Entrevista com o Prof. Francisco Mauro Salzano, 26 de julho de 2012

História Oral da Genética
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00:00:00

DENT: Ok, aqui estamos. Hoje é 26 de julho de 2012. Estamos no Instituto de Biociências, com o Dr. Professor Francisco Mauro Salzano. Está gravando. Essas são as fotos de Simões Lopes?

SALZANO: Isso.

DENT: Era uma viagem com o Dr. Neel, com você, e o Niswander também e o Dr. Weinstein?

SALZANO: Weinstein?

DENT: Weinstein, também estava lá. Eu queria saber se me podia comentar de onde são? Você tirou as fotos? Era com a sua máquina fotográfica? Ou era de outras pessoas? Lembra?

SALZANO: Acho que não lembro. De maneira geral, não levava máquinas fotográficas.

DENT: Você não...

SALZANO: Talvez tenha sido do Fernando [José da Rocha] que também foi.

DENT: Ah, também estava lá?

SALZANO: Tanto quanto eu saiba. Deixa eu ver uma coisa... Essa aqui é a tese 00:02:00dele. Vou ver se tem... Simões Lopes... [páginas virando] É... Ele não estava lá.

DENT: Não? Ele não estava? Entrou depois para o trabalho de campo com os Kayapó?

SALZANO: É. Ele trabalhou com os Kayapós. O trabalho de campo, ele fez com os Kayapó de uma localidade. É, duas comunidades Kayapó e os Yanomamo e quatro localidades do Rio Grande do Sul.

DENT: Mas essas fotos de aqui, então, podem ter sido do Dr. Neel? [Ou... dono dos...]

00:04:00

SALZANO: É. Alguém tirou, mas não tem... Isso aqui parece ser uma dança com um mastro... [fotos virando] Depois tem várias indígenas. Cachoeira, queda d'água, as crianças. Mulheres.

DENT: Acho que lá tem dois, mas aqui. Uma criança... [Risos] Mas sabe que...

SALZANO: Acho que é o Neel, de costas.

DENT: Sim?

SALZANO: Esse outro não sei quem é.

DENT: Não é você lá?

SALZANO: Não.

DENT: Se é dos outros, então...

SALZANO: Uma espécie de dança. Um pouquinho mais pra cá.

DENT: Sim... Essa foi a camioneta de vocês?

SALZANO: Não, não. É um carro, né.

DENT: É um carro que parece parado lá?

SALZANO: Pois é. Esse, eu acho que é o Neel também.

DENT: Ia de terno? Para o campo?

00:06:00

SALZANO: Pois, é. Isso aí, é antes. Isso é antes.

DENT: Porque está com corbata [gravata] lá na fotografia.

SALZANO: Pois, é. Tão formal ele não é. [Risos]

DENT: Pois é. Usavam roupa especial para o campo? Usavam a roupa normal?

SALZANO: Em geral, usava calção. Totalmente sem roupa. 

DENT: [Risos]

SALZANO: É. Oh, esse tipo de moradia, de casa já é influência não-indígena. Porque as casas Xavante eram circulares, lá em São Domingos. [som de algo abrindo] Credo! Esse sou eu! Não parece.

DENT: Sim. Reconheci.

SALZANO: Isso aqui... essas fotos foram tomadas pelo Chagnon.

DENT: Ah, sim. Essas que são dos Yanomamo.

SALZANO: Yanomamo. A gente subiu uma montanha lá, pra visitar uma aldeia isolada. Por isso, eu estou suando aqui.

DENT: Claro, porque estavam subindo.

00:08:00

SALZANO: Construção... Ah, pois é. As construções dos Yanomamo são coletivas. Então, são enormes casas, com essas entradas grandes aqui. Esse aqui também sou eu. Eu estou entrando aqui, numa delas. Oh, aqui, então, é o aspecto lá da região, que são serras, de mata forte... Aqui estão construindo alguma coisa...

DENT: Como?

SALZANO: Isso aqui parece que é uma construção.

DENT: Ah, que estão construindo. Sim, claro.

SALZANO: Que abre, depois fecha. Oh, aqui.

DENT: Assim está fechado, já terminado?

