Entrevista com o Senhor Girley Simões, 19 de dezembro de 2013

História Oral da Genética
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DENT: Então... Hoje é 19 de dezembro de 2013. Eu sou Rosanna Dent, estou aqui com o senhor Girley Simões. Estamos na sua casa, no bairro... Como é o bairro?

SIMÕES: Cavalhada. Aqui é Jardim das Palmeiras.

DENT: Jardim das Palmeiras. Então, agora vamos iniciar então com essas fotografias. E eu vou pedir que o senhor explique um pouco a imagem que está lá na fotografia e depois o contexto que lembra da experiência nesse momento quando tirou, alguém tirou essa fotografia.

SIMÕES: Perfeito. Esta foto que aparece aqui foi a primeira aldeia indígena que a gente visitou fora daqui da região sul. Índios ainda não bem civilizados, já em contato com a civilização, sob a supervisão da Funai, mas índios... Inclusive alguns, recentemente, com os primeiros contatos, né. Mas foi uma viagem tranquila e foi onde inclusive eu fui conhecer o primeiro tipo de casa indígena mesmo, porque até então os indígenas daqui da região sul, o tipo de habitação era um pouco mais...

DENT: Semelhante? Como as casas que usam na cidade?

SIMÕES: Sim, exatamente. É um tipo de casa comum, mas casa de material, sei 00:02:00lá. E essas aqui são então aquelas casas em formato de... O que é que a gente vai dizer, isso aí? De room [risos].

DENT: Bom, a fotografia tem uma fotografia de três casas, não?

SIMÕES: Sim.

DENT: E tem mais três casas lá no fundo da fotografia e tem uma área de barro, de terra lá nessa parte da fotografia aqui na frente, então...

SIMÕES: Aqui, aqui é a frente.

DENT: Sim. Lá longe, na parte de trás da fotografia, tem mais três casas.

SIMÕES: Sim. Porque aqui é um conjunto de casas, porque ficam em forma circular. Aqueles...[inaudível]. Então aqui seria a parte interna da aldeia. E aqui fica...

DENT: Um círculo de casas...

SIMÕES: Um círculo... Um círculo fechado em torno desta área. Mas o formato dessas casas são todos assim, formato de casa de telhado redonda e com a palha praticamente encostando no chão, então fecha lá direitinho.  E essa aqui foi a primeira aldeia que nós fomos, a aldeia xavante. A desse posto indígena na Pimentel Barbosa, lá em São Domingos. Fica mais para o norte do Mato Grosso.  E nessa primeira viagem é que nós fomos do Rio até a aldeia. Num avião, num Douglas, da Força Aérea Brasileira. O problema é que esse avião nos 00:04:00levou, porque tinha muita carga pesada. Então ele nos levou. Mas depois não teve condições de ir nos buscar porque já era época de chuva e ali não é uma pista de aviação, de aeroporto, aquilo ali é picada no mato que os próprios índios fazem, fizeram. Eles derrubam as árvores, tiram as raízes e tudo. Mas fica aquela macega toda ali.  E normalmente é usada por um aviãozinho pequeno, um Cessna, por exemplo. Um Cessna, ele desce e levanta relativamente bem. Agora, um avião desses já era um avião pesado.

DENT: Uhum. E agora estamos falando da segunda fotografia, que tem uma...

SIMÕES: Sim. É, a segunda foto...

DENT: Uma imagem...

SIMÕES: Sim, da nossa chegada nessa aldeia aqui, nesta primeira fotografia xavante aqui que eu estava falando. Tanto é verdade que as condições não são muito boas, que depois ele não nos garantiu que poderia retornar para vir nos buscar um mês depois. Como de fato não voltou mais [risos]

DENT: [Risos]

SIMÕES: E deu muita confusão depois, muita alteração depois desse...

DENT: E sabe quem está nessa fotografia? Quem são as pessoas? Pode reconhecer?

SIMÕES: Aqui estão o Dr. Salzano...  Agora como tem muito pessoal da FAB aqui, eu não sei dizer exatamente...

00:06:00

DENT: Então lá no centro está o professor Salzano.

SIMÕES: É, aqui.

DENT: Tem um monte de coisas que iam usar para o trabalho de campo lá...

SIMÕES: Sim, exatamente. Por isso que foi feita a fotografia. Estava aqui... Esse rapaz é o mecânico da FAB. Então...

DENT: Uhum. Aí sentado...

SIMÕES: Mas o pessoal já deveria estar... Inclusive não tem nem índio aparecendo aqui, os índios já estavam carregando as coisas também.

DENT: Então. As coisas aqui não eram todas as coisas que levaram? São parte das coisas que levaram?

SIMÕES: Não, não, não, não. Não. O que foi para lá era só coisa nossa...

DENT: Sim.

SIMÕES: Foi, né... O problema era que quando descarregaram, os índios já vão...

DENT: Claro.

SIMÕES: Os índios já vão levando. Essas aqui ficaram esperando que eles voltassem. Tinham coisas pesadas... 

DENT: Sim...

SIMÕES: ... para ir lá, para a aldeia. E aí nós ficamos então um mês, praticamente um mês lá nessa aldeia. Em torno disso, não digo que fosse [inaudível]

DENT: Uhum.

SIMÕES: Eu acho que fiquei. Porque eu tive que ficar por lá... Depois falo.  Quando o comandante desse avião ficou de conseguir um Cessna de Goiânia para ir nos buscar. Então no dia foi esse Cessna. Mas o Cessna é um avião pequeno, então o que que aconteceu? Teve que levar o pessoal, dos pesquisadores que estavam lá no campo, Dr. Salzano, Dr. Lino, Dr. Caio, entendeu?

DENT: O Maybury-Lewis. O britânico.

00:08:00

SIMÕES: Sim. Isso. E mais o Dr. Junqueira também. Então, resultado: sobrou pra mim. Não deu para ir. Como aí não podia levar toda a bagagem, todo o material que a gente precisa para o trabalho, então levou apenas a bagagem do pessoal que tinha que viajar, o pessoal de fora. Então...

DENT: E o material biológico?

SIMÕES: Sim, sim. Mas aquilo não pesa mais porque tem caixa de refrigeração, mas se pesa é por causa do carregamento de gelo que vai ali dentro.  Mas... Aí, então eu tive que ficar com o nosso material de campo.  E aí um piloto me garantiu que voltava naquele dia novamente. Aí eu fiquei lá nessa... Porque fica longe da aldeia. Não lembro exatamente a distância, mas, olha, é alguns quilômetros! Andando pelo mato no areal, bah... Cansa. Fiquei todo aquele dia. Chegou umas cinco horas da tarde, o avião não apareceu. Os índios me levaram lá para a aldeia. No outro dia voltei pra lá. Todo dia, no segundo dia, mesma coisa, não apareceu o avião, aí desisti, aí não voltei mais pra lá.  E o piloto tinha prometido, disse: "Olha, Girley, tu pode ficar aí porque até as duas horas venho aqui te buscar. Se por um acaso passar um pouquinho desse horário, quatro horas, por exemplo, aí não dá mais pra... Eu chego e não 00:10:00dá para voltar". Então eu fiquei... Eu vou ficar aqui contigo. Pois então... Tudo bem, ótimo. Por isso que eu fiquei lá. O dia inteiro esperando [risos]. Não apareceu avião nenhum.  E eu não tenho bem lembrança, mas acho que eu fiquei uma semana. Uma semana ou uns dez dias lá entre os índios.

DENT: Poderia falar um pouco mais do ambiente lá nas casas, na comunidade, na aldeia? Como era entrar numa dessas casas? O senhor ficou lá dentro da casa enquanto esperava?

SIMÕES: Olha... Não, porque o trabalho nosso por exemplo, lá no São Domingos era feito ali próximo da casa da Funai. Então os índios vêm de todas as famílias, então o que der para a gente atender naquele dia, atende. Aí tu volta,  no outro dia eles retornam para fazer exame. Aí assim vai indo, até completar toda a aldeia.  E o problema é que algumas vezes a gente fez visita lá porque a gente mal amanhecia, a gente levantava já tinha índio praticamente esperando. Ah, começava a trabalhar e ia até... Não tinha almoço, não tinha nada. Vai até terminar o último que estava ali naquela fila.  Então a gente não tinha, assim, oportunidade de andar fazendo visitas. Mas claro que algumas lá  sempre tinha um dia para a gente ver por dentro. Mas 00:12:00são assim um pouco escuras, não tem muita circulação de ar ali dentro. E eles então... São várias famílias que ocupam a mesma... Essa oca. A mesma casa deles ali. E eles põem tablados ou redes também, a rede que eles fazem de fibra, põem na volta, então... Ali é tudo uma coisa só, não tem divisórias. Que eu lembre...  Pena. Uma pena fazer tanto tempo assim, que no fim a gente esquece de alguns detalhes, coisas...

DENT: Claro.

