... E os trabalhos saem direitinho, apesar de ser uma área muito diferente do que ele estava acostumado.DENT: Algum comentário final, alguma coisa que eu saltei, que você gostaria de
01:25:00destacar um pouco mais ou algum episódio importante que não toquei [risos] nas perguntas.BONNATO: [risos] Deixa eu pensar. [pausa] Olha, não me recordo nada. Sempre
tem, né? Mas é... A hora que a gente vai pensar, a gente não pensa em nada. Geralmente quando faz alguma conversa, alguma coisa que aparece...DENT: Não, claro que nunca vai, uma entrevista não vai capturar toda uma
trajetória profissional. Quais são assim as perspectivas para seguir trabalhando na área de populações humanas? Você tem interesse em seguir nessa linha ou está já mais focado para o lado--?BONNATO: Pois é, eu tenho interesse. Mas é, eu acho que as perspectivas não
01:26:00são muito fáceis, na verdade. Eu acho, assim, pensando uma perspectiva da história um pouquinho, né? Da ciência, da genética de populações humanas. E as diferenças entre os países, das condições, a gente tem momentos cíclicos. Então, assim, em termos de tecnologia e condições de trabalho. Então assim, quando a gente, imagino, né? Quando o Salzano começou, por exemplo, com genética de proteínas, num primeiro momento, obviamente, não tinha equipamento, não tinha expertise no Brasil. Mas no momento que se adquiriu e tinha os equipamentos mais simples, durante alguns anos, não sei exatamente quantos, certamente as condições, digamos, de trabalho não eram muito diferentes, de gerar dados mesmo, de analisar os dados, digamos, aqui no Brasil, aqui no departamento de genética lá, e nos Estados Unidos. Aí depois veio o ciclo do DNA. Então nos primeiros vários anos, que [inaudível] sequenciamento e condições, a gente não tinha nada. Então estava totalmente, 01:27:00como eu disse... Dava para fazer em quatro, dava para fazer em dois, três meses nos Estados Unidos o que aqui demorava vários anos. Mas, né? Pela velocidade, em algum momento a gente conseguiu, né? Tipo, eu aqui, criar esse laboratório. Tínhamos um equipamento de sequenciamento muito semelhante ao que tinha na maior parte das universidades, dos laboratórios de pesquisa semelhantes ao nosso em termos de populações humanas. Não obviamente os enormes. Mas de populações humanas mais, assim, semelhantes, em universidades boas. Então durante alguns anos, a gente conseguiu permanecer assim semelhante, conseguia produzir. Por exemplo, eu sequenciei lá os genomas mitocondriais aqui, no mesmo nível que vários sequenciaram lá, a gente conseguiu publicar paper lá na American Journal. Um dos primeiros estudos mais amplos de fenômenos mitocondriais de ameríndios e tal. Num laboratório aqui relativamente pequeno e tal.Mas aí o que que aconteceu? Aí veio a área genômica. A genômica com a
01:28:00geração de dados muito grande e com muita, muita análise de bioinformática. Então que que a gente está no momento? No momento, a gente, eu acho que a gente passou mais uma fase que a gente tá bem defasado. A gente, assim, é só olhar. Quer dizer, os estudos recentes... Poucos, nos últimos dois, três anos, dessa parte mesmo de povoamento das Américas, mesmo Genômica populacional. Os caras pegam dezenas de indivíduos, ou no caso da parte mais populacional e fazem genoma de dezenas de indivíduos e fazem, tem lá, 30 ou 40 pessoas de bioinformática e fazem análises sofisticadíssimas. Então, assim, a geração de dados, a gente, nesse momento está totalmente atrasado. Até porque no Brasil a gente não tem, é muito difícil fazer a parte de serviço. Então, a 01:29:00gente poderia combater isso ou poderia se equiparar se a gente tivesse condições fáceis de fazer, gerar dados como um serviço. Não no próprio laboratório, mas-- Mas aí a gente, no Brasil, não tem. E para mandar para o exterior, tem problemas seríssimos. Então, a gente não... Mesmo que eu tenha o dinheiro para fazer essa, sei lá, 100 mil reais para fazer um estudo amplo de genômica populacional, de seja o que for. Eu não vou conseguir fazer. Porque aqui no Brasil a gente não tem os equipamentos. E para mandar para fora, mandar para algum outro lugar para fazer como serviço, demorar meses, sei lá quanto tempo para conseguir, se é que vai conseguir.Então a gente não consegue gerar os dados e a gente está também muito