SALZANO: É. Essa já é outra. Essa é outra casa comunal, que eles chamam.

DENT: E vocês, quando fizeram o trabalho de campo lá, ficaram dentro das casas comunales [comunais] ou ficaram no posto...

SALZANO: Não, no posto. No caso dos Yanomamo, eram as casas dos missionários.

DENT: E, em alguma...

SALZANO: Então, essa era bem afastada da missão. Quase umas três horas ao longo do mato para chegar lá.

00:10:00

DENT: Em alguma comunidade, ficaram dentro das casas indígenas?

SALZANO: Nós visitávamos. O trabalho era feito lá dentro mesmo de algumas casas.

DENT: Mas se estavam trabalhando durante alguns dias, ficaram sempre no posto e iam em cada dia para comunidade?

SALZANO: Exato. Não ficamos dormindo lá com eles, não. Isso foi, acho que no meu caso, a única vez que a gente ficou afastado do posto e na aldeia mesmo- isolados- foi entre os Txucarramãe... do Parque do Xingu. 

DENT: E como era? Por que estava muito longe do posto?

SALZANO: É. Era muito afastado, então... A gente foi de avião leve para um campo de pouso que ficava ao lado da aldeia, partindo da base lá, do parque- que é um grupo de casas, bem delimitadas; tem um campo de pouso maior, que é onde ficavam os Villas-Bôas.

00:12:00

DENT: Então, foi uma construção onde antes ficavam os Villas-Bôas, lá no mesmo lugar?

SALZANO: Então, eles ficavam nessa base. E a gente primeiro ia lá, porque eles também tinham que fazer a fiscalização e de lá ia pra...

DENT: Ah, entendi, entendi. Interessante! Lembra alguma outra coisa com essas fotografias?

SALZANO: Pois, só dessa subida. Quase morri de cansaço. Suava, porque era muito quente.

DENT: [Risos] Claro!

SALZANO: Deixa eu ver se tenho aqui uma outra.

[Som de gavetas]

DENT: Achou?

SALZANO: Essas aqui todas são fotografias pessoais. 

00:14:00

DENT: Claro, claro.

[Conversa baixa, pouco audível em referência às fotografias]

00:16:00

SALZANO: Esses são índios Kayapó. Um professor lá do Canadá fez uma visita pra nós e tirou essa no aeroporto de Brasília.

DENT: Aqui, eles estavam lá fora?

SALZANO: Eles estavam no aeroporto.

DENT: Ah, mas tem algumas coisas aqui...

SALZANO: Isso tudo é... Aí, é a defesa de tese. Esse é o Newton Freire-Maia e o Frota-Pessoa?

DENT: Ah, sim? Ótimo. Que boa foto.

SALZANO: O Newton Freire-Maia e essa é a esposa dele... Esse é um casal que veio do Pará.

DENT: Ah, sim. 

00:18:00

SALZANO: Essa foi tirada lá dentro de [inaudível]?

DENT: Que boa foto. Gostei muito.

SALZANO: Quem tirou essa foto foi a Rita Osmundsen. A Rita era a diretora lá da... Hoje ela é da presidente da...

DENT: Então, esse corresponde com as fotos do castelo?

SALZANO: Isso, exatamente. Aqui é dentro, dentro do castelo.

DENT: Ah... Seria de... e de organizar.

SALZANO: Esse é um professor... As primeiras viagens que fiz ao exterior.

DENT: Quantos anos você tinha?

SALZANO: Isso foi em '61. 61 menos 28? 30... dá... Eu nasci em '28. Isso aí de '61.

DENT: Então... 23?

00:20:00

SALZANO: 33.

DENT: Um pouco mais do que eu tenho agora. [Risos] Aqui com todo o grupo?

SALZANO: Isso aqui já era... Um congresso qualquer, aí. Uma das principais personalidades da genética sul-americana... Ele era argentino, mas trabalhava no Uruguai. Meio gordinho, aqui.

DENT: Eu acho que está fazendo assim, sabe? Por isso, não?

SALZANO: Esse é o pessoal da antropologia. Isso foi tirado num congresso em...?

00:22:00

DENT: Sim. Isso foi aqui?

