FREIRE-MAIA: Mas sabe, Jéssica, só para te dizer, antes de você fazer as
perguntas. Logo depois da entrevista, eu pensei umas coisinhas, assim, que talvez eu não tenha completado o que você pudesse ter interesse. Entende?PINA: Sim.
FREIRE-MAIA: Daí se você quiser deixar para o fim também.
PINA: Não, vamos, vamos começar por isso, porque aí já está fresco na sua
cabeça, você já está pensando nisso.FREIRE-MAIA: Eu marquei aqui, sabe, porque você me fez uma pergunta, quais
seriam os meus trabalhos mais importantes.PINA: Sim.
FREIRE-MAIA: E eu, o que eu lembro é que eu disse que toda pesquisa que eu fiz
de alguma forma, ela foi importante para o meu desenvolvimento com uma pesquisadora, não é? Como abrindo às vezes outros horizontes. Eu acho que eu devo ter falado um pouco da consanguinidade, depois eu falei dos trabalhos de ligação que eu fiz na Inglaterra. Quer dizer, eu fiz um grande na Inglaterra e depois eu consegui fazer alguns aqui no Brasil. Esse eu acho que eu não dei aquele fecho, que eu fui através do trabalho de ligação por eu ter orientado um dos meus estudantes, acho que eu falei, o Sergio Primo-Parmo, na época era meu estudante de mestrado, nós percebemos, ou eu percebi, que a gente tinha uma amostra muito grande e podíamos fazer o trabalho de frequência das variantes daquela enzima para o Brasil, que não existia nada assim, com uma amostra tão grande também. Eu acho que nós tínhamos a chance de separar o grupo que tinha sido identificado como mais descendente de europeu, outro afro brasileiro, né? 00:02:00Então a gente fez esse trabalho, que é um trabalho que pode ser considerado uma genética de populações humanas, mas que também tem aqueles toques da época, assim, que é também os trabalhos dentro da antropologia física. Então, naquela época havia um pouco dessa intromissão também do geneticista no trabalho do antropólogo físico. Daí depois surgiu depois de fazer esse trabalho. Agora eu não me lembro dos detalhes, faz muito tempo, não é? Nós já tínhamos aqui em Curitiba sido despertadas também para essa butirilcolinesterase, essa enzima que na época era chamada colinesterase do soro. Depois os bioquímicos deram esse outro nome, pelo professor Bernardo Beiguelman. O Bernardo Beiguelman, que até publicou um livro sobre determinadas variações de enzimas de proteínas que podiam afetar a saúde humana, e ele vinha sempre para Curitiba dar aula para os mestrandos, e sempre fazia a palestra, e sempre falou muito em alguns temas que ele achava que seria importante desenvolver no Brasil. E um deles era da butirilcolinesterase, até ele também fez trabalho e ele orientava um moço, que na época era estudante de medicina, médico. Até pouco tempo, eu sei que ainda era professor da Universidade de Campinas. E eles, até o sobrenome desse moço é Magna, até quando eu estive no estado de Campinas e me encontrei numa mesa redonda junto 00:04:00com o Magna, que ele participou da mesa redonda sobre também uma parte da história da ciência da genética, não é? E ele, o Magna, achava que tinha sido uma influência do Bernardo Beiguelman, não posso dizer que não tenha havido nada, porque realmente é o Bernardo Beiguelman foi quem disseminou aquela ideia de que seria interessante fazer alguns trabalhos tanto de butirilcolinesterase como de deficientes de G6PD, etc. Mas, para nós, aquilo se tornou algo factível quando eu vi aquela amostra tão grande, e estudando também a butirilcolinesterase cada vez nos interessamos mais, porque é-- E ela, essa linha de pesquisa, se tornou a minha principal linha de pesquisa depois que eu deixei praticamente de fazer trabalho de ligação genética, e foi a que me acompanhou até o final do meu trabalho de pesquisadora. E o interesse foi bom, porque a butirilcolinesterase tem, é-- Digamos, em várias ligações com aspectos clínicos, e também até com aspectos que não são patológicos. Então, da parte de aspectos clínicos, nas revistas de análises clínicas, revistas de medicina, eles já sabiam que pessoas que aumentam de peso aumentam a quantidade de colesterol de triglicerídeos. Quando eu fazia os exames da butirilcolinesterase, em média, aquelas pessoas que tinham uma atividade mais alta da butirilcolinesterase, provavelmente por causa que ela era mais sintetizada nessas pessoas, então havia isso. Havia também a ideia de a gente fazer uma associação com doenças cardiovasculares, não é, a 00:06:00aterosclerose, que esses problemas, como diabetes. Então, se abriu um campo assim, maior para nós. E também sobre peso, mesmo peso, estudando o peso. Desde o peso normal até obesidade, estudando só obesidade. Também estudamos a altura. E esse, digamos, eu, eu sempre disse, penso assim, que foi formado um nicho científico para nós. Como tem esses nichos, não é, ecológico, em que algumas espécies proliferam, porque não tem tanta competição, ou tem uma boa alimentação etc. e tal. Praticamente não tinha geneticista fazendo isso fora do Brasil. Era principalmente bioquímico, e os bioquímicos estão utilizando as suas técnicas que são completamente diferentes, trabalhando às vezes com-- Para fazer purificação, estudar atividade, é, estudar, digamos, às vezes, as estruturas proteicas, então trabalho mais de bioquímico. E o bioquímico, eu não tinha essa formação de estudar grandes populações. Então eu podia fazer o estudo genético em populações aplicada nessa-- Aqui sobre o conhecimento dessa enzima. E tinha mais uma coisa, e também pelo fato de que eu lembre, tinha um geneticista que trabalhava com drosófilas e, assim, com uma enzima semelhante a butirilcolinesterase, e isso também nos ajudou. Não que a gente tenha procurado o nicho, sabe? Mas depois que eu refleti sobre alguns anos, provavelmente de trabalho, eu percebi isso, que nós tínhamos encontrado isso, e eu no começo, eu também fui um pouco forçada por que eu podia fazer. 00:08:00Forçada pela falta às vezes de verba de auxílio em pesquisa da época, e que eu poderia fazer um tipo de trabalho que não seria tão caro como o trabalho de ligação. E também tinha para mim esse interesse de uma certa relação com aspectos clínicos, de modo que a maior parte dos nossos trabalhos deixaram de ser ligação para se transformar em trabalho de associação. São coisas que têm alguma semelhança. A associação é quando você percebe que, por exemplo, duas características que você está estudando, elas-- Se é que tem variação, que determinadas variações delas se encontram juntas numa frequência maior do que seria esperado pelo simples acaso. Então, outra coisa, que daí vem a formação que eu tive lá, com os trabalhos de consanguinidade, principalmente pelo apoio da análise estatística que foi feita pelo, junto, né, orientada pelo professor Krieger e pelo professor Calógeras, então, e depois eu complementei aqui com cursos dos professores da estatística da matemática, completando a minha formação nessa parte. Então eu pude fazer o trabalho da associação também com muita facilidade e utilizando até metodologias que é-- De multifatoriais. Então eu também procurava, eu reuni várias características que sempre trabalhava com um determinado tipo da amostra, com o controle, às vezes pareava por características importantes. Por exemplo, você vai trabalhar com o peso, tem que saber parear por sexo, não é, 00:10:00por idade, por altura, etc. e tal, né? Então, e isso tudo são variáveis, e então as análises que dei início, eu aprendi como a partir da consanguinidade me serviram muito nessa fase dos trabalhos da associação. Então a gente procurou a associação, como eu já falei, com o peso, altura, obesidade, diabetes, problemas cardiovasculares, síndrome metabólica, que é um problema ainda mais grave dessas relações anormais de colesterol, triglicerídeo e etc. E até chegamos a fazer um trabalho também da sociedade para procurar uma variação, para ver se haveria uma tendência para a pessoa, é, ter a infecção pelo bacilo que traz a lepra, não é, um que agora até me falou agora de cabeça.PINA: Hanseníase?
FREIRE-MAIA: Hanseníase, então o nosso trabalho com a butirilcolinesterase,
nós fazíamos alguns trabalhos em que a gente tinha, fazia atividade, a gente via um loco que é um outro gene que também acaba tendo interação com o gene butirilcolinesterase e também afeta o fenótipo das pessoas que é o gene [inaudível]2. E fazíamos depois, mais para o fim, fizemos a análise do próprio DNA para caracterizar as variantes pelo DNA. Então misturávamos um 00:12:00pouco, assim, da parte bioquímica. E ali, então porque na hora que você me perguntou, eu quis dizer que houve uma importância para mim ter feito esses trabalhos. Mas você talvez também quisesse saber os trabalhos, assim, para os quais eu dou mais importância no sentido da sua finalização, pelo resultado que eles tiveram. Então, os que eu fiz de forma independente, não foi tão independente, não é, porque a parte da ligação foi o doutorado e, claro, já tinha bastante independência, mas também teve orientação do John Edwards. Mas eu acho, aquele trabalho é um trabalho, para a época, um trabalho bastante importante quando, depois de ter perdido um pouco da importância, porque esse assunto, ele ganhou assim, muito desenvolvimento e já houve técnicas novas, etc. E o trabalho que eu, me deu um prazer muito grande, que foi uma coisa bem original, que ninguém nunca tinha achado, é que nós achamos uma-- Estudando esse loco x2c5 +, que ele é responsável por uma avaliação que cria uma banda extra quando você faz a determinação da enzima através de eletroforese. E ela é chamada banda c5, porque a nova normalmente aparece em quatro bandas, então todas as pessoas da população teriam essas quatro bandas, e cerca de 10 a 12% têm essa banda c5, e nós, examinando essas pessoas, porque eu já tinha uma ideia por causa de um trabalho anterior o nosso, deu um mau resultado que eu não estava entendendo, porque assim, nós acabamos dentro de um trabalho também de genética das populações, acabamos vendo que as pessoas que tem 00:14:00essa banda c5+, se tem em média significativamente alguns quilos a menos. E isso com o pareamento de sexo, de idade, de altura. Às vezes até acho que de raça, raça entre aspas até, e isso depois até foi refeito. Então, esse trabalho é um trabalho que me deu muita satisfação, e por causa até da tua entrevista, sabe, você fica fazendo com que eu me lembre e eu então entrei-- Eu até não tinha conhecimento do trabalho que eu vou falar, o grupo que é, como continuou trabalhando nisso, que foi um grupo de Nebraska, que até nós temos um trabalho publicado com eles. E um pesquisador francês, que é o Patrick Masson, de Nebraska, até da Oksana, o grupo da Oksana Lockridge. E esse, eles fizeram um trabalho, porque já havia a ideia de que um outro que esse tal locus x2 provavelmente é um loco já que depois eles descobriram que eles chamam acho que de RAPH1. E esse, esse RAPH1, eu não vou saber explicar exatamente, mas uma parte desse gene ela acaba fazendo parte da estrutura da enzima da butirilcolinesterase, para dar lá uma sustentação. Fica lá um fragmento fazendo parte da estrutura, isso era uma coisa já conhecida, e eles, a hipótese pelo tudo que eles fizeram, que evidencia para, eu acho que é como suporte. Isso é, que as pessoas que são x2c5+, além daquele pequeno 00:16:00fragmento, uma outra parte do gene RAPH1, ela também-- Ela é, digamos, é transformada lá no, num pedaço de polipeptídeos, e ela junta também na butirilcolinesterase e isso caracteriza o x2c5+ do ponto de vista bioquímico, ele é diferente. E esse trabalho eu vi que saiu acho que publicado em 2017, aqui no nosso departamento, quando eu deixei lá de orientar, que o laboratório ficou sendo dirigido por dois professores que foram meus orientados de mestrado e doutorado, que são o Ricardo Lehtonen Rodrigues de Souza e a Lupe Furtado. Até eu participei desse trabalho, que foi de uma das orientadas deles, é, que eles também chegaram a também a ver algumas famílias e estudar um pouco-- Deram assim um pouco de sugestão de que poderia mesmo ser esse gene, RAPH1. Então eu acho esse meu trabalho sobre o peso muito interessante, é, porque a pessoa, essas pessoas já nascem com essa possibilidade de ter uma atividade maior, e a minha hipótese é mesmo que haja de alguma forma alguma participação da butirilcolinesterase no metabolismo de lipídio. Então é algo que também vai ter que ser explorado mais para a frente. Então eu acho que é isso com relação aos dois trabalhos. Que é o de ligação e esse da associação de peso inferior, em média, um pouco inferior no fenótipo x2c5+. Vou tomar um pouquinho agora de chá. 00:18:00PINA: É-- Só uma coisa, a tua fala me suscitou várias perguntas, assim. Só
que a gente foi conversando e eu esqueci de fazer a introdução da entrevista. Hoje é dia 18/02/2022, eu sou a historiadora Jessica Bley, e eu estou entrevistando a professora Eleidi de Freire-Maia, geneticista brasileira. Muito obrigado, professora, por estar aqui comigo. Essa entrevista está acontecendo de forma remota. Eu estou em Florianópolis e a professora está em Curitiba. É, bom, cara, essa quinta aba aí passou bem longe de mim [risos], certeza que eu não tenho ela porque eu sou gordinha a vida toda.FREIRE-MAIA: [risos] É que também, não é, o peso é uma característica
multifatorial, não é? Depende, provavelmente, de vários genes e também, logicamente, de alimentação, de exercício, né? Então, a genética tem uma parte, então é até uma coisa muito interessante a gente conseguir indicar um gene. Isso é muito interessante, porque devem existir vários, não é?PINA: Sim, com certeza.