atrasado na parte da análise. A gente não tem bioinformatas suficientes, em número grande para gente conseguir isso. Mesmo que eu gerasse dados de, sei lá, 100 genomas de índios para fazer uma análise totalmente, nunca ninguém tem essa quantidade de dados para fazer. Então, não vou conseguir no Brasil 01:30:00pessoas para me ajudar a fazer uma análise. Equivalente ao necessário que tem que ser hoje em dia. Seria assim, sei lá, sete ou oito bioinformatas fazendo e analisando e não existem essas pessoas no Brasil. Eu teria que necessariamente me associar e aí tem todas essas dificuldades com vários laboratórios do exterior e pesquisadores e tal. Mas que, assim-- Seria um pouquinho [inaudível] de mais dez que saberiam fazer... Então assim, eu acho que, para nós, acho que, no Brasil, imagino que nos outros países também, não de primeiro mundo, basicamente não Estados Unidos e Grã-Bretanha, e talvez China. A gente chegou num outro momento em que está muito difícil para gente acompanhar se quiser fazer um trabalho de ponta realmente assim, uma novidade grande em termos de 01:31:00resultados, de métodos, análise, de coisa assim. A gente chegou numa fase, de novo, que a gente está num descompasso, e que está, é muito difícil acompanhar. Talvez em algum momento futuro, volte de novo a equilibrar. Mas não sei porque a questão dos recursos humanos, de pessoal para fazer as análises das... São cada vez mais multi laboratorial com muitas pessoas de várias áreas diferentes, principalmente nessa área de análise. No Brasil, nós temos muita dificuldade de conseguir gente que goste da área mais biológica, que goste de análise. Biólogo aqui no Brasil gosta de bancada ou ir para campo e tal. Mas assim, ficar semanas de computador, aprender linguagem de computador e fazer isso aí é muito difícil. No Brasil a gente conseguir pessoas dessa área. E é isso que a gente precisa, na verdade, para fazer essas análises que estão tão sofisticadas pela quantidade de dados que, como eu fazia na época, sozinho, e pegava computador, e inventava, pegava. Conseguia colocar tudo e 01:32:00fazer basicamente sozinho, hoje em dia não tem mais condições. Não tem-- A quantidade de dados e a sofisticação da metodologia inviabiliza que alguém faça sozinho ou só com uma ou duas pessoas.Então, assim, apesar do meu interesse ser, continuo tendo interesse em fazer
estudos semelhantes, continuar esses estudos de evolução humana, populacional etc. Eu estou tendo muita dificuldade em perceber como que eu vou conseguir fazer isso nessas condições atuais que a gente tem. Ou seja, gerar dados relevantes pelo volume é muito difícil, comparando com esses centros genômicos aí que fazem isso muito rapidamente. E que tem grandes, grande quantidade de pessoas para ajudar a analisar. Então, eu acho que nós estamos numa fase meio difícil para mim, pelo menos. Nessa área. Eu acho mais ou menos 01:33:00eu percebo isso pela própria produção científica nessa área. Ou seja, na década de 90, então, ou 2000. A gente conseguia fazer, ou eu, ou a Cátira ou o Fabricio e etc. A gente conseguia fazer trabalhos no mesmo nível, né? Publicar em excelentes revistas. Semelhante ao que qualquer um fazia. Hoje em dia, a gente, nos últimos dois, três anos, é muito difícil. Tu não está mais conseguindo, porque é, não-- Como, como o campo avançou, a gente não depende só mais de um grupinho pequeninho e duas, três pessoas, o teu próprio grupo fazer. Não tem mais, a gente não consegue, então-- E fazer, a gente não tem massa crítica no Brasil mesmo. Muitas vezes de conseguir fazer estudos 01:34:00mais amplos com dezenas de pessoas. Todo mundo tem pouco pessoal. Então-- Eu acho, no momento, para mim, eu estou numa encruzilhada, nesse sentido, de eu não sei exatamente se vai conseguir acompanhar. Eu não estou conseguindo acompanhar essas mudanças assim.DENT: Dentro desses desafios, onde fica a questão de conseguir material
biológico para análises? Isso faz parte do desafio que tem no Brasil para fazer estudos sobre povos indígenas, sobre povoamento das Américas? Ou é secundário?BONNATO: Eu acho que-- Assim, parcialmente. Eu acho que obviamente, nós temos,