SALZANO: É... foi aqui. O doutorado do Arno?

DENT: Que legal!

SALZANO: ...São Carlos.

DENT: Tem algumas. Mas do campo não muito?

SALZANO: É... [Risos] Isso aí também mandaram. Por que eu não tiro fotografia. No primeiro trabalho dos Xavantes, antes de ir, o Neel disse "Não, tenho que documentar isso daí". Eu comprei uma máquina fotográfica. Aí, eu tirei algumas fotografias dos Xavantes ...[inaudível]... Aí, logo depois eu 00:24:00fui pra Europa, no Congresso Internacional de Genética Humana. Aí, tirei uma fotografia da Torre Eiffel, na França. [Risos] Só que depois, na revelação, saiu um Xavante em cima da Torre Eiffel. 

DENT: [Risos]

SALZANO: Aí, essa foi a minha última experiência fotográfica. [Risos]

DENT: [Risos] Então, tentou umas vezes e depois desistiu?

SALZANO: Desistência total. 

DENT: Senão, ia ter toda Europa com imagens também da mata atrás...

SALZANO: Sim, aí não dá.

DENT: Muito bem. Eu queria, então, perguntar algumas coisas, últimas coisas antes de voltar para os Estados Unidos. Eu estava vendo aqui, [manuseia uma página do caderno de campo do Professor] isso me pareceu uma coisa incrível. Estamos na "caderneta de campo 2" e aqui você estava anotando: "19 de setembro de 1968" e está anotado que estão lá no campo, que chega Fernando da Rocha...

SALZANO: São os Kubem-kang-keng que são Kayapó, né?

DENT: Exato, e que mientras [enquanto] que estão lá, chegam turistas norte-americanos... [Risos]

SALZANO: Exclamação! [Risos]

DENT: Exato. Pode me contar alguma coisa disso? Que aconteceu que chegaram os turistas?

00:26:00

SALZANO: É. Era uma aldeia isolada, né? A gente chegou lá, e fomos para uma missão religiosa. O Lott era missionário. Aqui são as informações sobre outras aldeias... e daqui a pouco chega um avião de táxi-aéreos, pequenos, monomotor, dessa empresa: Safari Tours. Ah, não era um, eram três, oh!

DENT: Três aviões [risos] pequenos, disse. 

SALZANO: [Lendo] "Junto com um grupo da FAB [Força Aérea Brasileira], 10 pessoas". É, então... é o contato. E tinha um grupo da FAB que estava consertando um avião ali, que também estava em contato. É isso que eu botei aí, em termos de transmissão de micróbios, essas coisas...

DENT: Isso foi comum? Você sabia alguma coisa do turismo para as aldeias, 00:28:00assim, remotas?

SALZANO: É, não... de vez em quando, sempre aparecia. Em todas, não, mas em grande número das aldeias que eu fui, de repente, aparecia um avião com turistas. Não só estrangeiros, mas brasileiros e outros grupos visitantes. Me lembro um que funcionários do governo, não eram turistas, chegaram na aldeia -- eu acho que isso foi em Roraima, lá no Norte -- chegaram e distribuíram uma série de apitos. Tem uma lenda aí entre os brasileiros que índio gosta de apito. [Risos] Levaram um monte de apito e distribuíram e foram embora. [Risos]

DENT: E isso deveria ter sido uma coisa muito cara: pagar um avião...

SALZANO: Lógico...

DENT: ... para ir até um ponto...

SALZANO: Sim, sim, lógico... Os turistas, de certo, tinham reserva pra isso. E essa do governo: "Ah, o governo paga; então, não tem problema", para eles.

DENT: E vocês interatuavam com as pessoas que chegavam? [Risos]

SALZANO: Pouco...

DENT: Praticavam o inglês...

SALZANO: Não, não... Não eram muito bem-vindos, não.

00:30:00

DENT: E como responderam os povos onde você estava trabalhando? Eles...