FREIRE-MAIA: E nem todos os que são também c2c5+ tem também peso mais baixo,
não é, porque vai depender de fatores ambientais, não é, de forma muito forte. Mas é interessante.PINA: É interessante fazer esse exercício, não é, de imaginar o que tem
dentro da gente.FREIRE-MAIA: Aí, só para falar, esses fragmentos são o de uma proteína
chamada lamellipodia, que ela é codificada pelo gene RAPH1.PINA: Bom. Sobre a primeira pesquisa que a senhora citou da colinesterase, a
00:20:00senhora falou que veio de uma amostra muito grande. Que o tamanho dessa amostra te deu a ideia de fazer essa pesquisa. Na primeira entrevista a senhora falou sobre essa amostra, por que que essa amostra era tão grande? Como foi a coleta e a formação dessa amostra?FREIRE-MAIA: A gente sabe em geral, né? Na parte de todos os trabalhos que nós
fizemos de populações, a gente sempre tinha amostras grandes. No caso, como a gente estava querendo ter um grupo, de certa forma grande desse c2c5+, e como só cerca de 10% da população tinha essa característica, nós tivemos que ter então uma amostra grande por esse motivo. E depois a gente escolhia ali com uma certa liberdade os nossos controles, porque os controles, 90% quase da amostra eram c2c5-, mas tínhamos essa possibilidade de parear, não é, porque eu imagino que a gente pareou por sexo, altura, idade, etc. Então por isso que as amostras em geral eram grandes. Porque a característica em si, apesar que para a genética, até 10, 12% é ótimo que a gente trabalha com coisa bem mais rara, mas para o que a gente queria, né? Ainda mais que nós depois também estávamos trabalhando com o peso, né? Como eu comentei para com você, tinham vários fatores influenciando, então, quanto maior for a possibilidade que a gente tivesse de ter a maior amostra seria muito bom. Eu não lembro os dados, sabe? Se nós tínhamos 125 pessoas c2c5+, 125 pessoas c2c5-, então só com isso já precisaria mais ou menos 1250, né? Mais 1250. Não sei se a amostra 00:22:00chegou perto de 6000, eu já não lembro. Ou 5000. Eu também não lembro, sabe? Agora foi bom você fazer essa pergunta, porque na realidade essa, eu não sei se nós usamos a mesma mostra que o Sérgio Primo-Parma usou no trabalho anterior que nós fizemos, como eu falei para você, um trabalho dentro de antropologia. Ali era aquela amostra, e ele precisou, porque nós precisamos de casais que um fosse, ou que os dois, o do pai e mãe pudessem, ou os dois, ou até, de preferência, só um deles passar, é, ter essa esse fenótipo c2c5+. Então isso também reduz muito o próprio, a ligação, é, a possibilidade, então a amostra tem que ser grande. Agora, com uma coisa aconteceu perto de 1990, eu não sei se a gente usou a mesma mostra que já estava estocada há 10 anos. Eu não tenho certeza porque a gente fez também atividades enzimáticas, eu teria que ver os trabalhos, tudo bem?PINA: Como é que foi-- Perdão, pode falar.
FREIRE-MAIA: Mas é sempre assim, mesmo que a gente às vezes é obrigado a ter
amostra muito grande para para selecionar o que nos interessa, a gente ainda tem uma amostra que possa ter assim, um certo valor para que a gente eventualmente tenha um resultado estatisticamente significativo.PINA: Como é que foi o processo com o Comitê de Ética para usar essas
amostras para esse projeto?FREIRE-MAIA: Eu lembro que quando-- O que eu lembro, né? Que quando houve a
00:24:00necessidade de fazer os projetos, seguindo o comitê de ética, que tinha sido recém formado, eu acho que nós pedimos para que eles liberassem o uso de todas as nossas amostras já estocadas. Eu tenho quase certeza que foi feito isso, e que, logicamente, eles aceitaram, não é, que era um trabalhão de pesquisa que estava dentro de freezer. E a gente podia continuar agora no caso do que eu trabalhava, havia muito o anonimato, não é? Às vezes a gente tinha um número lá de um banco de sangue, então isso nos ajudou muito. Porque havia uma proteção, não é, de quem tinha fornecido aquele sangue.PINA: E foi um processo demorado, foi um processo burocrático, ou foi
rapidinho? Foi fácil? Teve que falar com muita gente, com pouca gente... A senhora lidou com essa parte burocrática ou a senhora designou?FREIRE-MAIA: Não, eu acho que eu lidei. Eu tenho impressão que-- Eu não
lembro que tenha sido difícil, sabe? Eu não consigo lembrar o nome do pesquisador. Acho que é um médico que era do interior de São Paulo. Não tenho certeza se ele era de Botucatu. E ele que trabalhou muito, acho que para a criação mesmo desse sistema de ética em pesquisa em seres humanos. Eu acho que havia sim, um bom fluxo de comunicação entre nós, sabe? Não lembro que tivesse sido algo assim difícil, não é? Eu teria que ver a forma como a gente documentou também, não é? Devia ter havido muita documentação para que 00:26:00essas amostras realmente fossem, pudessem ser consideradas, você vê, imagina as amostras também que o Salzano coletava das comunidades indígenas que nós também guardamos algumas. Isso era algo assim, um tesouro, não é? Ninguém vai se desfazer disso. E eu, então, nem sabia ver, só sabia o nome da comunidade, não sabia quem eram as pessoas, nada, provavelmente o sexo só coisas assim, não é? A idade.PINA: Teve alguma técnica ou tecnologia nessa pesquisa da colinesterase que foi
fundamental para a pesquisa?FREIRE-MAIA: Bom, de começo, para separar os fenótipos, a gente usava
inibição enzimática, então, do mesmo soro ou plasma de uma pessoa. Num deles a gente colocava o inibidor com o substrato, quando a enzima agia, e no outro não. E depois a reação dos dois comparada até visualmente, eu acho que até eu falei para você que havia minha dificuldade, que eu não tinha instrumento para ler. A gente olhava e já meio que ia no instituto de bioquímica para que aquilo pudesse ser lido. Cheguei acho que a falar isso, né?PINA: Sim, sim.
FREIRE-MAIA: É, depois já começamos com o mesmo processo de fenótipo
utilizando, daí, esses os espectrofotômetros, depois espectrofotômetros melhores para poder até separar melhor ou, na realidade, era para poder fazer 00:28:00uma boa, uma boa determinação da atividade enzimática que nós precisamos daí de um de um espectrofotómetro, acho que de luz ultravioleta. E sempre foi muito importante naquele começo as eletroforeses em gel de amido que nós fizemos à base de maizena, porque era muito caro comprar o tal do amido do [inaudível 36:00]. Mas depois começamos a trabalhar com a poliamida. E pro desenvolvimento não só dos nossos trabalhos, mas para o desenvolvimento do estudo da genética humana ao nível molecular, sem dúvida, o mapeamento do genoma teve sua importância, mas do ponto de vista técnico foi a PCR para mim, não é, naquilo que me tocou para depois fazer, inclusive, sequenciamento, foi extraordinária. Porque a gente não tinha como tentar trabalhar com um gene naquela quantidade imensa de genes como separá-lo, e a PCR dá essa possibilidade de você multiplicar, multiplicar, multiplicar o segmento que te interessa daqui do DNA, que você já sabe como é, por causa do sequenciamento do genoma humano. Então, as duas coisas ali pareadas, um deu o conhecimento e o outro deu a possibilidade de você utilizar esse conhecimento tendo uma técnica que naquela amostra que você tinha de uma infinidade de genes, de repente, multiplicar um pedaço e aquilo ficar, sei lá quantos, agora já não lembro quanto, se é milhão de vezes mais, então sobravam os outros genes ali, mas aquilo era como o ruído, uma coisa que não interessava, na hora que você 00:30:00fosse estudar aquilo ali nem aparecia, sabe? Eu acho que ele foi brilhante. E também só podia ser, eu imagino que podia ser um bioquímico, porque os bioquímicos estão acostumados a lidar com impurezas. Eu acho, isso é a minha maneira de pensar e eu penso, eu já ia querer fazer alguma coisa que fosse pura, mas nem precisava ser pura, se você aumenta, aumenta, aumenta, aumenta aquilo que te interessa é impureza, não é nada. Você está acostumado, bioquímico está acostumado que mesmo qualquer purificação, imagino que sobra, não é, os resquício de alguma coisa que não é aquilo que você deseja. Espero que os bioquímicos concordem comigo.PINA: É interessante essa visão não é de que a formação do bioquímico é que permitiu ele desenvolver o PCR.FREIRE-MAIA: Eu acho isso, sabe?
PINA: Interessante. É--
FREIRE-MAIA: Químico, também químico, até um químico poderia, não é? Eu
até não sei a formação dele. Mas eu acho que ele era bioquímico.PINA: A senhora poderia, talvez assim, falar um pouco mais do PCR e mapeamento
do genoma humano para uma leiga como eu, assim, porque deu para entender que foi algo muito importante, que o PCR parece que isola o gene, mas eu queria entender melhor assim, no-- A diferença que ele fez na tua pesquisa.FREIRE-MAIA: É, na realidade, sabe, no nosso departamento quem primeiro
trabalhou com PCR foi a professora Maria Luiza Petzl-Erler. Ela trabalhou muito com o Salzano, com as comunidades indígenas, e ela é do departamento de genética. Ela foi a minha orientada em mestrado, e a linha dela de, depois que deve ter feito doutorado na Alemanha, foi uma linha de trabalho com uma 00:32:00genética de compatibilidade, trabalhando muito com os soros. E a Maria Luiza também, que fez algo tão interessante, porque não sei se já existia um aparelho chamado termociclador, em que uma hora ele adquire uma temperatura, depois você programa, depois eles deixam de ter aquela temperatura, e assim vai. Então é um ciclo de temperaturas que são programadas naquele aparelho. A Maria Luísa não tinha isso quando ela começou, então ela fazia uma sequência de banhos-maria, te ver só, ela, que foi um a uma das minhas orientandas, que ajudou a desenvolver a essa técnica do gel de amido com maizena. Até tenho a impressão que na publicação, eu tenho impressão que só ela e o Sérgio Luís Primo-Parmo eram os meus orientandos e eles que fizeram acho que a publicação, se eu não me engano, na Ciência e Cultura, então a Maria Luiza já tinha todo esse jogo de cintura de brasileira, de trabalhar em laboratório que falta as coisas. Bom, eu talvez, até sabe, omito algumas coisas. Faz tempo, né, que eu não trabalho, e também nessa fase foi principalmente o Ricardo que desenvolveu essa a parte toda técnica, não é? Eu olhava resultado, criticava, conferia essas coisas. Mas o que a gente precisa, a gente precisa, então, do plasma de uma pessoa, porque ali você vai encontrar muitas células, é, digamos, linfócitos, não é, que estão carregando, tem o seu DNA. Então é, e elas têm núcleo, eu não vou saber explicar tanto 00:34:00detalhe agora, mas é ali que é feita a extração do DNA. Então o processo é uma receita, né, digamos, entre aspas, um processo de química mesmo ali. E que você seguindo aqueles processos, quando chega no final, você extrai o DNA de cada uma das suas amostras. E depois você pode até estocar aquele DNA e depois você vai utilizar uma fração daquele DNA para você fazer a PCR. E o que que a PCR, o que que é, qual é a lógica da PCR? Na temperatura as duas cadeias do DNA, elas se abrem quando a temperatura fica alta. Depois elas também se fecham quando baixa a temperatura. Esse é o papel do termociclador, abrir e fechar, abrir, fechar. E existindo o que a gente chama de prime, que é um segmentozinho de DNA que a gente escolhe, ele não é muito grande, mas ele tem que ter um certo número de nucleotídeos, e que a gente já sabe pelo, é, sequenciamento do genoma humano que aquele pedaço vai se acoplar no pedacinho do nosso gene. Então ele tem que ser um-- Não pode ser tão pequenininho, porque por acaso, pode ter um outro gene que também tem aquilo. Então a gente, existe esses primers, que são ligados numa das fitas e o outro do outro lado da fita, e existem enzimas, isso normalmente no nosso corpo, que é que uma delas é a DNA polimerase, que vai, digamos, a enzima tendo um primer, ela vai dando sequência desde que as fitas esteve aberta, ela vai completando lá com os nucleotídeos. 00:36:00Isso acontece nos organismos vivos, quando o DNA está se replicando, né? Quando, se você, é, uma célula, vai se dividir em dois, ele tem que fazer isso. Então ele faz. É um processo biológico que foi imitado no laboratório. Então, o que que a gente faz? A gente coloca o DNA polimerase, que é comprada, a gente manda fazer os primers de acordo com aquele segmento de DNA que nos interessa. A gente compra nucleotídeos e para algumas coisas nucleotídeos são marcados também para depois ver a parte de fosforescência, coisa assim, ou outra, outra marca. E provavelmente outras coisas que entram naquela solução. E a gente imita o processo no termociclador. E isso tem lá o programa e você manda fazer infinitas vezes. Em geral, coloca de noite e vai buscar de manhã que aquilo ficou replicando, replicando, replicando, replicando, o que replicou foi exatamente o teu gene, o pedaço do teu gene que te interessava, que você já limitou com aqueles primers, sabe, de um lado para o outro. É isso, essa aqui é a tal da PCR. Porque tem no fundo, é, o laboratório imitando o que acontece numa célula. Claro que tem outras acho que enzimas, mas também para fazer ligar as, enfim, você até teria que dar também mais uma olhada para ver o que eu esqueci. Mas realmente é isso. Você vê que hoje todo mundo fala da polimerase, não é, que a polimerase chain reaction, né, a reação em cadeia da polimerase, essa polimerase fora de série. E aí usa, você tem uma 00:38:00polimerase especial, acho que de uma bactéria, se não me engano, que aguenta alta temperatura. Porque a polimerase é uma enzima, e para enzima aguentar outra temperatura ela, em geral, fica desnaturada, não é? Então é, você vê que é muito bonito isso, não é?PINA: Lindo, lindo, lindo. Eu fiquei impressionada.