SIMÕES: Então... Porque a coisa mais importante foi essa, que eu convivi lá com esses índios. E eu tive o problema que, como nós íamos sair, aí claro, toda aquela alimentação que a gente levou, eu deito preso.  E aí? O avião não voltou e eu tive que ficar entre eles. E foi muito... Foi uma coisa bem interessante, viu, porque esses dias que eu passei com eles, me alimentando com aquela alimentação deles, não aumentei nem diminuí nem um quilo, né? [risos] Fiquei na mesma.  E outra coisa interessante com eles é que, por exemplo, entre uma refeição principal e outra, sempre traziam uma fruta, algumas que eu nem conhecia. No mato... [inaudível] com uma fruta ela... Eu vi 00:14:00eles comerem, vou comer... Não tem problema... Não, mas sem graça, mas dava para comer.  E então eles faziam assim. Por exemplo: vamos buscar o alimento, dissesse, o almoço, agora... Então seria, por exemplo, de uma caça, um bicho lá qualquer que eles apanharam, uma anta, não sei. Então, aí aquela carne é uma carne assim, tipo grelhada. Mas não tem sal. Porque eles não usam, pelo menos nessa época não usavam. E o que dá gosto na carne seria aquele queimado da carne que fica para fora, aquele preto tisnado, aquilo que [risos] daria o gostinho.  Mas o interessante é que se, por exemplo, ao meio dia me traziam uma carne de caça, de noite já era, por exemplo, ave. No outro dia era peixe, e assim nunca era o mesmo tipo de carne. Vamos dizer, seguido uma da outra, eles variavam. Então deu para passar sem problemas ali.

DENT: Então essas fotos são da viagem de 62, da primeira viagem provavelmente.

SIMÕES: Eu tô fazendo confusão... Tu tá gravando?

DENT: Estou, mas pode...

SIMÕES: Eu posso dizer? Não, não, não...

DENT: Sim, pode falar a confusão, se é de outra viagem...

SIMÕES: Sabe por quê? Porque eu acho que talvez seja aquela de que o Dr. 00:16:00Junqueira foi... Vieram me buscar e não foi. Sabe por quê? Porque se lá nos São Domingos tinha a casa do seu Ismael, então lógico que eu não ia ficar só entre os índios ali. 

DENT: Ah, então essa viagem, quando o senhor ficou, deve ter sido na outra aldeia, que não tinha posto...

SIMÕES: Em outra aldeia, em outra aldeia Xavante que não tinha posto da Funai.

DENT: Sim. Mas acho que essas fotos são dessa primeira viagem...

SIMÕES: Essa aqui, essa aqui é... Essas são dá primeira.

DENT: Sim. Da primeira. Sim.

SIMÕES: Da primeira lá do São Domingos.

DENT: Ah, tá! Tá ótimo.

SIMÕES: Agora a minha confusão foi ess...  Esse avião aqui, esse comandante aqui acertou, nesse aí foi lá nos buscar... Foi várias vezes. Ai meu deus do céu... 

DENT: E nessa aldeia, como é a vegetação, como é a mata que fica lá ao lado da aldeia? E o senhor saiu aí a ver um pouco...

SIMÕES: Não, não, não... Não, a gente não circulava muito fora da aldeia, não. Mas, é mata fechada, mata fechada mesmo, só tinha picada deles no mato, o caminho deles. E então o máximo que a gente, por exemplo, terminava o trabalho, primeira coisa que a gente queria era ir correndo dar um mergulho no rio, ir lá se lavar todo [risos], tirar o suor, e o cheiro de índio, como diz o outro, porque tu estás trabalhando e eles estão ali do teu lado te abraçando, e te tocando [risos].  Então termina o trabalho, tem que ir 00:18:00ligeirinho lá tomar um banho no rio, trocar de roupa e depois ir descansar e comer alguma coisa, que durante todo o dia a gente não comeu nada. Esperando... Então já fazia uma refeição só, aquilo já era almoço e janta. E então esses daqui são desses índios Xavante. Tem mais outras, eu não sei se mais uma ou duas viagens pros Xavante, mas eu não estou...

DENT: Talvez... Nessas fotos...

SIMÕES: Dessas fotos aqui que está com o carro, aqui foi entre os Xavante também. Agora aqui é onde seria a parte principal dos irmãos Villas Boas. Quando nós chegamos, o Cláudio estava construindo um... Ele estava fazendo uma atração aos índios, ou já tinha feito essa atração, e ele estava fazendo um novo aldeamento.  Então... Eu não tenho nem certeza, mas parece que essa caminhonete ficou aqui e nós tivemos que ir à pé. Uma grande distância até onde estava o Cláudio.

DENT: Essa foto, poderia descrever um pouco a imagem dessa foto, o que é que tem?

SIMÕES: É. Esta foto aqui com essa caminhonete... Isto aqui eu acho que é a casa onde... Construída pelos Villas Boas, então, é uma casa de barro, de torrão. A parte de cima é cobertura de palha, de sapé. Mas é uma casa com 00:20:00porta, com janela. Simples, simples, simples, mas já é uma casa da estilo civilizada, pelo menos uma leve ideia.  Sabe que esse tipo de casa, inclusive, não se adapta à região ali. Por quê? Devido ao calor intenso. E ela é sempre fechada até em cima, tu não aguenta o calor dentro de uma casa dessa, entende?  Então o certo era o seguinte: a parede vinha só até a metade aqui, oh. Até aqui, e daqui pra cima fica aberto tudo, porque aí entra ar. Quer dizer, como se não tivesse daqui pra cima. Aí só fica as escoras da parte da cobertura e fica aquilo tudo aberto.  Agora... Tinha problema. É fresquinho [risos], fresquinho, entre aspas esse fresquinho. De dia, aquele borrachudo... Pium. E de noite, morcego.  Olha, tu desliga a luz, a lanterna ou lamparina, seja o que for, e aí entra. Mas não é nem um nem dois, é bandos, como a gente diz, de morcego. Eu não sabia disso. Primeira vez que fui, que passei por 00:22:00essa experiência aí, nesse tipo de casa aberta, porque poderia ser rede ali, mas não. Aí quando apagaram a luz, com aquele calor e tal... Passa pra fora! Aquele calor, aí eu puxei o lençol, botei assim o lençol até aqui. No que senti uma cócega no nariz, assim, coisa gozada no nariz. Aí virei, virei pro lado, tinha uma mesma coisa, tinha umas... Achando que fosse, assim, parecia... Não sei, parecia uma mosca ou como se fosse uma borboleta, uma coisa passando, né. Aí levei à mão, porque tinha debaixo da cama, e peguei a lanterna, liguei a lanterna, tinha uma nuvem de morcego. E agora? Consegui, aí... Peguei um cobertor, com todo aquele calor, peguei um cobertor ou algo mais grosso ali e tentei me tapar a cabeça e ficar só com o nariz de fora para respirar [risos], mal tinha jeito, né... [risos] Daí foram para baixo da cama. Ainda dormidor de cama, normal. Foram baixo. E batiam asas ali embaixo, mas não era possível... Ah, não aguentei. Peguei a minha rede, peguei um... Não tinha mosquiteiro, era primeira rede que usei. Não sabia, comprei uma rede normal. Gaúcho vai 00:24:00entender de rede, né? É rede de dormir. Aí fui lá pro mato mesmo. Prendi numa árvore aqui, outra ali, arrumei minha rede e deitei. Eu já estava tão cansado e com sono. E dormi! Apaguei mesmo. No outro dia, quando eu fui levantar da cama, quase não conseguia caminhar. Achei que tinha... As minhas costas aqui estavam abertas na cintura de tanta... Aí que me disseram: "Mas gaúcho, não se dorme assim na rede, tem que ser atravessado na rede"

DENT: [Risos]

SIMÕES: "E essa tua rede é só rede de sentar, não é rede de dormir" [risos]. Aí é que eu fui descobrir e tal a rede. Aí é que eu fui... Aí sim, aí comprei uma rede que era o dobro daquela, inclusive com mosquiteiro. Aí pra frente sempre foi uma [inaudível], porque quando eu estava na rede passava mosquiteiro, mosquiteiro passa por baixo da rede e fecha. Não entrava mosca, mosquito, nada ali dentro, então...  As experiências que a gente sempre vai aprendendo. E aí aprendi a dormir em rede. Então nunca mais larguei. É a melhor coisa que existe. Tu vai lá pro norte, se tu vai para o trabalho de campo, [inaudível] bota debaixo do braço e vai. Se tu não tem condições de voltar para casa, põe a rede no mato ali e monta, arma o mosquiteiro e... E nem quer saber. E outro dia, me recordo...  E outra coisa boa, quando a gente trabalhava, lá pra cima principalmente, ficava dentro de casa ali, oh... Então 00:26:00armava, vamos dizer, a cama. Botava ali um... Porque tinha esses colchão de ar. Então, umas tábuas ou qualquer coisa, pegava um caixote nas pedras, armava ali, botava aquele colchão em cima e tudo bem. No outro dia que eu ia trabalhar, ia aqueles índios... Todo o jeito deles e é claro que já iam sentando por cima e deitando e tal. E com a rede não acontece isso. Por quê? Levantava e amarrava lá em cima. Pronto! Acabou. Não passava para esse... Bom... E aí? Eu estava lá sentado com a [inaudível], nós estamos ali fazendo carinho, e vieram com a máxima de boa vontade. Mas eles não têm noção... Aí tu vai chegar e vai querer tirar eles dali? Podem até se ofender, né? E aí? [Risos] E aí não querer colaborar com o trabalho, ou sei lá, né? Até... Não sei o que é que poderia acontecer. Então é uma situação em que tu pensa. Tem que aprender a [risos] se adaptar àquele ambiente, àquelas condições de trabalho ali. Mas valeu, foi uma coisa boa. Diferente. Depois desses Xavante que nós fizemos, aí já passamos para os índios Kayapó. Aí já foi bem uma boa distância dos Xavante.