SALZANO: Em alguns casos, eles já estavam acostuma dos. Viam pessoas lá. De turismo, em Letícia, que eu lhe falei, que é lá na fronteira entre o Brasil, Peru e Colômbia, quando nós estávamos começando a viagem do Alpha Helix... Na época, existia um grego, uma pessoa de origem da Grécia que era praticamente o dono de Letícia. E não só de vários negócios lá de Letícia, como também ele tinha uma ilha inteira no meio do rio. E ele patrocinava essas viagens de turismo. Então, ele, em determinados dias, passava uma mensagem pelo rádio para a ilha dele. Ele ficava lá em Letícia, que é uma cidade: "Olha, se vistam como índios que agora vêm uns turistas aí". 

DENT: [Risos]

SALZANO: Os índios, todos, estavam com roupa comum, né?! Rural, brasileira. Então, eles se preparavam, se pintavam, o corpo, etc. e tal. E, aí, os turistas...

[Entrevista interrompida]

00:32:00

DENT: E dos grupos, você obviamente, visitou, estudou muitos grupos diferentes, mas quais eram os grupos onde realmente não chegavam os turistas?

SALZANO: Não existe...

DENT: Não existe?

SALZANO: Impossible. 

DENT: [Risos]

SALZANO: Mesmo na aldeia São Domingos, que foi essa na primeira viagem nos Xavantes, eles praticamente estavam completamente isolados. Mas um dia lá chegou um barco, com mais turista que o número de Xavante que tinha a aldeia... 

DENT: [Risos] 

SALZANO: Então... começaram a dançar e os turistas todos circulando, ao redor, com fotografia.

DENT: E ficavam no navio ou baixaram?

SALZANO: No navio, é. Ficaram no navio... Só ficaram um tempinho e depois eles foram.

DENT: Que coisa...

SALZANO: Mas é muito comum, lá no rio Xingu, pescadores, que fazem pescarias 00:34:00de lazer, ou grupos turísticos que querem ver o mato... mata. Esses grupos aí dos turistas lá de Letícia chamavam a cidade "a porta para o inferno verde", tchan, tchan. tchan. 

DENT: [Risos] 

SALZANO: Inferno verde era a mata, claro. [Risos]

DENT: E como comparava o trabalho com os Kayapó, enquanto à facilidade para chegar lá, com o trabalho que fizeram com os Xavante? Era quase igual?

SALZANO: Mais ou menos parecido. Geralmente era uma base, e a gente aproximava da aldeia por aviões pequenos. 

DENT: Muito interessante. Também nos cuadernos [cadernos], vi alguns nomes que queria perguntar um pouco se você lembra alguma coisa dessas pessoas? 

SALZANO: Sim.

DENT: Na segunda vez que foram para as aldeias Xavantes está anotado que Francisco Xerente era o intérprete...

00:36:00

SALZANO: Ah tá...

DENT: Ele era um membro da comunidade?

SALZANO: É, pelo sobrenome, pode ser da tribo Xerente, que é uma tribo muito próxima aos Xavante e que foram contatados antes. E se tornam completamente aculturados. Então, tinham contato, eles falam o português, adotaram todo o estilo de vida das populações rurais brasileiras e, às vezes, serviam de intérprete

DENT: E lembra...

SALZANO: Porque Xerente é muito parecido com Xavante. A língua.

DENT: Que David Maybury-Lewis fez um trabalho primeiro com os Xerente para depois passar a Xavante, não?

SALZANO: É. Eu acho que sim.

DENT: Interessante. E lembra alguma coisa desse senhor que trabalhava como intérprete? Como era trabalhar com ele?

SALZANO: Era um membro da tribo que nos ajudou. Não tinha nenhuma particularidade.

DENT: Depois, quando estavam trabalhando com os Kayapó, estava lá um senhor: Dale Snyder, que era inglês, acho. Ele era um missionário inglês?

SALZANO: Onde que está?

DENT: Ah...

SALZANO: Lembra?

DENT: Tá... com os Kayapó... Ah, não estava aqui nos cuadernos [cadernos]. 00:38:00Estava nos documentos, que ele estava ajudando a construir a genealogia das pessoas.

SALZANO: Ah, tá. Esse era um missionário. 

DENT: Era missionário?

SALZANO: É.

DENT: Mas não era uma pessoa que realmente trabalhava muito com vocês?