FREIRE-MAIA: Uma vez, acho que quando eu ainda lembrava bem numa palestra que eu
fiz, eu falei isso, uma pessoa veio falar comigo: "Mas é ético a gente fazer isso?", porque ela achou, assim, que ele estava dizendo, criando vida. Não, não estamos criando nenhum ser nem nada, mas nós estamos chegando naquele ponto de multiplicar o DNA, não é, que é para fazer trabalho. Mas ela ficou achando que sempre-- Que a gente estava burlando alguma coisa ética, ou religiosa, não sei.PINA: Essa pessoa era uma pesquisadora, um pesquisador, um cientista?
FREIRE-MAIA: Não, eu acho que é uma pessoa da plateia que me perguntou isso.
PINA: É-- A senhora comentou também que essas técnicas, não é, da PCR, essa
amostra grande que a senhora tinha, ela te possibilitou essa pesquisa, porque ela ficou menos cara que a tua pesquisa sobre ligação, né? Queria que a senhora explorasse um pouco mais desse fator de uma pesquisa menos cara. E por que que isso influenciou no teu trabalho?FREIRE-MAIA: Eu, até, sabe quando-- Eu não lembro quantos trabalhos sobre a
ligação eu consegui publicar, talvez uns cinco ou seis. Mas é-- no início, se fosse escolher vários genes, era impossível mesmo esse trabalho que eu usei para o meu doutorado. Nos Estados Unidos ele tinha feito as tipagens de, 00:40:00digamos, de várias enzimas, mas uma às vezes foi feito uma num laboratório, outra em outro, os estudos de hemoglobina no outro laboratório, então mesmo lá naquela época nos Estados Unidos. Porque daí o Newton Morton, que era o responsável pelo grande projeto, ele passava para esses laboratórios e ele usava depois para, logicamente, para o trabalho dele. E esses pesquisadores também, estudando aquela proteína, aquela enzima específica que já era linha de pesquisa deles. Então eu nunca teria condição de fazer isso aqui no Brasil, se nem nos Estados Unidos foi um só laboratório que fez. Então eu poderia, como eu fiz com a butirilcolinesterase, estudar a butirilcolinesterase em alguns sistemas sanguíneos. Eu acho que as que nós vimos, eu não lembro exatamente na publicação, que foi do trabalho do Sérgio Primo Parma, também a Maria Luiza Petzl-Erler também foi o trabalho de ligação. Daí não foi com a butiril, ou foi com o sistema sanguíneo MNS, eu acho que foi com RH. Então isso a gente conseguia fazer. Mas logo depois também é, digamos, o conhecimento já exigia outras metodologias. Acho que eu comentei com você, que também surgiu essa metodologia da hibridação de células somáticas. Pegavam célula somática humana e hibridizado com a célula de camundongo ou de rato criava uma célula híbrida. E porque eles viram que essas células, à medida que elas se dividiam, elas iam perdendo os cromossomos humanos. Então daí eles faziam cultura daquelas células com poucos cromossomos e viam quais proteínas 00:42:00e enzimas estavam sendo expressas naquelas células e que eram humanas, a ponto de que, chegou num dos trabalhos, tinha um cromossomo humano, então eles puderam dizer que algumas das coisas que estavam naquele cromossomo, não é, não, claramente não tudo-- Então, já com isso, houve uma quantidade imensa de trabalho que usou, usaram a hibridação de célula somática, então você veja, daí é outro tipo de trabalho. Trabalhar com cultura de célula, hibridização. Então, em geral, quem trabalhou com ligação não foi para esse rumo. Até eu lembro que era um pesquisador holandês, não estou lembrando bem o nome dele, mas foi ele que deu, assim, esse impulso. Claro que também aquilo não durou sempre, não é, até eu não sei se não houve um pouco de parada dos estudos de ligação e começou a existir mais trabalho para tentar sequenciar o genoma humano, não é, aquilo ali, e houve muito trabalho, sabe? No meio, eu não poderia realmente continuar, eu já tinha essa consciência, não que eu não tenha feito o trabalho de ligação mais tarde, que eu participei de um trabalho de Newton Freire-Maia, Marta Pinheiro, que o Sérgio Primo Parma também participou, de uma displasia ectodérmica determinada por gene do cromossomo X, conhecida pela sigla CST, que é Crise [inaudível] Renner. Então, daí eu só trabalhei com poucas coisas, e trabalhei com gene, quer dizer, a gente sabia quem tinha doença quem não tinha, não é, só de pela clínica. E existia um grupo sanguíneo do, existe um grupo sanguíneo 00:44:00determinado no cromossomo X, talvez haja mais, mas naquela época a gente trabalhou com esse XG. Acredito que a gente também tenha entrado com alguns sistemas outros, porque nós, em trabalho de ligação, a gente exclui filho ilegítimo, porque eles atrapalham. Eles atrapalham depois o julgamento da ligação, digamos, alguém que está ali que não, não poderia estar. Já para os estudos da pesquisa, então havia uma certa frequência de filho ilegítimo, talvez de 5 a 10%. Então, a gente também fazia, em todos os trabalhos de ligação, a gente também fazia esses sistemas para eliminar filho ilegítimo, às vezes filho adotado também que realmente que não, não tem porque a gente saber, não é, mas aí a gente simplesmente tira. Ou às vezes é filho que a maternidade eles te enganam e trocam as crianças, não é?PINA: Caramba.
FREIRE-MAIA: Isto acontece. Deve ser pouco, espero.
PINA: Mas pode ser também filho extraconjugal?
FREIRE-MAIA: É-- O tal de, em geral, quando eu falava filho ilegítimo, bem,
antigamente eram extraconjugal. Agora usei a palavra correta que é, hoje eu também acho que não existe isso de filho ilegítimo, porque todo filho, como dizem, é legítimo e pode ser, digamos, no próprio certificado, não é, de nascimento. Mas a gente usava a palavra também em inglês, que era illegitimacy, é, illegitimacy.PINA: É-- Das coisas que a senhora queria falar da última entrevista, tem mais
00:46:00alguma coisa que a senhora anotou?FREIRE-MAIA: Eu anotei alguma coisa que não é talvez importante. Assim, mas
quando eu falei ali daquelas sugestão do PTC e Kell, que o McKusick colocou a sugestão colocando o primeiro trabalho nosso, e depois só mais tarde que houve realmente com outro trabalho o estabelecimento, eu falei que eu, bem, anos mais tarde, meu marido viu, não é? Na Science, que realmente quem estudou esse PTC viu que ele realmente estava ligado mesmo com ele, estava no mesmo cromossomo que eu, que o Kell que a gente já tinha sugerido. E eu falei, até que eu acho que saiu um trabalho na Science 2002, foi 2000-- Início de 2003. Não sei, talvez nem-- Mas é que como eu vi que eu falei errado, porque eu até me interessei por ver esse trabalho, e daí eu vi que é uma Science de 21 de fevereiro de 2003, porque daí eu falei para você, que eu estava falando que a professora Glaci Zancan tinha dito, talvez seja um receptor e era um receptor. Então, esse é o trabalho que fala também do receptor. Na hora eles sabem que aquele receptor está no mesmo cromossomo daquele grupo sanguíneo Kell. Uma coisa que eu falei para você e pode, não é, que possa ter dado uma ideia errônea, eu acho que até eu falei errado, que quando eu enviei a tese pro Salzano, eu-- Não é que eu tenha enviado para uma secretária, eu enviei para o Salzano, mas eu já enviei a tese definitiva com capa, com tudo. Ali foi talvez uma falta de delicadeza da minha parte, a gente quando é jovem, às 00:48:00vezes é o mais, assim, a área de impulso, não é? E o seu, e porque o Salzano estava fazendo o papel do meu orientador através de uma, de uma grande gentileza e amizade, não é, porque ele não tinha sido meu orientador e ainda ia arcar com alguma crítica que alguém fizesse eventualmente, né? Então, ali a gente não pensou nisso. Então, até às vezes é bom que isso fique registrado, porque quando a gente tem mais jovem, a gente ultrapassa um pouco a linha de chegada. Mas não mandei para a secretária, não, mandei para ele. Outra coisa que eu comentei, até você me fez uma pergunta, que é da forma como eu falei que eu nunca tive assim, tanto interesse de trabalhar com, com o auxílio que não fosse público, eu acho que isso é uma coisa minha, assim, da ligação com o que é público, sabe? A minha formação educacional, ela foi quase que totalmente em escola pública. A escola pública, eu tive a felicidade de estudar numa época em que as escolas públicas eram muito boas, eu entrei com 4 anos no jardim de infância do instituto de educação aqui de Curitiba. E eu saí com 18 anos, com o diploma de professora, não é? Falamos normalista, não é, professora na época de primeiro grau. E depois eu estudei na Universidade Federal do Paraná, e eu fiz humano na Universidade Católica, para poder, algo que eu nem usei, mas regularizar, que eu poderia ser professora, digamos, de inglês, porque eu tinha terminado a Cultura Inglesa, então a Cultura Inglesa aqui, eu estudei um pouco de italiano e francês, e isso eu fiz nessas escolas particulares, então acho que eu estou muito assim-- E eu 00:50:00trabalhei como funcionária pública em grupos escolares até 4 anos, cerca de uns 4 anos, um pouco mais, e depois também na Universidade Federal do Paraná. Então eu tenho esse sentimento, e eu me sinto bem, sabe, de ter trabalhado dessa forma. Claro que cada época é uma época. Outras épocas podem ser outras. E quando eu falei isso, eu não quis dizer que eu não acho importante o auxílio da empresa na pesquisa. E até hoje, eu não sei como está, mas eu sempre fui muito favorável àquelas incubadoras dentro das Universidades Públicas, fazer também aquela união com empresas, né? Para quem trabalha com uma pesquisa aplicada que possa gerar um produto, gerar um processo tecnológico, enfim, uma invenção também, então, não é, pode ter ficado assim, que eu valorizei tanto essa parte pública, mas eu sou, eu acho muito importante essa colaboração. E na época em que eu não era professora que começaram essas incubadoras. Isso era muito difícil. Não sei como hoje está. Muitas vezes, o empresariado brasileiro já tem tudo que já vem do exterior. Pode ser até que com as startups a coisa seja diferente, mas eu sou muito favorável, porque eu acho que isso aí é extremamente importante para a economia do país e seu próprio desenvolvimento, às vezes das empresas e de pesquisadores que são muito mais voltados para a pesquisa que leva aplicação. 00:52:00Então era mais para completar o que eu disse, para não ficar estranho. E também tem tanta fundação, né? Que como foi a Fundação Rockefeller, que ajudou tanto os departamentos de pesquisa, principalmente ligados à biologia no Brasil. E que também são extremamente importantes, não é? Então, o nosso departamento de genética, quando começou em 1951, ele pode ser alavancado também, com certeza, pela organização, pela Fundação Rockfeller e os outros também, então era só para esclarecer. Você me fez uma pergunta também sobre, eu sei que você tem interesse em gênero, não é? Então, você me fez uma pergunta se eu acho que-- Se realmente eu, eu às vezes era respeitada por mim mesma ou por causa que eu era, por causa do meu marido que tinha tanta importância como cientista, como ser humano. E eu nunca senti, assim, nada nem que ninguém, assim, que me dizer como, que me desrespeitasse aqui no Brasil. Mas eu posso te contar uma coisa que me aconteceu. Eu já falei em outras entrevistas, que me aconteceu quando eu estava na Inglaterra. Eu cheguei lá em 1970 e já entrei nesse projeto. E um ano depois, em 71, teve um Congresso Internacional de Genética Humana. Foi o primeiro Congresso Internacional de que eu participei. E eu levei, digamos, o começo desse trabalho, e naquela época os trabalhos eram apresentados oralmente e não era ainda essa fase de tanta gente, de ter painel assim. E a sala onde o nosso trabalho seria apresentado era 00:54:00pequena, mas tava cheio. E também o nosso assunto era muito, é, eu acredito que era só sobre a ligação genética, porque eu lembro que quem me antecedeu foi o Renwick, que trabalhava também na Inglaterra, em Londres, com ligação genética, principalmente com parte assim de programação e parte teórica também, um pouco numérica de fazer, de, acho que ele desenvolveu um método bem para a gente ter uma certa avaliação da significância daquele resultado de ligação que a gente obtivesse. E ele fez lá, ele já era um, era um cientista respeitado, e apresentou assim até meio que deu um pequeno show, para você entender, ele provavelmente no hotel um cabo de vassoura ou a própria vassoura, não lembro, e um lençol, porque ele tinha lá uma certa, ele fazia sempre uma distribuição lá dos log scores, que eram os resultados finais lá, da ligação. E como que ele se distribuía, então, a curva era feita pelo lençol, com aquele, segurando por lá com aquela vassoura. Isso eu não esqueci, ninguém deve ter esquecido, não é? Então ficou muito marcado. E ele terminou, e eu acho que ia ser a seguinte, fui eu, que já não foi uma coisa fácil, não é? Eu muito jovem e ficar na frente lá daquela audiência, que era de geneticistas que trabalhavam com genética humana, muito famosa. A mesa também famosa, eu lembro de um deles, que era famoso, os outros até eu 00:56:00esqueci, que também deviam ser famosos, mas você tem de qualquer maneira, eu só lembro de um. Daí quando eu terminei, aí vem a história do gênero. Quando eu terminei o presidente da mesa me agradeceu como ele agradecia a todos, como ele introduzia também antes da gente se apresentar o trabalho, então, no final, ele me agradeceu. Mas ele não-- No agradecimento