DENT: O senhor poderia comentar sobre essa fotos que temos aqui antes de passar para os Kayapó?

SIMÕES: Sim.

DENT: O que tem nessa foto e... E o que estava acontecendo.

SIMÕES: Bom, nessa foto é a parada para abastecimento [risos]. Não tinha 00:28:00noção de estrada, de distância e tal. O último posto na civilização que a gente encontra a gente enche tudo que dá, o tanque, e carrega o máximo de combustível. Então aqui é uma das paradas que eu estou abastecendo o carro, colocando a gasolina que tinha nos meus camburões. E parece que é de 50 litros, não me lembro. Não me lembro bem se é... Não, eu acho que não é de 50 litros, não. Parece que é de uns 25 a 30 litros cada um desses. Mas também não vai muito longe, porque essa caminhonete, ainda mais trabalhando nas quatro rodas, a gasolina vai muito rapidamente. Mas felizmente nunca nos faltou. Deu para fazer essa viagem. Nunca fiquei empenhado na estrada por falta de combustível. Acho que com muita sorte, né? [Risos]

DENT: [Risos] E sabe onde estavam?

SIMÕES: E aqui... Oi?

DENT: Sabe onde mais ou menos estavam quando tiraram essa foto? Baseado nesse...

SIMÕES: Não... Não, não, não, não lembro, não. Não lembro. Não lembro, mas...

DENT: Se parece com o pampa, né?

SIMÕES: Não, não, não, não...

DENT: Não? Não é? [Risos] 

SIMÕES: Nesse mesmo tipo de viagem aqui, né... 

DENT: Sim.

SIMÕES: É. Pode ver que esse tipo de vegetação já é bem diferente das daqui. Que o pampa aqui é... As primeiras [inaudível] Não é essa palha seca assim não. Isso é lá pra cima. Agora não lembro exatamente em que local.

00:30:00

DENT: [Risos] E isso foi o... Qual caminhonete foi essa?

SIMÕES: Essa é a [incompreensível]. 

DENT: A mesma. Ah, sim.

SIMÕES: A mesma. Essa mesma. Essa caminhonetezinha foi 19 anos na minha mão, acho que quase fechou os 20 anos na minha mão. E ninguém usava essa caminhonete, só eu. Saía em férias, a chave vinha para casa. E ela ficava lá no serviço, fechada lá e eu vinha embora. [risos] Com a chave para casa. Que era só eu mesmo que usava, então...  O Dr. Salzano, de vez em quando, quando a gente viajava juntos, aí no asfalto aí... [Inaudível]. Mas não me habituei, não era muito [inaudível]. Na terra, assim, não só ele como o outro pessoal, o pessoal enxergava o tempo a mudar, a chuva, assim... Já não, não, não, não. Para, para. Pega [risos] Porque a gente andava muito cansado, durante todo o dia correndo na volta. Então, Fernando, principalmente, o Israel também e até o Dr. Salzano. Mas eu não conseguia descansar. Não conseguia porque não adiantava, eu não... Não, não é que essa caminhonete parece que eu entendia ela e ela entendia a mim também, porque desde então... [Risos]

DENT: [Risos]

SIMÕES: O Israel era um que dizia: "Eu não consigo entender como é que tu dirige essa caminhonete e esse ponteiro fica parado nos 90 e não se mexe dali, nem diminui, nem aumenta. Paradinho" Não sei. Costume! Ele dirigia e o ponteiro ficava assim. Qualquer coisa tem que pisar no freio, ou deixar de acelerar ou 00:32:00acelerar demais. Estrada pra mim é estrada tocando sempre, assim. [Risos] Claro que quando tem que dar, mas eu estava sempre nos 90. Sempre, sempre, sempre foi assim.  Essa caminhonetezinha... Olha, aqui no estado, para tu teres uma ideia, aqui no estado, no mínimo em duas localidades era o primeiro carro que estava entrando. E com ela passei muito boas...Com essa caminhonetezinha de ter gente e dizer "Não, desce, desce, deixa que eu levo ela sozinha, vai a pé por ali, me espera lá, deixa comigo".

DENT: [Risos]

SIMÕES: Ai, meu deus! Pois é... Isso aí é com a caminhonete. Mas antes dela a gente teve uma outra. A outra era pior. Era uma Chevrolet, Chevrolet americana, tração simples. Para um carro mais, praticamente para a cidade mesmo, não era pra... Porque nessa época não existia estrada asfaltada, era só chão batido. Então na época de chuva a gente passava trabalho. E na época de seca a coitadinha sofria com os buracos e pedra e tudo pelo caminho. Mas tudo bem. Valeu. Mas essa fiquei com ela até receber esta aqui.  Depois que eu tive essa caminhonete, então nunca mais me preocupei com nada. Por isso que a gente foi lá pro Mato Grosso, lá para cima. O Dr Salzano: "Te anima?". Não, não tem problema. Eu digo só: "Como é que vai ser para a gente 00:34:00encontrar lá, como é que..." "Não, não, eu já tô acertando, vai ir um índio." Parece que dava quase... Eu não lembro bem a distância. Mas ele veio, deixaram ele em Barra do Garça. Então ele ficou nos esperando para nos guiar até a aldeia. Então a ida foi tranquila, porque ele explicava: "Não dá para passar ali, desvia por aqui." "Com aquelas árvores?" "Toca por cima!". [Risos] Não, tá bom, vamos lá. Dava uma reduzida e tocava, já andei tanto. Mas o problema é que depois o índio não pôde, ele ficou na aldeia. Mas aí o Dr Salzano: "Tu acha que tá certo o caminho?" Não sei, mas vamos embora. [Risos] Vamos que a gente... Bah, e aí eu comecei a errar caminho. Porque onde tinha aqueles bolsões de areia que tinha que desviar, quando via já estava em cima da areia, aí não adianta mais. Ou então, já aconteceu também de ter um animal silvestre, por exemplo, um veado ou aquele, tem um tipo de cachorro do mato grande que eu não lembro agora o nome, também andando ali e não sai da frente, eu não vou passar por cima do animal, mas quando vê, pá. Para tudo. Puxa vida. Aí ele vai embora da aguinha dele. [risos] Fica empenhado. Mas por quê? Porque a gente deveria ter desviado, mas às vezes a gente já vem meio apertado aqui, quando vê, passou. E agora? Vai embora. Mas no fim deu tudo certo.  E nessa ocasião foi que eu tive que vir sozinho, que aí o Dr Salzano 00:36:00lá de Barreiros ele conseguiu um táxi aéreo. Aí ele veio embora. Com muito pesar me deixou. Eu digo: "Não, não se preocupe, pode ir." "Ah, mas tu sozinho, tu vai..." "Vou, pode deixar que..." E o problema é que eu tive que ficar.  Eu cheguei numa sexta-feira em Goiânia e deu problema no motor da caminhonete. Ela conseguiu me levar até Goiânia. Mas eu cheguei numa sexta-feira e consegui uma autorizada lá pra mim consertar-lhe, mas só que eu tinha que entregar segunda-feira. Teve dúvida, aí fiquei ainda o fim de semana lá em Goiânia. Foi segunda-feira que eu fui pegar o carro pronto. Saí de lá de tarde, de Goiânia. Aí acho que terça-feira, eu não sei se eu já tinha dormido, descansado bastante, acho que eu já virei toda noite e todo aquele dia. Eu lá sei... [risos] Ou eu cheguei já no outro dia de noite aqui, ou no máximo quarta-feira eu cheguei. Mas o Dr Salzano já estava em Porto Alegre. 

DENT: Ele voltou de avião...

SIMÕES: Sim.

DENT: ... por que tinha as amostras biológicas?

SIMÕES: O material... Sim...

DENT: Que precisavam ser refrigeradas?

SIMÕES: Sim. É. E já sexta trabalhava, não podia ficar muito tempo, então...

DENT: E nessa viagem que os dois ficaram na aldeia sozinhos fazendo o trabalho de campo, como era? O que exatamente lembra do estudo que fizeram? Porque antes, 00:38:00na primeira viagem de campo, estavam mais umas quatro pessoas fazendo o trabalho...

SIMÕES: Sim... Sim, exato.

DENT: Como era diferente na segunda vez que era só os dois trabalhando juntos?