SALZANO: Não, não. Só era um membro da missão que conhecia bem os indígenas.

DENT: Tá, perfeito. Que mais... Então, queria perguntar um pouco, para esos cuardernos [estes cadernos] que é que você anotou lá, ou como usava o cuaderno [caderno]? Porque tem algumas coisas que obviamente...

SALZANO: Exatamente ao acaso. Geralmente era mais para anotar o que tinha sido feito ao longo dos dias. Por que posteriormente eu tinha que fazer um relatório para a Funai, inclusive. Então, eu tinha que saber quando tinha chegado, onde, e basicamente o que que se tinha feito nesses dias.

DENT: Sim.

SALZANO: E, de vez em quando, vinham essas anotações... das pessoas que trabalhavam lá. Depois eu colocava no relatório. Algumas vezes foi importante 00:40:00para assistência médica.

DENT: Também tem muitas anotações de coisas de idioma, de palavras importantes...

SALZANO: É.

DENT: ...nas línguas indígenas. Como era para você aprender essas palavras?

SALZANO: Aprendi muito pouco. Em geral, só coisas excepcionais. Em geral, a gente usava intérprete. Não dava tempo para absorver línguas diferentes, de tribos diferentes... pouco tempo.

DENT: É... eu sei. Estou lutando com o português, que é tão próximo para o espanhol. Então posso imaginar aprender Xavante ou...

SALZANO: Complicado.

DENT: [Deve ser]. Tá... Também hoje, encontrei a documentação do trabalho que fizeram com Ayres e Noel Nutels? Queria pedir se poderia me comentar de novo, o que você já contou. Mas foi o dia que o gravador não funcionou muito bem, e queria pedir se podia contar de novo um pouco como era a relação com Noel Nutels, o trabalho com ele... Sim, isso.

SALZANO: É. Mas nós nunca fizemos trabalho de campo juntos.

DENT: Ah, não foi de campo, mas foi um trabalho...

00:42:00

SALZANO: Não, só interação lá no Rio de Janeiro, ou Porto Alegre, ou então numa das reuniões da Oficina Panamericana de Saúde, que a gente fez. O Neel organizou. Deixa eu ver se eu tenho aqui... Oh, em '68.

DENT: Ah, olha isso. Então Biomedical Challenges Presented by the American Indian. E isso foi uma reunião que depois...

SALZANO: The WHO. Oficina Panamericana, que... [páginas virando] tinha várias pessoas que trabalhavam como consultores da PAHO? Né? Otto Bier... Todos são 00:44:00membros do comitê. Marcelo Rocha, que é uma pessoa famosa. E aqui são os participantes que não eram da WHO.

DENT: Claro. E lá tá... Noel Nutels, Niswander estava, Layrisse, Napolean Chagnon. Você estava? Ah, aqui está. O Doutor Schull, também. E eso [isse] foi uma sessão especial? Era? 

SALZANO: Resultou nesse livro. E aqui está o trabalho do Noel, '68.

DENT: Um-hmm. Ah, sim.

SALZANO: Ele escreveu principalmente a parte do Xingu.

DENT: Então, vocês foram para essa reunião e se viram lá. Mas já se conheciam antes, não?!

SALZANO: Antes. A gente ficou lá durante 4 ou 5 dias. Foi ele e a esposa.

00:46:00

DENT: E como era ele?

SALZANO: Ele ou ela?

DENT: Ele. 

SALZANO: Ele. O Noel. Cabelos revoltos, branco, cabelo branco, porte forte, gordo, também, mas um gordo forte. E como eu falei, muito expansivo. Sempre diversão, conversar com ele.

DENT: E você mencionou que foi à casa dele alguma vez no Rio... Sim?

SALZANO: Sim. Várias vezes.

DENT: E como era?

SALZANO: Pois é, uma casa muito bonita, grande, num bairro lá do Rio de Janeiro. E, como eu falei, tinha aqueles quadros todos. Alguns na parede, outros embaixo, que ele ganhava dos amigos dele, intelectuais, artistas, etc. 

DENT: E a colaboração científica de vocês era só um estudo que fizeram com Manuel Ayres? 