ele me agradeceu muito pelo meu charme. Olha, eu sempre fui branquinha e corada, a pele assim, meio fininha. Quando nossa, então muito mais, mas o sangue veio, deve ter ficado roxo, e o que eu senti mesmo foi raiva. Olhei, não sei se raiva no sentido, assim, eu fiquei com uma colérica, digamos, em relação a ele. Eu fechei a boca e eu era muito nova, mas se eu não, se eu já fosse uma pessoa mais amadurecida, em outra época, eu teria olhado para ele e dito: "Agradeço muito o senhor ter feito essa observação sobre o meu charme, mas foi uma pena o senhor ter esquecido do Renwick. O senhor devia ter elogiado a gravata dele". Foi o que eu, sabe, porque você vê, eles não tinham noção. Ele achava que ele estava me fazendo uma gentileza. Não estava em desfile de modas! Não está, não era concurso de miss, não era nada. Que história é essa? E isso era um inglês. Não vou falar o nome porque, mas era um inglês. Agora eu vou falar um pouco de outros ingleses. Por isso que eu fiquei muito chocada até, 00:58:00sabe? Num dos congressos da Genetical Society, eu já tinha amigos ingleses, alguns eram um pouco mais novos que eu, que estava fazendo doutorado. Eu estava sentada assim, junto deles assistindo essa provavelmente era a última sessão do ano, que em geral acontecia lá por novembro, dezembro, e era em Londres. Ah! Eu já sei até quando foi, porque se eu estava junto com aquele grupo foi realmente em 1970. Novembro de 70, eu acho, não-- É, novembro de 70. Ou 71, mas acho que é 70. E tinha uma jovem pesquisadora australiana, que provavelmente estava na Austrália, deve ter feito um estágio lá, e veio se apresentar. E eu sempre, sabe, mesmo não tendo tanto interesse em roupa, mas eu gosto muito de cor. Eu gosto muito da parte estética. Eu lembro até hoje que ela estava com uma roupa verde e ela era uma moça muito bonita, loira. E já, já devia ter assim, um pouco de, era uma roupa verde e com [inaudível 1:06:54]. E ela estava de bota, provavelmente ela, 71, porque eu também estava usando bota. Você sabe que quando terminou, eu fiquei tão bem impressionado com o trabalho dela. Era um trabalho evolutivo, sobre evolução, se não me engano, de hemoglobina em Canguru. Deve ter estudado, não sei, não sei explicar agora, mas era evolutivo da hemoglobina em Canguru. O trabalho do valor dentro da-- Do entendimento de Canguru, né? De quem é o especialista ainda trabalhando com hemoglobina. Quando terminou, estava encantada com aquela moça. 01:00:00E o que que eu conheço, colegas disseram, se referiram a roupa dela, a bota. Sem cabimento. Então você veja que-- Aquele início da década de 70, acadêmicos, não é, pessoal de universidades inglesas, homens, eles tavam ali muito estranhos mesmo, não é? E eu, então eu acho que. Que isso podia ser meio geral na Europa. Isso eu nunca tive com o meu orientador. Meu orientador era uma pessoa, assim, avançada, sabe, e também do ponto de vista humano. Eu acho que aí também tem algum problema humano nessa, nesse problema da não valorização, não é, no sentido da mulher, de modo que eu, quando o homem é culto e, entendem, não é mesmo naquela época, quando não se falava tanto de diversidade, de nada. Ele sabe respeitar a mulher como respeita um homem. Deixa eu ver o que mais-- Você me fez uma pergunta do MIM, né? Do McKusick. Eu até, você sabe que funciona ainda, é uma coisa muito boa para as pessoas terem informação sobre genética humana, genética médica. Eu vi pelo meu celular, só que no começo eu não era ainda OMIM, o "O" foi quando se tornou online. Era só Mendelian Inheritance in Man, era MIM, mas era um livro impresso. Começou um livro não muito grosso e foi aumentando, aumentando. Chegou num 01:02:00ponto que era muito grosso e depois eu até não sei se não tinha mais de um volume, e que foi criado o mesmo pelo Victor McKusick. E eu tive a oportunidade de conhecê-lo. Eu acho que até uma vez num congresso brasileiro, mas eu conheci lá em Paris na época. E também, é, esse, falando um pouco desse congresso de Paris, ele me deu uma grande oportunidade de conhecer muitos dos geneticistas que eu conhecia pelos artigos e pelos livros. Então ele foi muito importante para mim, como também foi a própria Inglaterra de eu conhecer os pesquisadores britânicos, né? E às vezes, algum outro pesquisador de fora da Índia também, que fazia a visita, enfim, de outros países, não é? E eu, o Victor McKusick, eu fui pesquisar para ver se era mesmo MIM, e depois OMIM, e ele é considerado o pai da genética médica, né, no mundo, e eu sei que eu, o professor Oswaldo Frota-Pessoa considerava o Newton Freire-Maia o fundador da genética médica no Brasil, por causa também de ter iniciado aconselhamento genético, começado a fazer trabalho de genética com pessoas que têm patologias. Eu acho que era isso. Não sei se acrescentou alguma coisa, mas sempre às vezes, alguma coisa que possa ser corrigido ou complementado.PINA: Acrescentou bastante, sim. É, a senhora falou que essa questão do
gênero, a senhora sofreu muito na comunidade europeia, né? Esses episódios, assim, na comunidade brasileira não teve nenhum episódio.FREIRE-MAIA: Não tive nunca, que eu lembre, não. E eu comecei, sabe, na
01:04:00comunidade brasileira, assim, deu participar de congresso já em 1965. Eu nem tinha terminado a graduação, foi o primeiro congresso da Sociedade, da Sociedade Brasileira de Genética, que era junto com a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência. E em 65, se eu conhecia algum pesquisador, é porque, porque tivesse visitado o departamento de genética, isso eu não sei te dizer agora, então, porque depois, quando houve o nosso curso de mestrado, eles vinham para dar as aulas na pós-graduação. Daí, mas e em 65, eu não lembro se eu fui no congresso 1966, 1967, aos 1968 eu não, não fui. Então eu fui sendo conhecida, ainda solteira e fui sendo conhecida nos congressos e fazendo amizade, não é? Sempre tive amizade com essas geneticistas do Rio Grande do Sul. Mas algumas da minha idade, alguma um pouquinho mais velha, e depois, logicamente, também as mais jovens um pouco com o grupo de São Paulo, não é, da capital. Já ali por, eu acho que em 1969, eu conheci a professora Eliane Azevedo da Bahia. Eu sei do seu, até desculpe falar o que eu vou falar, mas eu sei desse teu interesse pelas pesquisadoras brasileiras e a Eliane Azevedo é uma pesquisadora de muito valor, e até depois de não estar mais fazendo trabalho só de genética, ela desenvolveu a linha de ética em pesquisa, orientou mestrado, doutorado. Ela foi reitora da Universidade Federal da Bahia, 01:06:00então, ela foi orientada do cientista Newton Morton, fez doutorado com ele no Havaí, e ela trabalhou na Hospedaria de Imigrantes nesse projeto que depois eu utilizei os dados para fazer o estudo de ligação. E eu, eu conheci a Eliane num Congresso de Genética Humana em Porto Alegre. Eu lembro bem disso. Ela tinha recém chegado do Havaí, e já começamos a ser amigas. E aí, Eliane, quando eu estava em Birmingham, e que eu ia às vezes para o Instituto Galton, lá em Londres. Eu fui uma das vezes em que a Eliane estava fazendo um estágio, eu acho que também trabalhando com enzima, e o professor Moacyr, doutor Moacyr Mestriner que foi professor de genética, bioquímica humana em Ribeirão Preto, também estava lá. Eu acho que foi lá que eu conheci o professor. Não tenho certeza se foi lá que eu conheci o professor Mestriner. Anos mais tarde, uma das minhas colaboradoras, professora Maria Angelina Canever de Lourenço, que faleceu há 2 anos, ela esteve no laboratório do professor Moacyr Mestriner, para aprender as técnicas de eletroforese, que depois nós utilizamos para o estudo de butirilcolinesterase. Então, eu pude aproveitar, aí o professor Moacyr Mestriner, eu não sei se ele teve também formação em bioquímica, porque ele, dentro do nosso grupo da época, ele era o que trabalhava muito com 01:08:00a parte bioquímica da genética. Então os dois, eu estive com os dois, eu, a Eliane, até fiquei mais sai com ela, provavelmente jantamos, tudo, mas o que eu já conhecia, né? Em 68 e devo tê-la encontrado, não sei se foi em 72, e o Mestriner realmente eu estive no laboratório vendo ele aplicar as enzimas ali no gel. Provavelmente feito com amido [inaudível]. É, é isso.PINA: A minha orientadora, ela tem um artigo sobre, né, do ponto de vista da
história da ciência, sobre a Eliane Azevedo.FREIRE-MAIA: Formidável.
PINA: Sim, depois posso te mandar se a senhora quiser, um trabalho bem legal,
bem interessante.FREIRE-MAIA: Eu tenho muita admiração pela Eliane, de vez em quando nós nos
comunicamos pelo WhatsApp.PINA: Legal. Legal. A senhora conheceu a Cora Moreira?
FREIRE-MAIA: Eu conheci nesse começo ali de frequentar as reuniões, não é,
no SBPC, não é? Eu lembro dela alta, magra, porque ela foi eu acho que uma das fundadoras, não é? Dessa parte, iniciou a genética humana lá na Bahia, não é? Sim. Mas eu acho que não era no hospital onde a Eliane depois começou, tenho a impressão que eu devia ser talvez Faculdade de Filosofia, Ciências não é, e Letras talvez, eu lembro dela. Ela é muito amiga do grupo, um pouco mais velha que eu, né? Galera muito respeitada, professora Cora. E ela também tinha equipe. Conheci algumas pessoas da equipe dela.PINA: Entendi, é, a gente tá atrás de notícias dela porque tem pouca
01:10:00documentação sobre ela.FREIRE-MAIA: Talvez a professora Eliane saiba alguma coisa. Ou posso encaminhar
vocês para quem trabalhou com a professora Cora, até eu tenho um amigo que tinha ligação com pessoas do grupo da Cora, sabe?PINA: Ótimo, ajudaria bastante. É, bom, falando, né, a senhora já falou um
pouco do Congresso de Genética que acontecia dentro da SBPC, uma das perguntas que eu queria te trazer hoje é: Qual, como é que foi a primeira reunião de genética dentro da SBPC que a senhora foi? Os detalhes da viagem, as pessoas que você conheceu, os trabalhos. Quero saber.FREIRE-MAIA: Olha, eu o que eu posso dizer é que eu estava tão nervosa. Eu
estava muito nervosa, porque eu ia apresentar esse projeto Curitiba 3. E na realidade, as 3, era eu, a Maria da Graça, que eu já falei, Azevedo, não é? E que depois ficou com o sobrenome do marido Fialho, e a Ieda Procópio de Aguiar, que depois casada se tornou Volter. Aí, por algum motivo eu não pude ir, e a Maria, a Maria da Graça, ela acompanhou o professor Newton Freire-Maia, na época que eu chamava de professor, junto com a primeira esposa dele. Os 3 foram para Leiria, em Portugal, para fazer um trabalho de consanguinidade em Leiria. Então, eu estava sozinha. E eu era a mais nova ali. Eu é que sabia 01:12:00menos de genética. Então eu ia falar muito da parte da metodologia, não é? Eu fiquei muito nervosa. E eu, às vezes, como título era um título, assim, abrangente, falava provavelmente em educação, aspectos clínicos, teste de inteligência, não é? Não sei como é que era o nosso resumo. Eu cheguei a escutar pessoas da área humana, quer dizer assim, das ciências humanas falando: "Oh! Esse trabalho, quero assistir esse trabalho!". Eu pensei, meu deus, esse trabalho vai encher de gente na sala. E não sei, a troco de que naquela época, sabe, a SBPC não era como, mas anos mais tarde, ela se tornou a programação fixa e acabou. Só que lá as vezes eles trocavam, e eu fiquei tão feliz que puseram a minha para o último dia, quer dizer, a minha a sessão onde eu participaria, não é? Porque daí muita gente já tinha ido embora também, não é? E ali, provavelmente, só ia geneticista, então isso foi uma coisa meio cômica. E eu estava tão nervosa. Bom, eu achei extraordinária, não é, você poder assistir, sempre achei isso na SBPC até hoje, você assistir às vezes reuniões de outros assuntos, com outros pesquisadores, e outros intelectuais também, não é? Então é uma reunião muito rica e para mim era, em 65, era a segunda vez que eu saía de casa assim, sem família, porque primeiro foi em 64, quando eu fui lá para São Leopoldo com a Maria da Graça, que eu acho que eu falei para você e com a Ieda que nós apresentamos também esse mesmo trabalho Curitiba 3. Então essa era a minha segunda viagem, 01:14:00né? Eu lembro que eu fiquei hospedada assim, um tipo de um pensionato de freiras, sabe, que não era longe. A gente podia ir a pé para onde estava sendo realizada, eu não sei se era a Faculdade de Medicina, a reunião toda, não é, aquela época não era assim a quantidade de gente que tem hoje, não é, para assistir. E eu lembro que eu estava tão nervosa. E eu tinha amizade com o grupo também do professor Ladowski, que é da fisiologia aqui de Curitiba, pesquisador também, que ele-- E ele era muito amigo do pessoal da USP, da bioquímica, da fisiologia. E eles iam para Ouro Preto. E eu numa dessas disse: "Ai eu vou conhecer Ouro Preto". Então eu não sei se era tarde, se eu fui com eles, não sei se foi mais do que isso. Eu só sei que alguém anotou que eu fui para que eu falhei, sabe, aquelas sessões da SBPC, porque depois, né, na vinda, eu sei que eu não é que ele me chamasse atenção, mas ele disse: "Eu soube que você foi visitar--", o Newton Freire-Maia, não é, "Você foi para Ouro Preto com o professor Ladowski". E eu um medo, não é, agora que vem aí um--PINA: [risos]
FREIRE-MAIA: Eles chamavam Pito naquela época, e ele falou: "Fez muito bem,
sabe por quê? Cultura é muito importante". [risos]PINA: Ai que alívio.