SIMÕES: Sim... Só nós dois trabalhamos juntos, é o seguinte. A minha parte era a coleta de sangue dos índios.  Então, o Dr Salzano tirava... Ficava ali sentado com todo aquele pessoal, com aquela família, que eles chamavam de família. Tem um intérprete, então ele ficava ali fazendo o levantamento daquela família. E aquilo era demorado, porque tinha que esperar todas as explicações deles e tal. E então depois que vinha para mim.  Então quando chegava na minha parte, aí já era rápido, era só coletar aquele material e já ir guardando ali naquelas caixas de refrigeração. E se tivesse que atender para dar remédio, para um, para outro, ah, coisa assim de gripe ou de problema intestinal. Que eles têm muita diarreia. Então tinha que dar um medicamento para eles... Mas fazer algum curativo também, limpar alguma ferida, alguma coisa. Isso aí era comigo.  E a minha parte também para ajudar o Dr Salzano também naquele problema da visão. Então eu ficava ali ajudando ele nessa 00:40:00parte e ele só tomava nota, até onde eles enxergaram. Aí eu já ia dizendo para ele. E tudo mais alguma coisinha que ele precisasse, ele já solicitava.  Mas normalmente ele ficava lá na parte dele e eu ficava aqui na minha. E não tinha nenhuma interferência. É que nem precisava, porque se for assim ficam civilizados, ah, tem que ter uma para segurar no braço, aparar eles para puxar. Não, não, não precisava. Eles veem aquilo... Mas é coisa que parece que mais natural. Quase que aquilo é uma mordida de mosquito para eles, não sei. É gozado. Mas é muito bom de trabalhar. E é adulto, é criança, é a mesma coisa. A criança fica te olhando e rindo e tu enfiando a agulha no braço... E rindo! [risos]

DENT: E nunca tinham alguns que não queriam ou que... 

SIMÕES: Não. Não. Não.

DENT: ... que choravam? Ou que...

SIMÕES: Não. Não.

DENT: ... ficavam com medo de vocês?

SIMÕES: Não. Não. Isso é coisa para civilizado. É. Homem civilizado. Ah, perdi a conta dos que desmaiaram na minha frente. [Risos] Ainda tem que baixar a cabeça, respirar fundo. [Risos]  Mas sempre [inaudível] de pegar esse pessoal dessas vilas aí. Se bem que até às vezes de cicatriz, de enfrentar uma faca, e falar em enfiar uma agulha e o camarada se apagar. Digo ah, mas não é possível uma coisa dessa [Risos]. Mas olha, acredite, não foi nem um nem dois, foi mais. E tem muitos valentões que chegam: "Não, pode tirar dos meus filhos, de mim não." Pô, tá vendo tirar das crianças e eu ter que vir ajudar ainda a segurar no braço, porque as crianças faziam uma confusão. E ah, ele não: "Eu não, tira da minha mulher, dos meus filhos e tal, mas eu não" [Risos]. Medo. Mas...Voltando.

00:42:00

DENT: Lembra nessa viagem quem era o tradutor para o professor Salzano?

SIMÕES: Não, não lembro. Não lembro. Foi esse mesmo índio que veio nos apanhar aqui. Esse cara falava bem...  Mas, nessas viagens, se tivesse o pessoal da Funai, o administrador do posto, ele que servia bem...

DENT: E nessa aldeia, na segunda que visitaram lá, lembra se tinha um posto lá ou se tinha missioneiros ou...

SIMÕES: Missionários...

DENT: ... missionários?

SIMÕES: Não... Eu não lembro assim, mas acho que foi na segunda que tinha uma família de missionários. Família inglesa. Eu lembro que nessa... [risos] Nessa aldeia tinha um rio muito forte e uma cachoeira, cachoeira bem acentuada. Não sei, talvez é  mais alta que essa... Mais alta que essa casa de [inaudível]. Talvez tivesse, não sei, agora não lembro se uns 10 metros ou 15 metros, sei lá. Aí fui para lá. Fui na hora de tomar banho, os índios vão tudo para lá, então... Aí eu olhei... Os índios pulavam lá de cima daquela cachoeira. Mas pulavam de pé. E eu olhando eles pularem e tudo e fazendo aquela 00:44:00algazarra e tal. Aí fui me informar de umas... Fui primeiro olhar ali se era fundo na [inaudível]. Assim, porque a cachoeira era alta, olhar se não tem pedra. Mas se eles se jogavam lá era porque era fundo mesmo, não tinha problema nenhum. Mas mesmo assim eu me informei e me disseram: "Não, não tem problema não, pode se jogar ali". Mas aí inventei de em vez de... [inaudível] acostumado desde [inaudível]. Podia imaginar que tinha também o bastante. [inaudível] enquanto a gente ia sempre se jogar direto mesmo. Eu fui lá para cima e me joguei de lá, de ponta, mas para quê... Mas aquilo ali foi assunto para eles toda a noite! [Risos] Por causa que nunca tinham visto. Mas eu podia ter jogado de pé também. Mas nunca foi meu hábito mesmo. Meu normal, eu acho bem melhor me jogar que eu não vou sentir a água porque eu sabia dar um, dar um mergulho direito. Eu diria que não foi por nada, foi por vontade minha de dar um mergulho mesmo ali. E era fundo mesmo, bacana, bacana.  Mas para eles, que nunca tinham visto assim. Vinham vindo brincando lá em cima na correnteza, se jogavam de qualquer jeito assim, então... Ah, ali foi assunto pra eles de...  Mas já foi entre os Xavante, mas não foi nesse do São Domingos, foi noutro. Que eu lembro que tinha esse missionário inglês. Eu soube que parece que depois de uns dois, três anos eles voltaram, voltaram para Inglaterra. Não 00:46:00lembro, acho que foi o Dr Salzano que me falou.  E depois dessas aldeias Xavante aí a gente passou para os Kayapó. Que aí que eu não lembro mais da ordem, qual foi a primeira. Porque teve a do Porori, teve do Gorotire, teve... Qual foi a outra? Porori, Gorotire... Teve uma nas margens do Xingu que eu não lembro o nome. Não lembro se de... [inaudível]

DENT: Isso são dos Yanomami, né?

SIMÕES: É. Ah, esse aí é Yanomami, é. Esse aqui... Talvez. Esse aqui do [inaudível] porque são outros.  Os Kayapó são esses aqui, oh. Os Kayapó... O índio Kayapó ele é diferente, um pouco diferente dos Xavante. Sendo que eu... O índio Xavante tem mais presença, sabe? O índio Kayapó, ele se deforma todo, então fica muito feio, assim. Então nesta foto aqui, a gente perfeitamente... Esse índio põe essa... Como é que eu vou chamar isso aí? Como é que chama? Uma peça de batoque, botoque, não me lembro.  É um disco, 00:48:00mas grande. Olha, é mais ou menos desse tamanho aqui, que vai, mas deforma todo o lábio. Porque inclusive tem uma foto aqui desse mesmo índio aí sem o... Que ele apareceu no outro dia na aldeia. E... Esta aqui, oh. Então, dá para se observar a deformação que fica no lábio. Fica totalmente... Que aquilo ali ele pega, parece uma borracha, fica aquele... Ele enfia o dedo naquele buraco e puxa para onde quer aquilo lá [risos]. É  muito gozado, né? Mas é... [Inaudível] a gente vê, entende. Achava muito feio, assim, esse índio.  E esses vão tomar água, coisa assim, eles jogam para aquela ficha e fazem assim. [Risos] Não tem como, né... Aqui, esse aqui, no Gorotire. Aqui já não é no Mato Grosso, esses Kayapó já são do sul do Pará. 

DENT: Aqui temos as 3 fotografias, não?

SIMÕES: Sim.

DENT: A primeira que a margem, que como uma foto que tomaram para as medidas de...

SIMÕES: Sim. De acuidade visual que chamam, a visão para as cores, pra...

DENT: Sim, então temos... A carta, uma atrás, que tem para fazer o teste de visão.

SIMÕES: Sim.

DENT: E tem o índio Kayapó lá com essa ficha no lábio e...

SIMÕES: Sim...

DENT: ... com uma ficha escrita lá... É, com um número?

SIMÕES: É para identificar. Identificar o  número. Exatamente. Identificava o número dele.  Agora aqui ele ficava sentado ali na frente... Não sei se era para bater fotos, agora não lembro. 

00:50:00

DENT: Fizeram fotos para a antropometria? Para a medida da...

SIMÕES: É... Eu acho, eu acho que foi. Acho que foi isso. Não tô lembrado. Porque, na verdade, ele para fazer esse teste aqui, oh, ele fica de costas, ele fica de pé. De costas, não lembro quanto seja, uns 10 metros. Então, aqui, esta fotografia aqui, isto aqui já é... Por exemplo, uma chegada nossa, aqui. Lá nessa aldeia. E então à tardinha, como elas ficam muito, vamos dizer, felizes por... Isso aí é uma pessoa, é um visitante. Então eles... Fazendo assim uma homenagem, uma demonstração de satisfação que eles tinham por a gente estar presente ali.... É uma dança que eles fazem em círculo batendo o pé e cantando. Mas é interessante. É homem, mulher e tinha uma... E é uma combinação de vozes que os homens dão um tom, as mulher dão o outro, comprimindo uma cadência.  Eu tinha umas fotos aí, mas como eu te disse, foi muitas fotos minhas, foram embora para Bajé. Dos índios Xavante fazendo a 00:52:00corrida do buriti, carregando aqueles monstrinho assim, enorme de grande, aí... Na corrida passa para o outro, o outro... É que nem essa, entre nós, como é que é, a maratona? Não, não é maratona. Uma que passa o bastão na corrida.

DENT: Ah, sim. Sim.