assim, se a gente considerar que as amostras que já existem podem ser usadas, 01:35:00seja tecnicamente, seja que seja permitido, né? Por comitês. Rapidamente a gente usar essas informações ou usar as amostras para gerar informações genômicas etc. No Brasil ou em qualquer lugar. Não seria tão necessário, para esses estudos mais amplos em que, né? Não interessa exatamente qual amostra. Se eu pegar uma tribo ou outra tribo, outra população, pegar um aqui, uma em algum lugar do Brasil, alguma... Em algumas outras regiões da América do Sul, alguma coisa da América do Norte representa mais ou menos.Mas-- Para estudos mais genética de população mais... Mais localizados, sem
dúvida. A dificuldade em conseguir amostras é um problema sério. Eu imagino que... Eu não trabalho tanto com isso, mas pelo que eu vejo e posso imaginar. 01:36:00Se eu quisesse fazer um projeto: "Vou estudar a dinâmica evolutiva de algum, de um grupo de populações da Amazônia indígena para saber se comparando, sei lá, se aquele tipo de estilo de vida... O que afeta ou não afeta a diversidade, a estruturação populacional--" Ou qualquer outra coisa. Se quisesse, eu acho que não conseguiria. Assim, eu vejo pelo Fabrício, que, né? O estudo genográfico, quantos anos demorou para conseguir obter as licenças? para fazer a coleta e prum estudo totalmente, muito neutro. Se quisesse fazer um estudo um pouquinho mais, algumas questões comportamentais ou morfológicas ou-- Parece que não te viabilizaria, porque hoje em dia fazer um estudo e demorar anos para conseguir obter a licença, no fim, as coisas-- Acaba sendo atropelada por outros grupos que conseguem mais rapidamente obter as 01:37:00informações. Então acho que sim, acho que sem dúvida a dificuldade em, a demora, acho que a questão toda sempre é a demora. Acho que ninguém, todo mundo concorda que todo tipo de estudo tem que ter... E ser feita da maneira mais moralmente aceitável. O que realmente atrapalha é demorar anos para dar uma resposta. Seja positiva ou negativa. Porque aí as coisas simplesmente não, tu não consegue planejar... Então, se as análises fossem mais rápidas e eficientes... As coisas poderiam ser planejadas com mais tranquilidade. E poderia realmente saber o que se-- O que pode e o que não pode fazer.Eu acho, sem dúvida, é um problema, acho que no mundo inteiro, não só aqui
no Brasil. É o mundo inteiro, trabalhar com populações, é um problema no mundo inteiro trabalhar com populações, principalmente nativas. E o desafio 01:38:00disso, né? E acho que quanto mais as perguntas são mais delicadas, mais refinadas, mais difícil é, porque mais existe a possibilidade de ter algum uso errado, ou as pessoas mais desconfiam que isso pode ter algum tipo de mau uso ou a informação pode não ser compatível com crenças, então esse tipo de coisa realmente é um problema, sem dúvida. Eu acho que é um problema. No meu caso, não é tanto. Porque acho que questões mais amplas não precisa de populações tão específicas.Agora se houver problemas no uso, por exemplo, dessas amostras mais antigas, já
coletadas em outras condições, em outros momentos, isso aí realmente inviabiliza. Inviabiliza qualquer tipo de estudo mais-- Isso é uma das coisas também que me faz reduzir um pouquinho o ritmo, porque uma certa insegurança 01:39:00de saber... Em que momento, qualquer momento, alguém pode, sei lá, em alguma situação, impedir que o teu trabalho continue. Pode começar um trabalho grande, envolvendo muitas pessoas e muitos recursos e muito planejamento e em algum momento, aparece uma nova regulamentação ou uma denúncia de alguma coisa que é suficiente para bloquear por meses, anos a fio, de repente, a continuação. Até que se resolva as questões mais de polêmicas. E aí isso realmente, mas né? Quando a gente depende de alunos, alunos que têm tese para acabar, têm prazos e recursos... Têm prazos. Isso, essa insegurança também, de certo modo, atrapalha um pouquinho. Ainda mais quando começa a ir para lado 01:40:00mais genômico. Que aí começa, o pessoal começa a desconfiar: "Ah, mas tem toda informação, não vai usar para outras..." Para, sei lá, qualquer coisa. Que as desconfianças começam a aparecer. Então, isso é um, é um componente.Mas eu, na minha, assim, pessoalmente a minha maior preocupação, minha maior