FREIRE-MAIA: E o professor Ladowski, se não me engano, era pernambucano, porque
depois ele saiu de Curitiba, voltou para Recife. E eu acho que ele tinha vindo de Pernambuco para Curitiba, ele provavelmente era médico, trabalhava na 01:16:00Faculdade de Medicina dos Maristas, que depois mais tarde isso se transformou na PUC. E o professor Ladowski era um homem culto, ele era casado com uma mineira. Não sei se o Ladowski que era mineiro, mas ele entendia muito da história de Minas Gerais. Nossa. Ele mostrava: "Esse banco aqui foi aonde que o Cláudio Manuel da Costa escreveu--", não sei, o outro e o outro. E eu sempre gostei de história, estudei, assim, o que era necessário, né? Porque a gente por esse tempo, tirar boa nota e tal. Mas hoje eu vejo que se eu tivesse ido também para o campo, de pensar que a ciência me puxava mais, mas o campo da história é um campo muito bonito, mas eu no ginásio, chamava ginásio lá, o tal do primeiro grau. Eu, se fosse para perguntar da história do Brasil, o que mais me tocou foi Inconfidência Mineira. Então, para mim, aquela visita para Ouro Preto foi muito importante, então a minha primeira, a minha primeira reunião da SBPC também foi bem histórica. E quando eu vi o túmulo do Tiradentes lá no museu, eu estava andando e vi que no chão que tinha lá o túmulo, tinha dentro, nossa, fiquei muito emocionada. E então estou lembrando disso para ter contar que também as reuniões têm isso, né? Que também eu provavelmente me entrosei um pouco. O pessoal da bioquímica de São Paulo tem isso, eu também, entre os jovens a gente conhece os outros, não é? Devo ter conhecido mais gente da USP. Me tornei assim um pouco mais ligada com, até cheguei a conhecer talvez lá, mas que não lembro, foi assumir uma tese, não é? A . Eu acho que 01:18:00a Maria Helena, as duas foram gentis comigo. Não sei se eu te conto uma coisa, nem sei se vale a pena, depois, se for na entrevista, mas é pra ver coisas assim, bem femininas. Então, elas me chamaram antes da reunião que elas já tinham me visto lá, de certo, ajeitando alguns slides, alguma coisa. Elas me chamaram, falaram: "Eleidi, a sua anágua está um pedaço, está aparecendo", a gente usava anágua. Nem sei bem como era, para assim, não é, para-- Não sei se o vestido não era forrado, ou se era uma combinação que está, mas era anágua mesmo, porque era na cintura. Ai, daí se eu levanto, eu fiquei nossa, imaginei me apresentar ali na frente. Meu vestido era um azul forte, ainda a anágua branca, já viu. Eu sei que daí, eu saí dali, me dei uma escondida atrás lá, numa escada, e levantei o cós ali no meio para depois, quando fosse o apresentar, estivesse em forma. Você vê que talvez se fosse um homem não teria seu problema. Isso tem um pouco a ver, pois de gênero também. Obviamente se a camisa dele tivesse fora da, mas nós, mulheres, sempre tínhamos esse lado, né? Imagina se vai aparecer a anágua.PINA: Uma preocupação, né? E dessas reuniões de genética da Associação de
Genética e da SBPC, em algum momento estar nessa reunião, nessas reuniões, te deu uma oportunidade de parceria, de pesquisa, uma oportunidade de pesquisa de trabalho?FREIRE-MAIA: Olha, os meus trabalhos com a butiril, é, não tinha, fora o
professor Magna, junto com o professor Bernardo, trabalharam pouco tempo com 01:20:00isso, não tinha outras pessoas para eu fazer muita parceria. Eu vou pensar um pouco-- É, com relação ao professor Salzano, logo depois do meu doutorado já começou a nossa parceria, com a parte das comunidades indígenas. E a gente teve a parceria também com o Henrique Krieger, que eu já tinha sido orientada, assim, como a gente pode chamar assim de uma iniciação com o Newton Freire-Maia, que ele formou o grupo dele, então eu, quando eu conheci o professor Calógeras, que já houve por causa da própria ligação com o professor Freire Maia. Agora, a gente tinha bastante, conversava muito. Eu lembro que uma vez o professor Warwick Kerr, ele quis que eu fizesse uma análise, ou se eu, o que eu achava dele usar a metodologia de ligação usada na espécie humana para ele estudar a ligação em abelha. Daí eu expliquei para eles, não é, escrevi uma carta explicando que, para abelhas, o que ele fazia era o mais indicado, que aquela metodologia toda tinha sido realmente feita para a espécie humana e para, principalmente, em geral, para duas gerações. E ele, do jeito que ele fazia, fazendo criação de abelhas, podia ter várias gerações, a metodologia que ele estudava estava perfeita. Eu acho que uma vez também, mas daí já havia muito entrosamento com esses pesquisadores, eu tive, eu e Newton Freire Maia já éramos casados nessa época, depois, talvez não sei se década de 80 nós fomos, ele foi convidado 01:22:00para ir para Salvador. Eu acho que eles davam os cursos lá. E eu não sei se a gente já planejou antes, mas eu indo para lá, nós, comecei um projeto também de butirilcolinesterase com populações baianas. Eu e também tive trabalho em que eu fiz as análises em trabalhos da Eliane, relacionados com casamentos preferenciais na Bahia, eu acho, em Salvador, são trabalhos, porque foram publicados, em relação a, por exemplo, a cor da pele e outros traços, se havia alguma preferência para aqueles que eram classificados como branco, casado com um branco, mulato com mulato, negros com negro, ou se casava, quando casava branco com mulato, se acontecia exatamente de uma forma assimétrica se a mulher era branca e o homem era mulato, ou a mulher era mulata e o homem era que era branco, que não é verdade, não é? Em geral, quando é o escuro, a mulher pode ser um pouco mais escura, em geral naqueles trabalhos, viu. Então nós fizemos uns trabalhos assim dentro da antropologia, eu tive essa participação nesses trabalhos, cujas amostras foram coletadas pelo grupo da Eliane. Eu estou lembrando de dois trabalhos. Depois outros trabalhos foram por causa, às vezes pessoas que vinham ser orientadas aqui, né? Eu tive trabalho com o João Guerreiro de Belém do Pará, mas ele fez mestrado comigo. E eu acho que é mais 01:24:00ou menos isso. Não sei se eu estou esquecendo alguma coisa, até a minha linha de pesquisa por ela ser assim que pouca gente trabalhava com ela, limitou esse aspecto de às vezes de muita, muito entrelaçamento com outros grupos, né?PINA: A senhora pode comentar mais e falar mais, assim, dessa experiência da
parceria com o professor Salzano depois do doutorado?FREIRE-MAIA: Bom, eu lembro, não é, do professor Salzano me mandar, não é, a
documentação sobre as informações daquelas comunidades indígenas. Também havia o grupo que ele chamava-- Daqui a pouco eu talvez eu lembre. Que provavelmente são já miscigenados, sabe? Assim, dizer geral, são populações ali, ribeirinhas da Amazônia, e que então isso para mim foi muito interessante, trabalhar com a comunidade indígena. E realmente, o interesse também do professor Salzano é que ninguém tinha ainda trabalhado com o, estudando a butirilcolinesterase. E realmente pela parte étnica, não é, dos indígenas que são mais, às vezes são mais, assim, asiático, foi interessante ter feito esse trabalho, sabe? E poder caracterizar, eu acho que eles são trabalhos de um, não sei até o que que você acha como historiadora, eles têm o seu cunho histórico. Porque essas populações, elas vão se modificando, não é? Às vezes aumenta, diminui, e às vezes alguns grupos vão 01:26:00para outros locais. E eu, é uma caracterização, e também eu tive comunidades indígenas aqui, que é do grupo aqui de Curitiba, mas cedeu amostras. Quer dizer, colegas meus que tinham ido para, eu penso, estudar os Guaranis aqui do Paraná. A professora Maria Luiza Petzl, onde trabalhou muito com o professor Salzano, ela trabalhou muito, o sistema dela é muito importante por causa da grande variabilidade. Então dá muita informação interessante. E nesse trabalho que ela fez com o Salzano, usou provavelmente muita amostra dele, mas ela também fez é, a Maria Luiza Petzl-Erler, ela fez também, eles fizeram coletas em Mato Grosso do Sul. Então eu também colaborei estudando a butirilcolinesterase utilizando das comunidades indígenas no Mato Grosso do Sul. E também pesquisador da Fiocruz, que trabalhava junto com o Salzano, eu também usei materiais que tinham sido coletados por eles. Então, é, foi muito, eu achei muito interessante esse trabalho. Agora, o Salzano, para mim, sempre foi um mestre, não é? É, eu acho o livro dele publicado junto com Newton Freire-Maia sobre populações brasileiras, que depois foi publicado em inglês nos Estados Unidos, também acho um livro histórico aqui, sabe. Um livro histórico de biologia histórica, poderia talvez dizer genética histórica, é mais do que genética, porque tem demografia ali, tem muita coisa sobre a parte das comunidades, tanto eu imagino que tenha também sobre afro-brasileiros. Eu, já faz algum tempo que eu não leio, é um livro que 01:28:00sempre me encantou. Então eu acho que o professor Salzano, para mim, também foi um mentor. Sempre tive boas discussões com ele. Eu, o Salzano nos visitava bastante. E a seriedade do Salzano, não é? Qualidade em pesquisa, organização dele, utilidade como ser humano também, sabe? Então foi uma influência boa. Eu costumo dizer, não sei se eu já falei para você, eu acho que a minha geração, assim, de geneticista, eu estou falando dos que trabalhavam com genética humana, que são os que eu conheço melhor, eu acho que nós fomos muito privilegiados pelos nossos, é, digamos, orientadores. Porque eles também eram muito amigos, eles eram sérios, eles eram, eles eram seres humanos muito especiais, e eles eram de uma categoria científica de primeira categoria. Então, por exemplo, o Newton Freire-Maia, o Salzano, o Frota-Pessoa, que eram muito amigos, não é, e depois, as gerações logo depois deles que vieram, não é, que também o Antônio Cordeiro também, que é da mesma geração. Que também era um pouquinho, tinha um pouco mais de idade do que o Salzano, que faleceu faz pouco tempo, e que estudava muito a parte de evolução, daí não era genética humana. Mas ali a amizade deles era tão grande que eles todos também trabalharam com, na realidade com drosófilas, depois passaram para a genética humana. Então eles foram todos 01:30:00muito importantes, sabe? Nós fomos privilegiados. Mas depois os que foram um pouco mais jovens que ele, até um pouco mais velhos, que também era uma geração que nos deu ali um ambiente intelectual, de respeito, de ensinamento, sabe? Que eu não sei se hoje isso existe. Às vezes, quando alguma coisa cresce demais, é, certos valores se perdem, porque também eram valores assim, unidos por uma amizade verdadeira, não havia essa coisa de competição, ser melhor que o outro, sabe? Eu acho que eles todos tinham consciência de que eles eram muito bons. Eram seguros, não precisavam ali de picuinhas.PINA: Nessas pesquisas que a senhora fez com o professor Salzano, utilizando as
amostras de indígenas, a senhora chegou a ir na nas comunidades indígenas, ter contato com os sujeitos humanos?FREIRE-MAIA: Não, porque eu já recebia o plasma que já estava estocado, né?
Lá em Porto Alegre sempre eu recebi o plasma, mesmo o dos meus colegas aqui do departamento, eu recebi o que eles tinham coletado. Acho que talvez tenha até deles recebido também hemácias E recebi também da pessoa, Maria Luiza. Eu acho que eu gostaria até ter ido em comunidade indígena. Eu tenho muito respeito pelas comunidades indígenas também. As comunidades indígenas são tão ameaçadas pela cultura nossa, atual, pela nossa política, por tudo, né?PINA: Mas, do ponto de vista da pesquisa, teria feito alguma diferença a
senhora ter conhecido as comunidades? 01:32:00FREIRE-MAIA: Eu acho que para o que eu estava examinando não. E eu acho que
para o antropólogo é que precisa mais, não é? Ou que se eu tivesse iniciado a pesquisa naquela comunidade, daí sim teria que ir lá ver bem o que está sendo perguntado, como está sendo perguntado, como está sendo respondido, né? Como está sendo feita a parte da coleta. Mas como eu já tinha material para trabalho, daí não.PINA: É, eu queria saber também, ao longo do teu trabalho na Universidade
Federal de Curitiba, ali no departamento de genética, esses anos todos, né, se dedicando ao departamento, como a senhora poderia descrever a relação do departamento de genética de Curitiba com o departamento de genética do Rio Grande do Sul?FREIRE-MAIA: Olha, eu acho que sempre foi muito bom. Então você vê, eu e o
professor Bento Arce Gomes fomos os primeiros que foram fazer o doutorado em Porto Alegre. Porque nós não tínhamos doutorado aqui, depois foram o professor Edemir Cavalli, o professor Lodércio Culpi e o professor Ives José Sbalqueiro. E esse é o que eu estou lembrando, então aí eu já estou contando cinco professores do nosso departamento, não é? É, eu acho que foram eles que fizeram esse tipo de, esse doutorado, né? E eu sei que o, eu acho que o Salzano foi orientador do Lodércio Culpi, a Margarete do professor Edemir Cavalli, do 01:34:00Ives Sbalqueiro, e o Bento Arce Gomes deve ter sido-- O Salzano também. Acho que está faltando um aí, o Edemir, o Ives, ah, o Lodércio. Eu não sei, deve, eu não sei se havia ali uma coorientação de Newton Freire-Maia no caso do Lodércio, não tenho certeza. Eu, havia talvez algumas coorientações aqui do grupo de Curitiba, sabe? Talvez no pessoal da citogenética, o Francisco Marsalo tenha feito alguma orientação, mas eu não tenho certeza, então eles tiveram toda essa influência. Eles tiveram influência de definir, participar de cursos na nossa pós-graduação, o professor Salzano, eu acredito que o Israel Rosemberg deve ter vindo, também, provavelmente a Margarete fez algum curso com a citogenética. Tem mais. Eu sei que o Aldo, Aldo... Agora eu não...PINA: Arce-Gomes?