SIMÕES: De um para o outro. E o outro até o último completar. Então eles fazem esse tipo de corrida com buriti. Mas é um tronco de eu acho que, imagino, mas eu tenho impressão que quase uns 100 quilos. E eles botam aquele enorme tronco no ombro e têm que sair correndo. E na corrida o outro vem e correndo do lado e ele tem que passar aquilo, o máximo, para um...  Mas essas foto não tenho mais. Agora, vendo nele as fotos que eu lembrei da corrida do buriti, que eles chamavam. 

DENT: Lembra quantas viagens fizeram para os Kayapó.

SIMÕES: Os Kayapó... Olha, fizemos vários. Bem mais do que os Xavante. Não tenho assim uma lembrança, mas talvez umas quatro, eu acho. Deve ser em torno disso aí, não, talvez mais. Menos eu acho que não. Tem o Gorotire, tem os Tchucarramães... Que eu não lembro aqui, uns tem o sub-nome da tribo Kayapó. E outros eu tinha é o nome da aldeia, então não dá para dizer assim exatamente. Mas não foi menos do que quatro entre os Kayapó. É o Dr Saldanha 00:54:00que tem isso aí tudo direitinho. 

DENT: E o Fernando da Rocha...

SIMÕES: Sim.

DENT: ... era o estudante do professor Salzano que mais trabalhava com os Kayapó?

SIMÕES: Não, era... Foi só uma vez.

DENT: Ah, só foi uma...

SIMÕES: Só uma vez. Foi só essa vez lá. Lembra que eu contei da história do ovo menor? [Risos]

DENT: Lembro. [Risos]

SIMÕES: É, e depois ele fez uma revisão desses índios Kaingang aqui. É, eu acho que esta foto aqui de... Eu tenho a impressão que seja essas fotos aqui. Porque é aqui, e com essa foto aqui que eu acho que foi ele que me bateu essa foto. É nessa região aqui.

DENT: Então tem as duas fotos. Tem uma foto da das casas dos...

SIMÕES: Sim, dos Kaingang.

DENT: ...dos Kaingang.

SIMÕES: E aqui um tipo característico do Kaingang.

DENT: São... Os três são Kaingang que...

SIMÕES: São, os três são Kaingang.

DENT: ... que moravam lá...

SIMÕES: Sim. Sim.

DENT: ... nessa época?

SIMÕES: Sim.

DENT: E a terceira foto é uma foto do caminhonete...

SIMÕES: Da caminhonete. E...

DENT: ... com o senhor. [risos]

SIMÕES: E... É. E tanto é verdade isso aqui, que eu te disse que não podia ser nas primeiras viagens Kaingang porque as primeiras viagens que a gente fez foi com a chevrolet. E essa aqui já foi muito depois que a gente... Praticamente quase dez anos depois que foi feita essa com o Fernando. Que até então eu não conhecia o Fernando. Quando nós começamos a trabalhar com esses índios aqui, foi muitos anos depois que o Fernando entrou no departamento. E 00:56:00depois dos Kayapó, aí a gente já passamos para os Yanomami, lá na Roraima.

DENT: Antes de passar, não sei se talvez lembra de alguma coisa a mais do trabalho entre os Kayapó... Ou, dessa, pode descrever um pouco mais essa foto da dança que estão fazendo? Como era a aldeia? Como era a experiência de fazer o... [inaudível]

SIMÕES: Ah... O problema, por exemplo, a casa do Kayapó já é diferente do Xavante. O Xavante é uma oca mesmo, é um estilo arredondado. E a do Kayapó, já ele... Pelo menos nessa data que a gente andou por lá, já puxava um estilo um pouco civilizado. Não sei se é porque já tinha mais ou menos uma ideia, não sei se foi feito antes ou depois, mas...

DENT: Aqui nessa foto temos o posto da Funai...

SIMÕES: É... Esse é da Funai.

DENT: ... Que é uma casa de barro.

SIMÕES: Sim, sim.

DENT: E ao lado tem as casas dos Kayapó...

SIMÕES: As casas dos Kayapó. Isto.

DENT: ... que tem a mesma forma, mais ou menos com o teto... [inaudível]

SIMÕES: Perfeito. Mas o teto de palha.

DENT: De palha.

SIMÕES: Mas eles foram mais de barro. Aqui é caiada, não posso dizer se é exatamente, se era de tijolo essa casa. Não, não lembro assim. Mas, se não fosse, pelo menos ela foi posto um cal, alguma coisa aí para deixar ela branca. E a deles não, a deles é totalmente só na coisa natural mesmo. Mas é bem diferente, já é diferente do Xavante. Então não sei se talvez por 00:58:00influência da Funai, porque... Quando eles tiveram a primeira aproximação é que deveria ser uma coisa bem natural. Agora depois, à medida que ele veio se aproximando do civilizado, aí eles já querem copiar o civilizado. Então talvez essas casas aqui fossem de uma tendência ao modelo civilizado. Aí não posso dizer.

DENT: E essa ideia de deixar a parede aberta nas casas dos postos, isso não era uma ideia dos indígenas que eles adotaram?

SIMÕES: Ah sim. Sim. Sim. Sim. Porque ali, olha, eu acho que não é a ideia do índio, não. Porque essas coisas dos índios é tudo muito fechado assim de palha. E essas que eu fui já era também diferente desta aqui, oh, essa aqui já é fechada aqui, nesta aqui até lá em cima. Eu não lembro em que aldeia foi que a gente esteve que era assim. Era só até aqui e daqui... Até a metade da parede, da metade para cima não tinha nada, era totalmente aberta. Mas era uma região muito quente. Eu acho que era a região do Mato Grosso, ali que é uma região... bah... É quente demais. Mas não vou poder te afirmar se seria uma influência indígena ou não. Mas eu acho, a própria pessoa não se aguentava ali, ficar dentro daquela casa com parede até lá em cima. Agora o 01:00:00certo mesmo desta parte descoberta ali, que tivesse uma rede. Que aí, então, evitaria entrada da bicharada toda do mato.

DENT: [Risos] Dos morcegos, sobretudo.

SIMÕES: É. Que coisa. É... 

DENT: E como comparava fazer a pesquisa lá na comunidade Kayapó com os Xavante?

SIMÕES: Não, era é a mesma coisa assim, sem problema nenhum. Parece que o comportamento indígena é o mesmo em qualquer aldeia, entende?  Para não falar de qualquer aldeia, entre esses, os Kaingang já aproxima um pouco do civilizado. As crianças, tem que segurar e choram e tal. O que eu estava falando naqueles índios lá, vamos dizer, do mato, então... Esses aí é uma beleza trabalhar com eles.  E esses aqui, o Kaingang, já há muito tempo junto com o civilizado e tal. Já pegaram tudo quanto é vícios e defeitos, né? [Risos]. O que é uma pena, mas não poderia ser diferente. Porque o civilizado foi entrando na terra deles, foi tomando, foi se aproximando, então e na verdade é que se for comparar em termos de Brasil, como, por exemplo, o Mato Grosso, Amazonas, Pará, tem espaço para essas populações ainda estarem ali isoladas ou próximas do isolamento. Mas aqui já no estado, aqui, Rio Grande do 01:02:00Sul, em Santa Catarina e Paraná, não tem como, né? As estradas asfaltadas estão passando na frente da porteira, da entrada da aldeia, então não tem graça.  Esses índios Kaingang estão ali, o que está acabando com eles é, por exemplo, a cachaça. Que eles saem dali, vão no bar, num boteco, que hoje em dia eles alugam ali na frente. E não tem, em feira de posto não consegue controlar isso aí. E eles vão lá dentro, lá eles pegam e levam lá para aldeia e tomam. Ficam embriagados e tudo mais... O que é uma pena.  Naquelas estradas lá de cima, a Transamazônica... Ah, aquela quase que dizimou uma tribo inteira lá, não lembro agora o nome dos índios. Por quê? Porque nessa estrada, quando começaram a abrir, aquilo foi muita gente, principalmente aqueles nordestinos lá na... Tinha muito, até malfeitor lá, fugitivo da polícia ou sei lá. Então iam lá para o mato e trabalhar e ganhar dinheiro. Aí levaram tudo quanto foi vícios e defeitos e doenças para aqueles índios, porque o índio é bobo. Ele vem e ele não tem mal, ele não tem maldade, entende? Então ele, nós é que levamos a maldade para eles. Aliás, todos nossos vícios, maldade, inveja, ciúme, ganância, tudo isso a gente leva para eles. O que é uma...Aí acaba a coisa. Além das doenças que a gente leva. Gripe e outras mais. Agora, imagina esses imbecis para vir pelo... Cheio de tudo 01:04:00quanto é tipo de doenças. Ah, porque uma doença dessas nossas que dá ali para eles, nossa, aquilo se estende e vai liquidando com eles tudo... Aí eles aprendem, nesses contatos, eles começam a perder aquela cultura deles de caça e pesca e coleta, às vezes. Aí eles já querem pedir, já ficam na dependência.  Deixa eu pegar uma coisinha gelada, lá. Não, se você estava com isso deixa eu ir guardar lá pra ti. Pera um pouquinho. Tenho muita coisa... 

DENT: Muito obrigada.