entrave, digamos assim, é esse descompasso tecnológico que a gente tem no momento. Realmente, a gente tem e observo isso claramente, é uma dificuldade. O que eu conseguia fazer no mesmo nível de qualquer lugar do mundo, basicamente, há cinco, seis anos atrás. Hoje em dia, eu sei que eu não consigo mesmo. Até a gente tenta, mas a gente não consegue... Gerar os dados, a gente não consegue analisar os dados, a gente não consegue pessoas para nos ajudar a analisar. Não consegue mesmo. E, assim, colaboração eu gosto, colaboração 01:41:00é importante, mas também, assim, a gente acaba virando um gerente de... 90% do tempo só gerenciando pessoas e os egos e não-- E aí, assim, a ciência mesmo tu acaba ficando mais um gerente de laboratório do que um cientista mesmo... Fazendo perguntas, tentando resolvê-las e resolvendo todas essas questões. Quando tu tem, sei lá, 20 colaboradores de vários lugares do mundo, o que cada um vai fazer, né? Então, assim, isso é uma, é uma coisa que eu não gosto muito. Eu não gosto muito de--Realmente, minha, meu tipo pessoal de lidar com a ciência é mais realmente
fazer mais, pessoalmente. Estar mais próximo da geração de dados, da pergunta e não tanto gerenciando grande quantidade de pessoas e mais como, né? Realmente um chefe de equipe e não um cientista mesmo. Sabe que hoje em dia 01:42:00nessa área também isso está ficando um pouquinho mais de grandes chefes de equipe que ficam gerenciando dinheiro e colaborações e menos na pergunta. Menos nas perguntas e na resolução de problemas mesmo. Eu não gosto muito disso. Eu prefiro realmente estar mais, fazer a análise, eu gosto de fazer a análise, pegar e tentar imaginar uma análise diferente para responder uma pergunta meio diferente também. Mas isso está cada vez mais difícil realmente. Na área de genética humana, nessa parte, porque realmente, o tipo de dado e o tipo de pergunta que têm importância hoje em dia... São coisas que exigem quantidade de dados e redes de colaborações muito grandes. Então por esse motivo em parte também é que eu realmente acabo ficando mais com os outros animais não humanos em que as perguntas ainda são mais fáceis de 01:43:00resolver em equipes menores. E não tem tantos grupos, assim, poderosos no mundo inteiro em termos científicos lidando com isso e que fica realmente muito difícil.DENT: Alguma coisa mais que gostaria de comentar? [risos]
BONNATO: Agora eu não recordo mais nada, deixa eu pensar. [risos] Apareceu
isso, né?DENT: Não, mas também sempre podemos conversar de novo. [risos] Se ocorrer
alguma coisa, "ah, a Rosanna, você precisa pensar nessa questão também". Aí só avisar. [risos]BONNATO: Sim, é. Tá. Até quando tu fica?
DENT: Ah, até final de setembro. Eu vou avisar com tempo que eu vou fazer uma
apresentação sobre uma pequena parte da pesquisa que eu venho fazendo. 01:44:00BONNATO: Claro. Ah, legal. Vai fazer lá na, lá na Genética?
DENT: Sim, acho que vai ser uma coisa mais específica sobre o trabalho de campo
e os trabalhos mais cedo do professor Salzano, mas aí vou avisar.BONNATO: [Legal. Sim. Sim.] Deve ter tido muita história, né? Ele deve ter
contado muita história interessante.DENT: [risos] É, ele tem. [risos]
BONNATO: Esses trabalhos aqui deviam ser, deviam ser heroicos assim, né? Uma
aventura, tipo, porque--DENT: São crônicas de aventura. [risos]
BONNATO: Imagina, 50, década de 60, todas as condições, ruins que se tinha e
as dificuldades, deve ser uma época bem interessante, bem emocionante. Eu gostaria de ter ido fazer algum trabalho de campo assim em populações, gostaria de ter tido, não teve oportunidade na época que eu-- Praticamente Salzano já não fazia mais e quando fez, precisava de um médico e não de um entomólogo assim. Mas eu gostaria, eu gostaria sem dúvida de ter contato. Diretamente com as populações indígenas, ter uma experiência. Ter uma 01:45:00experiência, mas as coisas mudaram, né? Não tinha mais quase condição. Mas devia ser uma coisa realmente muito, muito interessante, muito interessante, imagina.DENT: Sim. Não, ele conta histórias, então vou, vou tentar, assim, fazer uma
apresentação. [risos]BONNATO: Vai virar-- Pretende fazer algum livro, alguma coisa?
DENT: Ah, eventualmente, a tese vai, espero. [risos] Vai fazer um livro com a
tese, mas primeiro tenho que escrever. [risos] Tenho que escrever a tese primeiro.BONNATO: [Sim, claro. Claro. [risos] ] Sem dúvida.
DENT: Bom, agradeço muito seu tempo e disponibilidade.
BONNATO: [Não por isso. Então tá bom.] Se tu precisar mais alguma coisa, se
eu lembrar alguma coisa interessante--