SALZANO: É. Um dos testes era aquela história da tuberculina, que eu te falei, 00:48:00que foi feita em várias tribos indígenas, junto com o Neel e, ou com o Manuel Ayres, lá de Belém. Então, como ele era especialista em epidemiologia, tuberculose, nos correspondeu e no fim publicamos um artigo juntos, combinando o meu trabalho de campo com o dele. 

DENT: Então, estava vendo lá, você me tinha contado antes que foi às vezes difícil porque não chegava a aprovação da FUNAI para fazer trabalho de campo...

SALZANO: Isso.

DENT: Então, estava olhando lá nos cadernos de campo, um pouco. E tem duas datas que eu vi até agora, não?! Onde você foi até Brasília, para...

SALZANO: Conseguir...

DENT: ... para conseguir aprovação...

SALZANO: Aprovação, é...

DENT: Lembra qual... eu vi para justo antes do trabalho de campo com Neel, em '64, e de novo com o trabalho de campo com os Yanomamo, em '67. Lembra quando era que Noel Nutels estava...

SALZANO: Ah, já, já tinha sido afastado. Eu falei porque ele era diretor em '64, que foi quando houve o golpe militar.

00:50:00

DENT: Sim.

SALZANO: Então, ele já estava, estava afastado do serviço.

DENT: Mas a segunda vez que... você lembra quantas vezes tinha que ir até Brasília para retirar o permiso [permissão]?

SALZANO: Ah, em geral,

DENT: Era... 

SALZANO: Era quase sempre...

DENT: Quase sempre? [Risos]

SALZANO: Quase sempre tinha que ir...

DENT: Ah, ok.

SALZANO: Um ou dois dias antes viajava pra lá, pegava a autorização.

DENT: Ah, ok.

SALZANO: O que não era grande problema porque Brasília é no Brasil Central e...

DENT: Ficava...

SALZANO: Ficava mais ou menos perto das outras bases.

DENT: Hm... Então, muitas vezes tinha que ir para lá para retirar o permiso [permissão] primeiro...

SALZANO: Sim.

DENT: Ah, já entendi. Então, foi antes do trabalho de campo de 1964, que era mais urgente essa intervenção do Doutor Nutels?

SALZANO: É. '64, isso.

DENT: E você ainda tem essa carta, que ele preparou? [Risos]

SALZANO: Não sei, tem que procurar. Deixa eu ver se...

[Som de gavetas, procurando a carta]

00:52:00

DENT: Os reportes [informes] que você enviou para a FUNAI, ao final de cada trabalho de campo, não guardou?

SALZANO: Desapareceu.

DENT: Desapareceram?! hm... Mas tem mais correspondência do que [você] me falou. Falou que não, não guardou nada. E, sim, tem algumas coisas...

[Páginas virando]

SALZANO: É. Guarde para mim aí?!

DENT: Claro. Esses são os processos de aplicação [solicitude] para 00:54:00aprovação do comitê de ética?

SALZANO: Isso.

[Som de gavetas fechando, páginas virando]

00:56:00

DENT: Pode ser que [a carta] será uma coisa para procurar a próxima vez que 00:58:00estou aqui, não?!

SALZANO: Pode ser. Mas quanto mais o tempo passa, menos...

DENT: Tá bom... a próxima vez, eu vou revisar bem. [Risos] Com mais tempo, e tudo... Só pra ver se está ainda funcionando, aqui, se está ainda gravando...sim! Ok. Então... Que horas são? Perfeito, não, eu acho que já me 01:00:00contou muitas coisas. Eu tenho muita documentação para ler e muitas coisas para estudar. [Risos] Então, agora eu vou voltar para Estados Unidos para estudar e a próxima vez que chegue aqui, espero já saber muito mais. [Risos]

SALZANO: Ah, estamos às ordens.

DENT: Imagino que vou querer perguntar de novo outras coisas... não?! Mas tem sido realmente um prazer muito grande. Não sei se você tem alguma memória ou história ou alguma coisa mais que tem pensado, que quer compartir [compartilhar] ou contar? 

SALZANO: É, não... acho que está...

DENT: Já me contou muito.

SALZANO: Bastante coisa, é!