SIMÕES: Olha... [inaudível] eu botei lá para gelar porque não botei em cima.

DENT: [Risos] Obrigada. 

SIMÕES: Espera, espera um pouquinho. Deixa lá gelar um pouquinho. [inaudível] Não vou botar mais em cima.  O meu maior problema foi porque eu praticamente, 01:06:00depois que me aposentei, eu me isolei muito. Então por exemplo, eu, se tiver que falar com alguém vou falar do assunto daquele ambiente que está nos cercando ali.  Tive muito, eu tive dois anos lá para Santa Catarina, para lá. Mas era uma coisa completamente diferente. A gente lidava com gado, então tinha lá um sítio. E aqui [inaudível] só se começarem a perguntar alguma coisa, pra mim poder narrar, não sou assim de estar... Mas eu fico na minha, não tenho tempo no dia a dia pra estar parando, conversando assim com vizinhos, principalmente.  E então, praticamente todo esse tempo eu nunca mais toquei no assunto. Por quê? Porque os meus conhecimentos não interessavam pro vizinho ali. E os assuntos deles não interessavam para mim também. Então... [risos] A 01:08:00gente termina, vai... E é uma pena porque aí vai caindo mesmo no esquecimento. Porque se começasse, como eles, começar a puxar, que a gente vai lembrando... Ih, aí a coisa vai muito longe. Então o bacana é quando encontrava, por exemplo, o Israel, o Fernando... Com qualquer um outro. Porque aí começava: "Bah, mas tu lembra disso?", "Ah, mas me conta aquilo que aconteceu". Mas aquelas coisas do dia a dia de viagens e mar e tal. Então aí sim, aí a gente tem assunto para ficar dias e dias conversando. Ou senão... E aí a coisa vai caindo no esquecimento. Então... Pois é... Mas é isso... 

DENT: Então aí passaram dos Kayapó para estudar os Yanomami.

SIMÕES: Yanomami. Yanomami, também, aí já é um índio bem diferente. Já é um índio de estatura bem menor que o Kayapó. Ou que o Xavante. E outra, que o Kayapó e o Xavante vive praticamente no mato, mas na planície. E o Yanomami é o contrário, o Yanomami mora, quanto mais alto ele morar, melhor. Me deram a explicação, eu não lembro mais. Parece que era problema entre eles lá, que então eles se isolavam assim. [Celular toca] Putz. Meu deus... Só um pouquinho...

DENT: Claro.

SIMÕES: E então, como eu estava dizendo, desses Yanomami, eles moram no alto. 01:10:00E  aqui, essas fotos aqui têm estilo da casa deles, né...

DENT: Uhum. Pode descrever um pouco essa foto?

SIMÕES: Porque a parte interna.... A parte de cima já é um pouco arredondada, que nem a do Xavante, mas porém eles fazem tipo parede de galhos. Eles fazem uma... É a palha...O teto não vem até o chão como os Xavante. Ele vem até uma altura e depois eles fazem tipo de uma parede, uma armação de parede. Pode ver que olhando por dentro, olhe aqui, oh... Isso aqui, vamos dizer, seria de parede, que eles fazem. Então tem as redes, tem todos os compartimentos da parte interna. Compartimento não, a parte interna da  casa.  Mas é um local difícil o acesso para a gente chegar lá. Tem que subir. E me explicaram, na época foi explicado o porquê que eles moravam tão acima. Esta foto aqui são os [inaudível] esperando fazer os...

DENT: É uma foto que tomaram desde adentro da casa ou do posto da Funai? O que que tem nessa parte?

SIMÕES: Não, não, não, não... Não tô lembrado. É, não, foi dentro da casa que nós estávamos. Agora, eu não tenho lembrança se isso era da Funai. 01:12:00Não, não lembro se tinha lá, se tinha administrador da Funai lá entre eles.

DENT: Mas na foto tem 3 mulheres...

SIMÕES: Sim.

DENT: ... que estão paradas esperando.

SIMÕES: É. Ah, esses... 

DENT: E aí, atrás pode ver a mata...

SIMÕES: Talvez tivesse acontecendo alguma coisa aqui. Ah... Então elas estavam interessadas, estavam olhando. Talvez até fosse... Não sei se é parte do Dr Salzano, que estava ali na rua, não sei. Ou se tinha algum outro fazendo algum exame, alguma coisa. Aquilo lá no fundo aquilo lá é tipo de mato da região da Roraima. 

DENT: E já  tinha muita experiência de trabalho de campo quando chegaram lá nos Yanomami.

SIMÕES: Ah, sim...

DENT: Mudou um pouco a forma de fazer a pesquisa ou ficou com a mesma?

SIMÕES: Não, não, não. A pesquisa, sempre a mesma, sempre a mesma. Desde aqui entre os Kaingang até lá na Roraima entre os Yanomami. Sempre a mesma coisa. Não alterou em nada. Dr. Salzano fazendo os levantamento dele, de toda a organização familiar, no caso. E eu fazendo a coleta e depois fazendo todo tipo de exame que tinha que fazer. [Telefone toca] Puxa vida [inaudível]

DENT: Claro. Claro.

SIMÕES: Desliga só um pouquinho...

DENT: E nos processos de preparar, por exemplo, para uma pesquisa, já tinha aprendido alguma coisa? Sabia fazer melhor alguma coisa? Porque na primeira viagem deve ter sido tudo novo, né?

SIMÕES:  Ah sim. Sim. Claro. Ah, não, teve uma diferença da primeira às 01:14:00últimas, principalmente depois dos Xavante, principalmente que o Dr Lino veio e trouxe o... Eles trouxeram aqueles vacutainer para coleta de sangue. E até então eu usava seringa. Então daquela seringa tinha que transferir para tubos e tal, era muito complicado, viu? E com vacutainer não, uma coisa super-higiênica e garantida, porque aquilo ali já vem tudo esterilizado, tudo limpinho, direitinho, então é só abrir, enfiar a seringa ali, botar o... Pronto. E guardou lá, depois só bota a etiqueta ali para identificar, e tranquilo, tranquilo. Então foi essa a diferença que foi pra melhor. Ah, dali pra frente a coisa melhorou muito, bah. Para mim, principalmente, que era o chato. Ter que esterilizar aquelas seringas tudo e na época era aquelas seringas de vidro, não existia ainda as seringas de plástico. Então era uma coisa chata, às vezes tu estava puxando ela daqui a pouco trancava, ah, tinha que fazer força. Era um inferno. E com o vacutainer... Pronto. Toque e deu. E ele mesmo já tira a quantidade certa ali, não precisa estar... É muito, muito bom. Desde a primeira vez, nunca mais deixei de usar. Graças, eu nunca mais deixei de usar o vacutainer. [Risos]

DENT: [Risos]

SIMÕES: Se não vinha de lá, depois a gente começou a adquirir, parece que vinha da Argentina. Até então, aqui no Brasil não estavam fabricando ainda 01:16:00isso. Então foi muito bom. 

DENT: Essa foto daqui... É...

SIMÕES: Essa aqui é lá Yanomami.

DENT:  E pode explicar um pouco essa foto, o que está acontecendo?

SIMÕES: Yanomami? Pois essa eu não sei exatamente o que é que é. Eu nem lembro quem era, mas eu acho que isto aqui não é Yanomami, pelo tipo de casa não é Yanomami, não.

DENT: Não?

SIMÕES: Não.

DENT: Deve ser dos Kayapó.

SIMÕES: É, essa eu acho que é Kayapó, sim. Porque aqui... Esse é...

DENT: Norte-americano, lá no centro?

SIMÕES: Eu não consigo... Pois é, eu acho que ele é um americano, que está aqui. 

DENT: Mas seria...

SIMÕES: É, mas eu não, não lembro assim...

DENT: Sim. Mas tem um grupo de crianças e adultos e estão...

SIMÕES: Pois é, ele deve estar...

DENT: ... parece que estão preparando uma comida.

SIMÕES: Não, não seria bem não bem comida...

DENT: Não? Não?

SIMÕES: Eu acho que ele deveria estar mostrando alguma coisa ali, chamando atenção da criançada que estão tudo na volta ali. Pode ver que praticamente é só criança.

DENT: Sim, a maioria.

SIMÕES: Enquanto a gente estava trabalhando, ele foi ali juntar aquelas...

DENT: Uhum, uhum.

SIMÕES: Mas ela parece que está enxergando a pessoa, mas não consigo lembrar do nome. Mas eu acho que era da equipe do Dr. Lino.

DENT: E aí no trabalho com os Yanomami, os pesquisadores aprenderam algumas palavras para comunicar, para falar? Como era o processo? Tinha intérprete lá também?

SIMÕES: Não, não. Tinha intérprete. É, intérprete. Mas onde a gente 01:18:00aprenderia alguma palavra era com o Dr. Salzano, que aí, como ele tinha que se informar, e aí perguntar, eu não entendia, tinha que repetir de novo. Então sempre alguma palavra que ele pegava...

DENT: Claro.