FREIRE-MAIA: Não, Aldo, o Aldo que é que nós tínhamos um Aldo, mas esse é o
outro, é o Aldo de Porto Alegre. E o Aldo ele até participou da minha banca de doutorado. O Aldo também deve, ele veio porque ele começou a trabalhar com uma evolução de borboletas. E até uma das orientadas dele depois veio a ser professora no nosso departamento, mas depois acho que ela voltou para Porto 01:36:00Alegre. Então ele também teve uma certa influência aqui. Então sempre houve entrosamento. Agora, com Maria Luiza Petzl foi muito grande. Maria Luiza tem muita publicação em conjunto com o grupo de Porto Alegre. Com a Mara Rutz, com o Salzano, com a que trabalha muito com a parte também da informática... Você já me falou o nome dela, como é, agora me escapou.PINA: Nossa, também. A-- Virgínia, não.
FREIRE-MAIA: A Virgínia até veio fazer doutorado aqui, sabe? Com o grupo do
professor, então também teve isso. Muita gente também de lá acabou vindo para cá. A Virgínia veio fazer o doutorado dela com o grupo do professor Cavalli e da Nyusi Ribeiro, a Virgínia, não é, que era de lá, mas é a... Daqui a pouco a gente lembra, enfim, a Maria Luiza Petzl tem muito trabalho com eles.PINA: A gente foi andando na conversa e ficou uma pergunta que eu queria te
fazer sobre as reuniões da SBPC e da Associação de Genética que ficou para trás, que eu te perguntei da primeira, mas eu queria ouvir da senhora, se tem alguma, é, reunião, para além da primeira que te marcou muito, que foi muito fundamental na sua formação como geneticista.FREIRE-MAIA: É, [risos] eu, sabe também porque essa história de ficar nervosa
foi várias vezes. Eu lembro que a Ieda Aguiar estava comigo. Eu não sei se foi a reunião de 67 ou 66, porque eu também estava desenvolvendo um trabalho com 01:38:00uma amostra junto com o neurologista e o Newton Freire-Maia. Uma amostra de crianças que eram, as informações eram coletadas numa escola de crianças com problemas de intelectuais. E eu lembro que ao fazer a análise até uma grande amiga, Lúcia Garcia da Fonseca, que era assim, um pouquinho mais velha que eu, mas que ela veio já era mãe de dois meninos, eu acho que até de três, e veio terminar a parte da História Natural. E a Lúcia, brilhante a Lúcia, e a Lúcia logo começou a trabalhar com o Newton Freire-Maia em minha pesquisa de casamento consanguíneo. Não sei se é só estudante, porque, ou continuou depois. E o pai da Lúcia era um grande estatista da. Daqui a pouco eu lembro, mas do órgão da fundação que faz o censo. Como é? A--PINA: IBGE?
FREIRE-MAIA: Eu acho que ele era do IBGE. E ele, então, queria eu acho que
fazer um tipo de uma análise diferente, além de fazer aquela que eu fazia. E a Lúcia, "Ah, o meu pai vai te dar ideia". Ele veio aqui me visitar, ele quando vinha também fazia a palestra para nós, não é, por causa do, eu não sei se ele era também professor da universidade, mas ele frequentava congressos internacionais, ele era um pesquisador de valor. E aí ele disse: Olha, tem alguma coisa que você, mesmo quando você não acha que dá zero, às vezes, 01:40:00não lembro exatamente o que que era, você pode dizer que aquilo, qual é o limite daquilo. Olha, não sei te explicar agora. Mas eu usei aquela metodologia para dar alguma significância lá, para o valor que eu tinha, e eu apresentei aquilo lá. Era também oral. Ficava a sala com aqueles que eram os nossos, digamos, os mais velhos, os pesquisadores, não é, de olho na gente. E o professor Saldanha também trabalhava com esses problemas de retardo mental. E eu lembro que ele me fez uma pergunta, que agora eu não lembro bem, mas era sobre aquela análise. Eu acho que ele achou meio diferente, né? Depois, no aparelho, eu dei, respondi, né? Não acho que eu nem consegui responder, o professor que era muito amigo do Saldanha, o Bernardo Beiguelman que levantou, o Bernardo Beiguelman, aquele tamanhão dele, com o vozeirão, falou para o Saldanha e começou a discutir com o Saldanha que como que o Saldanha dizer aquilo e "pá pá pá, pá pá pá", porque aquilo que eu tinha feito eu tinha feito por causa de tal motivo, porque não sei, não sei o que. Eu fiquei quieta ali [risos], é, aquilo, achei ótimo isso. Nunca esqueci. Sou muito agradecida ao Bernardo.PINA: [risos]
FREIRE-MAIA: Até o quando eu fui para Campinas naquele encontro que foi o
Magna, eu, e o professor Lúcio Azevedo, que falamos sobre a história da genética, ali houve uma homenagem ao professor Bernardo que foi feita pelo Magna, porque o Bernardo foi quem começou o Departamento de Genética Médica na Universidade de Campinas. E o Magna, até há poucos anos, quando eu fui lá 01:42:00ele era ainda da Faculdade de Medicina e desse departamento. E a senhora do Bernardo e uma filha vieram de São Paulo para assistir essa homenagem. Então, depois que eu apresentei a minha parte, eu disse que eu queria dizer algumas coisas a respeito do Bernardo. Porque eu, eu sempre tive muita admiração pelo Bernardo. Achava o Bernardo às vezes muito instigante. Às vezes a gente até não gostava de umas coisas que ele dizia, sabe? Mas ele era estimulante. Ele fez muito bem para o pessoal mais jovem também. E eu contei essa história, porque eu achei que elas iriam gostar. Acho que eu contei nesse momento, mas uma coisa que eu falei do Bernardo, que eu acho muito bonita, é que o Bernardo Beiguelman tinha um carinho muito especial pelo Newton Freire-Maia, e ele, quando se dirigia ao Newton Freire-Maia em carta, ele chamava o Newton de Lamed Vav. E eu dei uma olhada para saber bem o significado, e o Lamed Vav, eu acho que em alguma história judaica, agora eu não vou saber explicar direito teria que consultar, mas é aquele que une a sabedoria, bondade, tudo, que só pelo fato dele existir, digamos, a comunidade poderia ser salva, digamos, se um Deus raivoso, irado, achasse que esse grupo aí, tá terrível, melhor destruir, mas pelo Lamed Vav vou ter consideração e vai ser, algo assim. Então era algo super especial dentro da história judaica. Então eu lembro que eu terminei o 01:44:00que eu falei sobre o Bernardo, e eu disse que o Bernardo para mim também era um Lamed Vav. Eu acho que a família dele também ficou muito agradecida. O que mais que você me perguntou? Então isso já juntou com outras histórias, viu? É, a gente de idade gosta de contar história. O meu marido falava que depois de certa idade a gente abre a boca e não para mais.PINA: [risos]
FREIRE-MAIA: Outras coisas dessas reuniões. Ah! Teve uma reunião, né? Que foi
terrível alí. Agora eu misturo, teve uma que foi em Brasília, eu acho que na época da ditadura teve uma que foi, que não era para ser, e o arcebispo Dom Arns, ele ofereceu a PUC, eu acho que já era PUC de São Paulo, para que a gente fizesse a reunião lá. Ali também aquilo foi muito marcante, porque eu não lembro porque que o governo estava implicando que se fizesse a reunião, de certo no espaço da USP, os detalhes eu não lembro. Mas aquela lá em Brasília, eu lembro que havia era um estádio. Não sei se estou misturando as duas. Eu lembro que era um estádio, e a mesa era grande, o Newton, que fazia parte da diretoria, ele estava na mesa. E a gente sempre estava com medo que entrasse policiamento militares, nós vivemos épocas difíceis. Eu lembro muito também de uma reunião, eu não sei se eu também, pode ser uma dessa, em que 01:46:00foi feita uma homenagem para Galileu Galilei, sabe? Eu lembro que houve um papo que meio que reabilitou o Galileu Galilei, eu não sei se essa palavra está correta, mas que reconheceu o que a igreja tinha feito com Galileu Galilei.PINA: Eu acho que ele foi perdoado, né?
FREIRE-MAIA: O perdoou, e eu não sei se foi nesse mesmo ano que houve a
homenagem com o Galileu Galilei na SBPC. E eu lembro do Maurício Rocha e Silva naquela reunião. Não sei se ele era o presidente ou se ele fez um discurso muito especial, porque o Maurício Rocha e Silva sempre me impressionou. Então, era nessas reuniões que eu escutava as palestras dele, eu lembro que ele também mostrando que tinha sido publicado livros sobre a bradicinina, que acho que foi publicado no exterior, mostrava aquele livro grosso, então provavelmente tinha sido publicado há alguns meses. Ele foi lá para nos mostrar. Então você vê que isso foi algo que me marcou, porque o meu marido sempre falava que naquela época, um pouco depois, não é, se fosse para alguém ganhar o prêmio Nobel em ciência aqui no Brasil, seria o grupo do Maurício, seria o Maurício, né? Porque aquilo teve um, foi de muita importância. O que impulsionou trabalhos com a bradicinina, quem viu o [inaudível 1:55:19] foi o Beraldo. E o Beraldo era amigo do Newton Freire-Maia do tempo de Belo Horizonte, quando eles eram jovens, que eu acho que o Beraldo devia estar fazendo faculdade de medicina. Eu acho que da mesma época foi amizade com a Olga e com o Baeta Henriques-- Porque eles são todos meio da, e 01:48:00também com a, que era um pouquinho mais velho, que você também entrevistou, não entrevistou mas escreveu sobre ela--PINA: Ah, a Sílvia-- Nossa, hoje eu tô ruim de cabeça. A Aline Prado?
FREIRE-MAIA: A Aline Prado. Porque meu marido também era amigo, outro do marido
da Aline, do Prado, é, que era mais velho do que Newton, mas que ele, se não me engano, ele era de Alfenas. E eu não sei qual o motivo que eu, o pai do Prado, ele conheceu o meu marido e disse que o meu marido lembrava o filho dele, que estava já estudando em São Paulo. Então, o Newton, eu acho que não sei se conheceu o pai antes, mas eu acho que o Newton quando foi para São Paulo já se hospedou com a Aline e com o-- Nossa, faltou o primeiro nome do-- Daqui a pouco vem o nome dele.PINA: Do esposo da?... É o José Leal Prado.
FREIRE-MAIA: José Leal!
PINA: Eu estou pegando aqui o nome da Silvia.
FREIRE-MAIA: --Que eu também conheci, então, essas reuniões para mim também
eram importantes, de encontro com Beraldo, com o Leal Prado, Aline, e claro que depois que terminou a ditadura que veio a Olga e o Baeto Henriques, não é, que a gente pode-- Eu quero ver se eu acho depois foto para você que eu tirei numa das SBPC com eles aqui. O Newton, então, tinha tudo isso desses, porque, dessas amizades com outros grupos, não é? E não sei se você sabe, mas a Olga, de 01:50:00família, assim, de solteira, o sobrenome dela era Bohomolets.PINA: Sei.
FREIRE-MAIA: E eu acho que, é, acho que russa não é, o Bohomolets. O pai dela
era médico aqui no interior do Paraná, e quando Newton Freire-Maia foi estudar aquilo, podia que era, que essa, não é uma formação que falta parte dos membros superiores e inferiores que foi em Guarapuava. Tenho a impressão que ele era médico em Guarapuava, quem fez a-- Acho que radiografia aí, o estudo dos restos, vestígios ósseos que ainda essas pessoas com malformações tinham, foi o pai, eu acho que foi o pai da Olga. E o Newton no trabalho deu o nome desse osso, porque não é um osso como nós temos, é um osso específico daquelas pessoas, né? Então um osso modificado, ele deu o nome de osso de Bohomolets.PINA: Interessante.FREIRE-MAIA: São os causos da pesquisa, não é?PINA: É, só um comentário
assim. Para além da entrevista, isso que a gente está fazendo, a gente chama de História Oral, não é? E eu eu pesquisei 10 anos da revista Ciência e Cultura, então foram dez foram, eu passei muito tempo sistematizando todo mundo que publicou na Ciência e Cultura de 49 a 58. E aí eu, eu sempre me defrontei muito com esse problema das mulheres mudarem de nome quando casava, e então foi aí que eu descobri que a Olga tinha esse sobrenome antes de se tornar Henriques também, e eu nunca consegui pronunciarc esse sobrenome dela, e agora eu aprendi, assim, como a senhora falou, do Warwick Kerr, e eu vi ele muito também na Ciência e Cultura, e eu sempre lia "Uarwick" Kerr, e não "Varwick" Kerr. Eu 01:52:00acabei de aprender que é com "v".FREIRE-MAIA: Você, eu acho que está certa, é "Uarwick", mas aqui, digamos, nós, brasileiros, e o pessoal do interior ali de São Paulo que conhecia o Warwick, sempre o chamou de "Varwick".PINA: Warvick.
FREIRE-MAIA: Mas é com "w", e não, os mais íntimos o chamavam de "Viki".
PINA: Pra simplificar [risos].
FREIRE-MAIA: É, mas aí você falou alguma coisa que eu. Ah! Já sei. Sobre
Ciência e Cultura, você também me perguntou alguma coisa que me marcou, não é? Nas--PINA: Nas reuniões?