SIMÕES: ... no ar. Principalmente isso que eles sempre se queixam de dor na barriga, ou de gripe, de tosse, essas coisas assim. Então ele sempre, alguma palavra sempre pegava.  Agora eu, como a minha parte ali não precisava falar com eles nem nada, só mandar chegar ali. Depois do primeiro, o resto já sabia como é que é, já chega, já senta, já põe o braço direto ali, oh, maravilha tá... Mas já vai saindo, já vou ali identificando pelo número que eles trazem no pescoço.

DENT: E como chegava a colocar os números? Como funcionava esse sistema de número que usavam quando estavam fazendo a pesquisa?

SIMÕES: Ah... O Dr. Salzano tinha já uma, vamos dizer, uma... Colocava toda a numeração de 1 até... Aí depois a gente ia fazendo os cartões. Aí já aproveitava, furava os cartões, já botava a coisa que era para enfiar no pescoço. Isso aí a gente já fazia. No que terminava a gente já tirava no... [inaudível]. Ia lá no início, botava aquele número lá para identificar aquele indivíduo. Entrava, fazia tudo que tinha que fazer ali, passava aqui, quando saía ali no último ali, lá na minha parte lá, já tirava, pronto. Aí eu já pegava aquele número ali, eu já identificava no tubo ali de material deles, quantos fossem necessário. 

DENT: E quantos tubos foram necessários para cada pessoa? Para cada indivíduo?

01:20:00

SIMÕES: Olha, no máximo dois, eu acho. Não estou lembrado, mas eu acho que eram uns dois. Mas cada vacutainer daqueles tirava, se eu não me engano, 20 ml. Parece que era por aí. Eu não tenho certeza se...

DENT: E os índios, o que achavam de ter esse número lá colocado? [inaudível]

SIMÕES: Não! Isso aí, qualquer coisa para eles era... Qualquer coisa diferente assim é motivo de, sei lá, de alegria, ou até de gozação entre eles. Mas eu não, ficava com aquilo ali muito compenetrados então... Mas aquele número, sim, e aí tinha que...  Indicava o nome também deles, aí Dr. Salzano é que coletava isso aí. Então ele sabia que o número tal era o fulano de tal. É marido da fulana de tal, pai do fulaninho, da fulaninha, do fulaninho, irmão do beltrano, bah! Aquela confusão era ele que tinha que decifrar. [Risos] Então por isso que era demorado. A parte dele era muito demorada, bah. Quando vinha para mim, podia pegar uns 20 e tal que aquilo ali, opa opa opa, e tinha que sentar e ficar esperando lá ele.  Praticamente todos, praticamente não, todos os orientados do Dr. Salzano da minha época, eu participei com todos eles do trabalho de campo, mesmo que não fosse uma atividade assim de, vamos dizer, de sangue, seria outra coisa, mas mesmo assim eu tinha que ir. E naquele trabalho com esse nosso material com sangue, aí eu 01:22:00tive ainda que fazer a parte do laboratório, a parte técnica, laboratório [inaudível]. E depois teve muitos que eu ainda ajudava eles, na análise dos dados ou a acertar aqueles negócios dele, e depois ainda datilografei ainda a tese... 

DENT: [Risos]

SIMÕES: Todos eles... Tu sabes que começou por uma coisa boba. Era eu, o Dr. Salzano, quando ele fez, não sei se foi a livre docência, qual a que ele... [inaudível] por aí. Não me lembro. Aí ele escreveu a tese dele. Aí ele chegou um dia, disse: "Olha, Girley, tu é que vai fazer a minha tese, vai datilografar a minha tese". "O que, Dr?" "É. Tu é que vai datilografar."  ""Ah, capaz. O senhor não tem sua secretária que funcionava..." Era secretária mesmo, era rápida na máquina. Eu digo: "Eu sou ali que nem galinha catando milho. Eu estou na ponta dos dedos". Por que? "Porque pegava aqueles meus negócio e passava a limpo os resultados". Mas aquilo ali, no tempo daquelas máquinas de... Aí, por aqui, outra ali, era ali, era aqui, ia lá, isso aqui...

DENT: [Risos]

SIMÕES: Bom, aí ele "Não. Tu é que vai fazer". Eu digo "Não, Dr. Salzano, por favor" . "Não, tu faz. Vamos parar, tu para aí com o trabalho do departamento e tu vai fazer minha tese".  Nesse tempo tinha que datilografar num estêncil e depois passar no mimeógrafo. Aquela quantidade de folha de tese. E montar, e levar para gráfica para fazer capa, enfim, todos os 01:24:00negócios. Se tu queres ver eu te mostro aí, eu tenho algumas cópias, até de teses aí desse pessoal. Ai tá, passou. Ele fez. Claro que  para aquilo a gente olhando hoje é coisa, aquilo passar em mimeógrafo, mas vamos bem. Para época estava muito bom. Não existia xerox na época.  Aí quando foi a tese de quem, meu deus? Depois do Dr Salzano eu não tenho certeza quem foi que eu fiz. Não lembro, um desses aí que eu fiz. Aí ele veio pra mim e disse: "Ah, tu vai fazer minha tese." Eu digo "o que, rapaz, eu não".  "Ah, não, não, num sei o que". Eu disse "para, rapaz, eu nem sei datilografar direito, quer que eu...". "Não, tu não fez a do Salzano? Faz a minha também e tal". Ah, aquilo era pro Dr Salzano, ele tirou todo o tempo pra mim fazer e tal. "Não, mas faz, faz pra mim assim. Ficou boa a tese dele, tu faz a minha também". Terminei fazendo, tudo bem. Depois teve um outro. Também viu daquele ali, também veio me pedir para fazer. Fiz. Um dia eu vinha lá do departamento, é lá na reitoria, [inaudível], e passando na frente do Departamento de Botânica, eu vi o Alfredo. Era muito conhecido da gente, inclusive a gente jogava até futebol junto e tal. Aí chegou e disse "ah...", me chamou, veio para mim "quero falar contigo". Eu digo "O que é que houve?" "Não, eu tô com um problema aí, eu terminei minha tese e não tenho quem datilografe". Tá, e aí? [Inaudível] 01:26:00não sei quem é. "Não, é porque tu fez o do fulano, fez o do beltrano, do siclano e tal e coisa". Aí tá, mas eu não queria fazer. Eu digo, na época a chefe de departamento era a Helga, esposa do Dr Cordeiro. Aí eu cheguei: "Não, eu fiz umas... porque o pessoal lá do departamento. Então faço de noite lá, tinha permissão, mas para de fora assim, não dá. Ele não permite". Ele: "Não, rapaz, permite sim, num sei que, para ciência permite tudo". Eu digo: "Não, então eu não vou pedir, só se tu fores lá pedir para ela então, se ela permitir, tá." "Ah, mas ela é que é muito chata, não vai querer", mas eu sabendo, eu podia fazer, mas eu tentando escapar. Aí diz ele: "Mas e tu não tem uma máquina?" Eu digo: "Eu não, por que que eu vou querer máquina?" "Não, rapaz, podia comprar máquina, tu tem a tua, amanhã depois precisa, tão aí no colégio, precisa". Eu digo: "Não, por enquanto não tenho... Não tenho nem condições de comprar" Eu falei, achei que foi assim. Ele disse: "Não, então faz o seguinte, vai por aí, escolhe uma máquina aí boa para ti e vem aqui, me traz o preço aqui, me diz que eu já te dou dinheiro, tu vai lá e compra". Aí eu não pude escapar. Fui, mas eu comprei uma máquina menor para fazer aquilo. Olha, e a partir,  aí sim, aí eu vim para casa, aí fazia de noite em casa. Fiz a tese dele e tal. Não é que aquilo dela é pouco, já veio outra, porque tu fez pro Alfredo, tu vai fazer mim, e a coisa foi... E eu nunca falei. O pessoal lá, tinha gente que achava que eu era apenas motorista. Ou que [Inaudível] era lá do departamento, mas o cara era do laboratório. Quando 01:28:00nunca ninguém imaginou que... [risos] [inaudível]

DENT: [Risos]

SIMÕES: Nenhum... Foram passando para os outros, foram passando. Bom, eu tive que me especializar. No fim eu passei para IBM elétrica e depois já fui para IBM eletrônica. E tinha a minha filha, já estava, mas eu fiquei não sei quanto tempo. A minha filha que era quem me acompanhava mais.  Mas olha, até hoje eu não entendo como é que eu fazia essas... Os caras me traziam umas enormes de umas tabelas. E eu tinha que botar aquilo tudo no... Claro que as máquina tinham os recurso de redução e não sei o que e tal. Mas aquilo não é como computador hoje que tu pode botar lá qualquer coisa, tu acessa seu espaço aqui que ele é que joga com as palavras. E ali na máquina não, ali tu tem que vir calculando, e reduz aqui que é para não.. que aquilo tinha que ficar tudo nas margens direitinho. Tu sabe que dali a pouco passou para agronomia.  Olha, agronomia eu acho que fiz mais de 100 teses para agronomia. E só de noite em casa.

DENT: [Risos] Nossa!

SIMÕES: Mas também, tu sabe que no fim eu voava naquelas máquinas. Eu aprontava uma tese de duzentas páginas numa noite. Mas claro que o camarada tinha que ficar ali,para ele já ir corrigindo alguma coisa que passasse. Lá corrigia na hora. Mas [inaudível] e já começava, já conhecia aqueles termos tudo que ele trazia manuscrito lá, ou de médico, coisa assim. Eu já conhecia tudo, então era fácil. Se desse para outro fazer: "Ah, mas o que é que tá escrito aqui?"  Mas chegou a um ponto que eu nem me interessava se quando é que saia o pagamento lá da universidade, quanto que eu vou receber, quanto é que... Eu nem me interessava mais porque já de noite em casa já ganhava mais. De noite e nos fins de semana. Mas também aquilo me escravizou, me escravizou. Que eu vou te contar uma coisa... bah. Ah, e aí vai tanta história.

01:30:00

DENT: [Risos]

SIMÕES: É gozado. É muito gozado. E o pessoal ficava sabendo porque liam lá e tinha o agradecimento lá porque eu... [risos].  Então "Ah, mas tu fez pro fulano, faz a minha também, faz assim, ficou muito boa", não sei o quê. Que boa o quê... Mas, pra época, era boa. Mas começou pelo Dr Salzano assim, procurando. [Risos]

DENT: [Risos]

SIMÕES: [inaudível] já era minha função. Nunca tinha... E o gozado, a Neiva tinha curso de datilógrafa. E nunca chegou perto de máquina, ali [inaudível]. Essa minha filha mais velha, aquela que tem a foto ali, que agora está em Brasília, essa era meu braço direito. Essa se mandava na maquininha. Mas claro que chegava, se complicava um pouco nos termos.  Sabe que, olha, lá da agronomia, que às vezes o pessoal não estava lá, ficavam para ir corrigir depois quando já tivesse mais ou menos pronto.  Eu vinha fazendo qualquer coisa, digo: "Ah não, mas isso aqui não pode". Pegar o telefone: "Fulano, tu escreveu assim, assim, assim, assim assado? Isso aqui não pode ser assim." "Não, pode sim, isso passou, o orientador viu e tal". "Fulano, não pode, tchê... Então..." "Tá, então tá, então me diz aí exatamente como é que é aí." "Assim, assim, assim assado." "Tá, amanhã eu vou falar com o orientador então e te dou retorno." Quando vê: "Sabe que tu tinha razão mesmo, ele nem viu isso". Digo, é, pois é... [risos]

DENT: [Risos]

SIMÕES: E fui eu corrigir um médico. Sábado eu estava em casa, o cara chegou todo embecado. Com uma pompa, aí ele chegou: "O senhor trabalha com 01:32:00datilografia, né?" Uhum, sim. O que é que é? "Pois é, eu tenho aqui um trabalho, eu não consegui que fizesse não sei o que, ia precisar fazer isso aqui." Ah, foi... Eu não pegava trabalho, era só tese mesmo. Aí ele: "Não, mas é porque eu preciso, porque eu tenho que apresentar isso agora para esse final da semana, não sei o quê, final de semana que vem, não sei quando lá." Aí fui olhar... Bah, mas era a letrinha dele, era malvada. Eu digo: "Olha doutor, não vou poder fazer. Não estou entendendo essa sua letra aqui". E ele diz: "Não, tu faz. Vai deixando um buraco aí em branco, quando não entender tu deixa." Claro que eu deixei tudo esburacado [risos].  Aí dei para ele. Ele levou, preencheu todos os negócios lá.  Aí quando vê, ele me apareceu. Eu comecei a fazer todo o negócio, já era muitas folhas e ainda faltava mais. Comecei a fazer, comecei a estranhar aquilo. Eu fui perguntar para ele de  uma coisa... O senhor precisa disso aqui, algum seminário, alguma coisa que vai fazer? Ele disse: "Não, isso aqui é rascunho da minha tese". Da sua tese? "É, a tese de mestrado que eu vou fazer". Mas olha, isso aqui está tudo enrolado, está tudo fora de lugar. Porque a tese tem que ter, primeiro lugar, uma 01:34:00introdução. A introdução parece que está lá no meio dela. Depois  da introdução vem material e métodos, depois vem... Sei lá, e vai levando, já até nem me lembro, depois já tem lá pro fim discussão, aí aquela história toda. Mas é claro. "Ah, mas então acerta para mim." Aí fui lá acertar, essa é daqui, aquela outra é dali, e essa daqui... Resultado. Ah sim, e ele sempre naquela pompa. Aí ele foi e disse...Como é que foi, como é que foi a história? Ele pediu então para me arrumar o negócio, tá, e eu arrumei toda a história..  Aí fui e perguntei para ele, um dia, eu digo: "Escute, esse trabalho aqui é da área Pneumologia, né.? E ele: "Sim sim, num sei o que e tal". Ah, tá, eu digo: "Dessa área tenho um conhecido". [inaudível] Conhecido, é. "Quem é?" O Palombine. "O que? Conhece o Palombine?" Eu digo: "Sim. Conheço e muito". Fiz todo o trabalho de campo com ele e fiz até a tese dele e mais da noiva dele, da Alcira, que é médica também".  Disse: "Mas aquele, tu fez aquele trabalho de campo com ele, que é um trabalho que ganhou fama internacional e não sei o que e coisa? Mas tu não trabalha só com datilografia?" Eu digo: "Não, companheiro. Eu sou funcionário da universidade. Eu sou técnico do laboratório. Isso aqui eu faço por... Sei lá por que cargas d'água". Esse camarada se agarrou tanto em mim que no fim eu é que tive 01:36:00que vender o carro dele, que depois que ele terminou a tese, [inaudível] ele apresentou e tal, aí ele iria pros Estados Unidos, que ele ia fazer parece que o doutorado para lá. Até ele é filho... O pai dele foi um médico muito conhecido aí que tem até uma rua ali, uma perimetral nova ali com o nome do... Até nem me lembro como é mais o nome. Mas é ali perto, tu deve até acho que tu passou pelo ônibus nessa perimetral. E quando ele foi pra... Queria que  eu vendesse o carro dele. Queria que eu fosse ir buscar, arrumar os papéis para esposa dele. Assim, quando eu estava pra lá, queria que eu fosse lá para comprar coisas lá para casa e para orientar ela nisso ou naquilo. Eu digo "Não, eu não tenho tempo pra..." [Risos]

DENT: [Risos]

SIMÕES: Mas o camarada chegou numa banca e depois: "Ah, não, porque ele é meu chefe, porque o Dr Palombine..." Eu digo "O Palombine," [inaudível]. Sim, porque... Mas quando que vai imaginar?  Mas tu sabe, e aconteceu, viu? Um dia de manhã cedo, eu levantava 7 horas, já estava de pé, mas era um fim de semana, parece que era um sábado, eu estava já ali naquela minha pasta trabalhando. Quando eu vi, para uma lotação. Eu não lembro se era dessas que já tinha agora aí, se era essas caminhonete grande ou se era kombi. Parece que era uma kombi. A lotação é que fazia esse percurso aqui, Cavalhada. E nessa época eu morava aqui lá pra trás. Parou aquele carrão na frente, eu fui ver. Dali a pouco, desceram várias senhoras ali, sei lá. Falaram: "Ah, é aqui que é uma gráfica?" Não! Já perguntando pelo meu nome. Eu digo sim, sou eu, eu digo... E "onde é que fica a sua gráfica?" Gráfica?! Eu não tenho gráfica 01:38:00nenhuma. "Não, por causa da tese, não sei o que e tal". Eu digo: "Não, aí tudo bem, mas é aqui, sou eu que faço." "Não, mas a gente achou que fosse uma, como é? Sabe de onde é que eles estavam vindo? Do Paraná. Que eu tinha feito, mas essa pessoa defendeu a tese aqui. E foi embora lá pro Paraná. Aí, claro, mostrando a tese lá, mas onde é que tu fez essa tese? Tá tão bacana assim. Disseram: "Olha, lá em Porto Alegre tem a pessoa assim assim assado. Que não tem problema, entrega para ele e deixa aí para ele que não tem problema". [Risos] 

DENT: [Risos]

SIMÕES: Eu digo: não é possível, descarregaram umas 3 ou 4, me deixaram não sei quantas teses aí para fazer. E depois marquei, um belo dia, e o pior é que às vezes tinha que passar a noite ali porque o texto está pronto, ficava ali corrigindo. Porque o que desse errado, eu já ia fazendo outras coisas, e desse errado ali eu já ia arrumando para eles. Eu tinha que formular toda uma folha e tal, não tem problema, bota aquilo e pronto. Ligeirinho já trabalhou, já corrigiu. Quando saá de manhã, o negócio já estava pronto, já levava para a gráfica, já tirava xerox, já mandava encadernar e tudo. Prontinho, já despachava tudo. Mas não tinha nada a ver com nada.

DENT: [Risos]

SIMÕES: Ah! Mas olha, disse que em caso de, é de rir. É de rir, porque... [risos]

DENT: É...[risos] Essas coisas da vida, né? 

SIMÕES: Coisas da vida.

DENT: Inesperadas. 

SIMÕES: Não, olha, eu acho... Não sei se vamos ter outro, uma oportunidade da gente se ver novamente, porque se não eu via, onde é que eu tenho tanta bugiganga. Mas eu acho que até eu tenho algumas por ali para te mostrar.

DENT: Ah, sim, sim. Podemos ver agora. Vamos.

01:40:00