FREIRE-MAIA: É, teve uma coisa que para mim foi muito importante, porque eu fiz
uma vez uma palestra e eu acho que foi na SBPC junto com a, com a SBG, era com SBPC, eu acho. Que eu falei sobre aspectos polêmicos da teoria da evolução. Porque começou a haver muita, eu também dei aula de evolução, então começou a surgir principalmente nos Estados Unidos, grupos que eram, que trabalhavam paleontólogos que trabalhavam com fósseis e que achavam que de vez em quando havia salto na evolução, porque é, dentro da teoria da evolução, em geral, se falava que a evolução era contínua, não é, assim. E eles diziam, não, de vez em quando tem salto porque-- E outros diziam, não é, porque o registro paleontológico ele não é perfeito. Então vocês não tem amostra para poder ver essa continuidade na transformação. E eles achavam, provavelmente mesmo que de vez em quando dava salto, então começou também ser momento no salto e outros detalhes. Então, aí começaram a existir seus 01:54:00aspectos polêmicos. Não é que fosse para derrubar a teoria da evolução, tudo dentro da ciência, mas introduzir que de vez em quando as espécies poderiam surgir mais rapidamente e outras coisas nesse sentido, né, é que agora eu não lembro de tudo. E eu fiz uma palestra lá, e me tocou profundamente, porque eles não me deram uma sala muito grande. Porque havia, às vezes, conferencistas de uma área mais geral e que às vezes encheriam um anfiteatro. Só que essa minha conferência ela puxou tanta gente que ficou gente de fora, sabe, e teve um anfiteatro de um lado que ficou meio vazio, então aquilo nunca esqueci, e eu me senti muito honrada. E o tipo de pessoa que estava lá, as coisas que nós falamos de coisas, nossa, eu fiquei honradíssima. E foi publicada na Ciência e Cultura. Por isso, quando você falou, juntei. E quem examinou, eu mandei antes porque eu acho muito importante, às vezes que, pessoalmente, eu falando sobre evolução, que eu era professora da evolução, mesmo que eu tenha a visão evolutiva no meu trabalho de genética humana, e às vezes posso até numa discussão escrever alguma coisa, eu nunca fiz um trabalho experimental em laboratório, como quem trabalha com drosófila. Nunca fiz nada assim, que fosse dirigido para algum aspectos evolutivo mesmo, de modo que ali eu estava escrevendo como uma pessoa que eu fiz até o concurso para a evolução, dava aula de evolução, então eu quis muito que o Bento da Cunha lesse o meu artigo. Ele leu, deve ter dado sugestões, eu 01:56:00mudei alguma coisa e foi, eu acho até que. Não, eu não sei se ele fazia parte da-- Porque ele fez, eu sei que parte do corpo editorial da da editora da USP, mas é, e esse trabalho, sabe, eu tenho até pena de certa forma que, porque não, nunca, não é digitalizada, né? Ninguém consegue digitalizar aquelas antigas, eu acho, né?PINA: Tem sim. O site da hemeroteca digital do Rio de Janeiro tem a Ciência e
Cultura completa de todos os anos.FREIRE-MAIA: Que coisa boa, porque eu cheguei a ver, sabe? É, pessoas que me
citaram. Então, é sobre isso. Não sei se era da época, porque a gente distribuía separada, não é? Que a gente, é, isso é outra coisa. Se você quiser me perguntar, é coisa da, que não é, como dizem, das "calendas gregas".PINA: Que ano que foi que a Senhora publicou essa, esse artigo da evolução, a
senhora lembra?FREIRE-MAIA: Se, depois eu até posso, se você quiser ir perguntando alguma
coisa que possa ter que consultar.PINA: Não, porque aí eu achava no site para a senhora e te mandava, e eu
também, durante o meu mestrado eu tive contato com a Ciência e Cultura física. Foi um prazer enorme, assim, foi--FREIRE-MAIA: Eu acho que até agora eu recebo uma certa, é, uma revista, porque
eu, sabe, eu continuo sendo membro da SBPC e também da SBG, sempre eu pago lá minha assinatura. Me deixa eu ver, deve estar por aqui, e até mais antigo, então-- [Eleidi começa a procurar a revista] Desculpe, mas assim a gente para um pouquinho. Eu só fico, só publiquei isso na SBPC, e agora eu estou vendo 01:58:00uma vez, sabe? Daí até o Newton, acho que foi o Newton, foi convidado. Ele, ele diz, não tenho tempo, você podia ler esse livro e fazer a crítica. Ele provavelmente propôs e eu fiz uma crítica do livro do Konrad Lorenz. E outro dia, até eu li isso aí, A demolição do homem, não é, o título do livro, Crítica à falsa religião do Progresso. É um livro muito interessante, sabe? Para ser lido para a gente ver o tempos atuais, até esse livro foi publicado, pelo menos no Brasil, em português, em 86, então isso foi publicado na Ciência e Cultura. E os aspectos polêmicos da teoria da evolução são de 1990, a publicação. E essa outra lá, dessa crítica, é um, é pouca coisa. É a de 1986.PINA: É-- A senhora falou das separatas. A senhora tem pedido de separata guardado?
FREIRE-MAIA: Ai, eu nem sei se eu não joguei fora. Se eu tivesse algum, até
para, não sei porque eu guardo muita coisa no meu currículo. Eu sei que quando eu saí do departamento de genética, ainda tinha aqueles cartõezinhos.PINA: Isso!
FREIRE-MAIA: Mas sabe que é capaz que um dos meus amigos tenha--
PINA: Ai, por favor, se a senhora tiver--
FREIRE-MAIA: Eu vou perguntar pra ele.
PINA: Nós queremos fazer um estudo disso. Principalmente a minha orientadora,
há muito tempo, porque era assim que se formava a rede, né? Até se a senhora quiser comentar um pouco sobre isso. 02:00:00FREIRE-MAIA: Por que você veja, lá no departamento de genética. Já quando eu
entrei, o departamento, provavelmente com essas verbas, não é, que ele recebia da Fundação Rockefeller, é, pagava assinatura de revistas, então era boa nossa biblioteca em termos de artigos científicos. Mas também nós recebíamos o que eu posso chamar de uma revistinha, que o nome era Current Contents, é, conteúdos correntes, atuais, não é? E era formada do índice das revistas científicas publicadas, ele não, era até grossinho, não era muito, muito grande. E a gente ali, eu acho que tinha mais do que biologia, não tenho, acho que até tinha, assim, você até pode achar isso pela internet, talvez a wikipédia tenha, é, talvez tivesse por áreas. E ali você via das revistas que tinham a ver com a tua área, você via os títulos dos trabalhos. Daí você ia, eu acho que lá atrás, pelo nome do autor, e daí você tinha direitinho o endereço, não é? E no índice você tinha o nome do trabalho e você preenchia o teu cartãozinho, era um cartão... E daqui de um lado, então tinha escrito em inglês também, que é você, que dia, não é, e depois agradecia, escrevia teu nome e do outro lado você punha o endereço e punha no correio com o selo. Então a gente, a gente lia o tal Current Contents no laboratório, e cada um de nós tinha que depois, por, assim, no canto superior direito, a sua inicial para mostrar que já tinha lido, e ia passando de mesa em 02:02:00mesa de sala em sala. Era nossa obrigação. Isso, mesmo que ainda como estudantes, eu acho que provavelmente Newton Freire-Maia, eu via lá quem estava vendo ou não, certo? Às vezes chamava alguém que não estava por lá, isso eu não sei. Mas, você veja, até o Current Contents não sei quanto tempo demorava para chegar. Porque é muita coisa, era despachada em navio, não sei se vinha de avião, mas acho que não. E daí, até você pedir, até eles mandarem, você, não sei quantos meses você tinha até passado ali para ter depois aquelas separatas na tua mesa. E nós pagávamos as separatas. Então, a gente, quando a gente pagava, as que, digamos, no geral, a gente quando publicava um trabalho eu não pagava nada para a editora, não sei se algum tipo de imagem poderia ser paga, eu já não lembro, mas nós não pagávamos que eu lembro, não pagamos nada. Mas a gente sempre, já se sabia que a gente ia pedir separata, então você podia pedir cem, duzentos. Eles tinham todos os preços. Você tinha aquela proforma e você pagava com os dinheiros para fazer pesquisa, não é, que fazia parte da pesquisa. E daí, você também recebeu o cartãozinho que vinha de fora, eu também, eu lembro que eu guardei muito o cartãozinho que vinha de fora, não é? Depois me pergunte uma coisa, eu lembro, que tem a ver com o gênero, e daí, sabe a, e daí nós ficamos 02:04:00logicamente distribuindo também, então o gasto era com a compra de separatas. Eu sei que houve uma época em que eu fiz acho que uma relação de tudo porque eu guardei, eu fiz para o departamento inteiro tudo o que eu pude de fazer, o tipo da história do departamento vista pelos trabalhos publicados, espero que eles tenham conservado. E daí eu também paguei, daí por isso teve uma verba e daí eu paguei pra um pro Newton, por isso que eu peguei agora, quando você me perguntou fui direto ali, eu tenho as minhas separatas ou xerox, porque não-- Depois quando não teve mais separata, a própria editora mandava para a gente, não é? É, por online lá e você imprimia tudo. Mas agora me perdi um pouco. Ah! Sobraram muitas separadas, então eu fiz um tipo de uma exposição ali, pros estudantes, para professores lá do nosso departamento, e tinha um hall grande embaixo pra ele, que era pra cada pessoa ir pegando o que quisesse para não jogar fora, porque algumas tinham sido expedidas em excesso, não é? E outras não, mas que foi tudo o que eu pude encadernar. Além das separadas, eu pedi para os professores até aquela data que me mandasse as publicações deles, e aquilo que de pessoas que já estavam mortas, ou que eu não, porque eu também não podia contactar, e eu fui atrás das revistas em bibliotecas, eu pedi, e eu completei ao máximo, sabe? Porque eu valorizo essa parte histórica. Agora, eu não sinto que isso seja disseminado, sabe? Eu acho que tem que haver 02:06:00ali uma formação, porque eu imagino que algumas pessoas acharam que eu estava fazendo bobagem. Não sei. Espero que estejam guardando bem, porque é uma história aquilo, não é pelo nome das pessoas, não é pela coisa de personificação de coisa, não, aquilo ali é história da ciência, né? E aí, a história do departamento de genética, talvez estejam guardando muito bem. Porque eu também fiz online, e eu dei online, não entendo porque os dois servidores, não entendo por que que os dois acabaram, então, aquilo toda que o meu trabalho foi perdido, não sei. Talvez seja dois acidentes. Quero acreditar que sim. Complicado, né?...PINA: É complicado.
FREIRE-MAIA: Porque no meu final, sabe, ali de trabalho, eu me dediquei a isso.
Eu tinha uma aluna de iniciação científica e ela fez o trabalho dela assim, né? Não é, sobre esses assuntos, mas tudo muito, muito, porque foi um trabalho difícil e teve pessoas também da bioinformática que trabalharam na parte online. Eu tive muita ajuda. E como eu tinha um contrato de professor sênior, eu pedi que o meu contrato de professor sênior fosse-- Eu descobri que tinha um professor, assim, voluntário, então eu fiquei uns dois anos, ou talvez um pouco mais, não querendo receber nada, porque até eu tinha liberdade. E eu não estava, não estava podendo mais pegar nenhum novo estudante nem para doutorado, porque eu não ia ficar lá quatro anos mais, então, e então foi isso, e eu tinha liberdade. Se eu precisasse viajar, fazer qualquer coisa, ficasse doente, eu estava trabalhando lá sem ganhar nada. 02:08:00Então é, mas eu fiquei feliz de fazer isso, sabe? Espero que sirva. Porque é uma história. As pessoas às vezes acham, "não, mas tem o CNPq, tem toda a plataforma Lattes", qualquer coisa, mas aquilo é um conjunto, não é? Um conjunto de livro, e hoje o livro também já não está tendo o valor para nada, não. Mas é bom, pega ali, folheia, acha, não é, tudo o que você acha fácil também pela internet, não é, e você enxerga ali o que que está-- Se quiser ver de novo, ponha ali uma marca e depois volta ali, já está marcado. E a história, é história. Agora, o que que eu quero te dizer: no cartãozinho, quando eu conhecia a Oksana Lockridge, que eu já te falei que foi o grupo dela agora em 2017 que viu aquela parte da lameripodina com o x2c5+, eu me tornei amiga da Oksana no primeiro-- Isso, o que eu também não falei para você da butirilcolinesterase, eu comecei a frequentar, é, comecei a frequentar congressos internacionais. Eles até chamam de reunião. O meeting.PINA: Hum.
FREIRE-MAIA: Então, é, o encontro sobre colinesterase fala da butiril, acetil,
às vezes alguma outra, então eram assim, de centos poucas pessoas. E ali você tinha principalmente os pesquisadores, com os anos aquilo também cresceu, e ali eu conheci a Oksana Lockeridge, que é um dos grandes nomes, não é, da bioquímica. E ela, quando me viu, ela falou: "Eleidi, eu sempre achei que você 02:10:00fosse um homem. Quando eu vi o teu trabalho sobre ligação--", porque eu não quis escrever Eleidi Alice, e eu quis guardar o meu Chautard. Porque o meu problema é que o Newton juntou nome da mãe e pai nesse Freire-Maia. Eu não quis jogar fora o meu Chautard porque era é o sobrenome da minha família. e disse, não tem importância, podem achar que eu estou querendo aparecer, sabe? Sei lá de que jeito, não interessa. Vai ser. Eleidi Alice Chautard "traço" Freire "traço" Maia. Deve ter chamado atenção, mas ali foi o que eu pensei, você vê que eu sempre tive esse lado feminista, mas não daquele lado, assim, muito-- Às vezes muito impetuoso de umas feministas, sabe? Não era daquele tipo. Mas eu era na ação. Pois é, a gente, desde quando o cientista, homem e mulher tem que ser diferenciado na hora que vai produzir um trabalho? Se eu, homem, não ponho primeiro nome, não tem porque eu por [risos]. Então foi engraçado, porque a Oksana achava que eu era homem. E eu lembro que a Oksana me escreveu ali no pedido, ela me fez uma pergunta, sabe, que eu não ia, eu não a conhecia, não é? Que ela era da área da bioquímica. Então, com relação ao meu trabalho de ligação, lá do, tanto do meu doutorado em 74, a Oksana, já fez uma pergunta ali para mim, e já achou que eu era um homem, e eu só fui conhecer lá por 1991. Depois eu, depois eu comecei a pôr as vezes Eleidi também, porque na realidade, quando eu sou-- Quando eu sou citada, né, eu sou Chautard Freire-Maia. Aí vai mais uma coisa de gênero para você. 02:12:00PINA: Muito, muito interessante. Uma outra professora que eu entrevistei me
relatou a mesma coisa, que ela também estava em um congresso com aquele negócio que a gente usa, aquele crachá, crachá com só o sobrenome dela, e aí uma pessoa olhou, olhou ela, olhou-- "Você é mulher!", a mesmíssima coisa. Eu achava que você era homem, e--FREIRE-MAIA: Mas, sabe que depois eu vi, também, por exemplo, a Maria Luiza
Petzl, quando ela casou, ela sempre, ela é Petzl-Erler, e a coisa foi longe. Daí também muita gente também imitando o Newton, não é, Freire-Maia, porque o nome do Newton "Freire" é da mãe e o "Maia" é do pai. Então, se ele fosse fazer como todo homem faz, ele seria Newton Maia.PINA: Entendi.
FREIRE-MAIA: Ele foi feminista também.
PINA: Professora, só para ficar claro para mim, eu não entendi muito bem, mas
a senhora conheceu, mas não, não desenvolveu pesquisas, não desenvolveu parceria com a Eline Prado, a Olga Henriques e a Sílvia Oliveira de Andrade. A senhora conheceu as três?FREIRE-MAIA: A Sílvia não.
PINA: A Sílvia não. E a Olga a senhora só conheceu, a senhora não pesquisou
junto com elas.FREIRE-MAIA: Não, porque elas eram da área mais da bioquímica, não é,
talvez da fisiologia e também. É, era outra geração. Agora eu tive a amizade, assim, mais íntima, mais próxima com a Eline. Então eu fiz parte da diretoria da SBPC durante lá, uma gestão. E eu cheguei a ficar hospedada com a Eline. O Leal Prado já tinha falecido, e eu lembro da Eline vir num dos 02:14:00aniversários do Newton. Veio de São Paulo aqui pra Curitiba, eu não sei que nós fizemos uma festa, não sei se foi quando ele fez 80 anos, que foram feitas duas festas, uma de 80, outra de 70. Eu acho que foi de 80. Então, com a Eline, eu já tive, eu cheguei a conhecer as filhas da Eline. Até a filha dela, que depois foi trabalhar em Paris, não sei se foi o Instituto Pasteur, ficou morando em Paris, já não sei mais sobre ela. Conheci uma filha dela, artista plástica e um filho que era, era bem mais jovem, era, deu já estudante já desenvolvendo o trabalho com informática. Então, a minha, o meu relacionamento foi maior com a Eline do que com a Olga, a Olga era aquela amizade que o Newton falava muito neles e eles também ficaram foragidos, né? Durante muitos anos. Só depois, acho que de anistia, que eu vim a conhecê-los pessoalmente. E eu lembro de ter visto um filho deles, provavelmente nós nos encontramos talvez estando convidados para um jantar na época, assim, às vezes de algum congresso em São Paulo. Mas a amizade do Newton era grande com todos eles, e o Beraldo demais, e o Beraldo também eu tive bastante contato, mais com o Beraldo do que com, do que com o Baeta e com o, eu não-- O que que eu ia dizer é do que o Leal Prado, e o Leal também morreu cedo. Agora o Beraldo, quando eu e Newton nos casamos, nós fomos para conhecer a família e alguns irmãos e sobrinhos do Newton de Belo Horizonte. Fiquei até hospedado na casa de um irmão e da 02:16:00cunhada dele. E o Baeta, o Beraldo, que já me conhecia, nos convidou para comer. Eu lembro sempre o que eu Newton já tinha ido com o Beraldo numa das cidades mineiras, ali do lado de Belo Horizonte, para comer um-- Aquele franguinho que é em pedacinho. É, mas eles dão outro nome.PINA: Frango à passarinho?
FREIRE-MAIA: Frango à passarinho. E daí nós fomos na cidade histórica que é
mais próxima de Belo Horizonte, então eu também, quando eu ia para Belo Horizonte, sempre tive contato com o Beraldo, a amizade do Beraldo e do Newton era muito grande.PINA: Legal. É, professora, eu acho que pra-- Ah não, me lembrei, são duas
perguntas, a última que eu estou guardando e uma que me ocorreu enquanto a senhora falava. Que, se na ocasião que a senhora deu aquela palestra sobre as polêmicas, não é, da evolução, em que encheu o auditório, se naquela ocasião a senhora já tinha retornado para o cristianismo ou não.FREIRE-MAIA: Como foi a data que eu dei para você? 89?
PINA: Não, foi em 91, eu acho, 90.
FREIRE-MAIA: Já tinha-- É, já tinha, não alterou nada, sabe?
PINA: Uhum.
FREIRE-MAIA: É complexa essa parte de espiritualidade. É uma coisa muito interior.
PINA: Entendo.
FREIRE-MAIA: E o cristianismo poderia ser. Digamos que eu tivesse nascido na
China e tivesse essa mesma tendência espiritual. Bem, seria outra coisa, se fosse no Japão era outra. E aqui é o que no ocidente foi o cristianismo. 02:18:00Então, isso mostra que, o Newton sempre dizia que eu era uma católica moderna. Só que das vezes, isso bem no começo, mas daí hoje nem sei o que ele diria. É muito amplo. Sabe que essa parte sempre eu fui muito-- Eu fui muito exigente até nessa parte religiosa. E no sentido, e muito verdadeira, sabe? Até no fato de eu ter me afastado, e também no fato de eu ter voltado. Porque na hora que eu voltei, eu não voltei por causa da religião. Eu voltei por causa dessa minha parte interior, que eu acredito que faz conexão com algo maior. Então, e a minha religião, fui batizada na igreja católica, e a igreja católica, e há várias coisas na igreja católica que eu gosto. Eu, por exemplo, gosto de trechos do evangelho, muito. Todo dia eu recebo e leio um trechinho que leio, eles até falam bem curto, porque eu não gosto de muita conversa, fica só na parte religiosa. Não gosto de muita conversa, assim, em nível religioso, porque as pessoas se perdem demais. Então eu tenho isso diariamente, sabe? Escuto e até mando para duas pessoas que me pedem. Não que eu fosse mandar assim, porque eu acho que isso é um respeito, e às vezes eu digo, "olha, na hora que vocês não quiserem, vocês me falem que eu não vou ficar sentida". Então, já aconteceu com outros dois que eu perguntei, eles não responderam. Daí eu parei porque às vezes a pessoa é animada, mas depois não quer aquilo todo dia, né? Agora, até quando, eu estive essa semana tão entrosada com as 02:20:00com as festas, aí, da família, quando eu vi eu não tinha mandado isso que eu mando, acho que eu durante três, ou dois, ou três dias, daí dois dias, eu acho. Eu mandei ontem e um dos meus amigos falou assim, "Eleidi, se você deixasse mais um dia eu já ia ligar pra saber o que que tinha acontecido com você". É, então é, faz parte, não é? É alguma coisa mais ampla, não é, assim, uma coisa fixada em dogmas, em rito. É mais, assim, em preceitos humanos de perdão, de aceitação, de fé, de misericórdia. Mesmo de alegria, liberdade. Então, são valores de exaltação assim, mais dos valores humanos para, não é, de respeito mesmo a humanidade. Mais, mas também com o sentimento de uma pertença, algo maior, sabe? Então eu não posso negar, eu, essa é a minha verdade. Quando eu voltei, na realidade que eu aceitei isso, que eu passei esses anos todos nem me incomodando. Mas de repente eu vi que eu tinha que aceitar, porque às vezes havia comportamentos meus que mostravam que eu estava sendo, não sei se a palavra é ambígua, não é? Como é que eu ficava aceitando ser madrinha de neto e de outro filho de amiga, como? Uma vez até eu falei daí com um amigo nosso padre. "Olha, padre, eu nem estou na igreja, tem uma só que também padre de mentalidade bem aberta de dia, não tem a menor importância. Você vai ser a madrinha, eu vou batizar, e acabou. Então é algo 02:22:00mais fluido, mas isto não significa que não seja firme. É inexplicável.PINA: Eu entendo. Quando a senhora fala, assim, porque meus princípios
religiosos são muito parecidos com o que a senhora descreve, então eu te entendo profundamente.FREIRE-MAIA: Que bom.
PINA: É, a minha última pergunta, professora, é: o que é ser uma mulher cientista?
FREIRE-MAIA: Ah. Deve ser tanta coisa, não é? Para mim foi tão importante,
sabe? É, eu sei que Newton falava isso, e eu também falo que o meu trabalho foi com o amor, não é, porque era algo que me satisfazia mesmo nos momentos difíceis de falta de auxílio. Que mesmo que a gente ficasse zangada, mas não era com o fato de ter escolhido o caminho errado, não. Não era contra a ciência, era contra a estrutura que não dava o apoio. E eu sempre trabalhei com amor. Quando eu digo isso, é que eu vejo aí essa palavra, amor, como aquilo que você faz com entusiasmo. O que você ponha esforço e que você não se sente sacrificada, não é, aquilo que você se esforça, isso aqui fica. Você não, porque o amor, ele é aquele amor, ele é-- Muitas vezes até alguma pessoa diz, a gente, "como é que você aguenta isso?", e você, "aguentar o quê?", não é? E o Newton, acho que eu já te falei, ele sempre dizia que ele era muito feliz, porque ele era pago para se divertir. E eu, eu acho que está aí bem o espírito dele, mas eu acho que eu, na realidade, seguir o caminho que me deu muita satisfação. E olha, eu sinto falta. Eu sinto falta, então, isso 02:24:00de ter essa oportunidade de rememorar junto com você que tem esse interesse só me faz bem. Mas eu também entendo que eu já não tinha energia suficiente para dar continuidade. E eu acho também que, é, pela tua pergunta, que a cientista, da forma como eu fiz esse meu caminho, deu dentro da universidade, ela é também uma professora, não é? E ela deve levar a ciência também para a sala de aula, não é? Seja lá disciplina, quer dizer comportamento científico, não é, no momento que vai não só que vai dar o conteúdo, mas dentro das observações, depois eu posso até complementar. E ela também, como orientadora. E para mim, a posição de orientadora foi muito interessante, porque eu fiz a orientação com muita dedicação. Às vezes os meus alunos não, talvez não entendessem bem, porque eu participava na pesquisa. Claro que eles podiam fazer a parte mais pesada, mas eu nunca deixei de participar. E às vezes na parte da análise estatística, que às vezes era mais pesada, eu também participava na redação, participava, então eu fazia trabalho conjunto. E eu sempre digo que orientação para mim eu tirava de letra. Era como essas pessoas com tendência musical, coisa que eu não tenho, que são capazes de tocar de ouvido. E eu sempre digo que eu sempre gostei de ser professora. Eu me esforçava, eu tenho alunos que gostavam muito das minhas aulas porque vinham conversar comigo, mas ali já era algo que eu tinha que me 02:26:00preparar. Eu tinha que pensar como que eu vou fazer, de que jeito, não que eu não pensasse na orientação, mas era algo mais difícil. Talvez porque você fica ali num palco, não é, você tem uma turma que você tem que, de certa forma, deixa eu fazer com que prestem atenção, não é? Há sempre um lado um pouco teatral, não é? Então, isso tudo para mim não era, eu não tirava de letra, não, não tocava de ouvido, eu precisava de partitura. O que mais que eu queria te dizer é que eu também acho que a cientista ela deve, deveria sempre ter uma visão social, não só social da ciência, mas de tudo, enfim. E que então, isso é algo, para mim sempre foi importante, não é, como cidadã, você, se você entender o teu papel numa sociedade ou serviço, a importância de qualquer serviço, de qualquer trabalho, participar de uma comunidade no sentido, né? Então eu acho que o cientista, ele não tem, que não é uma coisa lá num pedestal de fazer uma coisa tão, e como dizia o Newton, às vezes saber tudo de nada, não é? Vai um pontinho lá, sabe tudo de nada. Não, não é só isso. Tem que ter uma visão mais ampla.A ciência também tem que te abrir a cabeça, né? E eu tenho um colega que ele, ele não se considera cientista. Não me considera cientista, não considera os colegas dele cientistas. Para ele, cientista é só o Rocha e Silva, o Newton Freire-Maia, porque eu acho que ele viu que todos eles também tiveram às vezes uma participação também em aspectos filosóficos. Livros, assim, mais gerais, 02:28:00quando-- Não sei exatamente, porque no tempo que a gente era criança, também a palavra cientista tinha um outro sentido. Hoje, se você trabalha com ciência, você está fazendo um trabalho científico. Se você tem uma carreira, se você faz um trabalho do começo ao fim, você publica, você tem documentação do qual é-- O que que você é então? Não, não está jogando, não está fazendo fake news. Você tem que assumir que você é cientista. Claro que há todos os níveis de cientista. Provavelmente em primeira linha, segunda linha, terceira, sabe lá, mas todos são cientistas. E eu acho que isso também é uma responsabilidade de ser cientista. Ainda mais num país como o nosso, não é, porque é uma classe muito privilegiada que teve assim, um acesso a uma boa educação, uma, e continua tendo às vezes muita informação. Participa de grupos também que são, assim, de certa forma, privilegiados. Então há uma responsabilidade. O Newton sempre nos falava muito da responsabilidade, da divulgação do trabalho, não só assim, na publicação em revista científica, mas principalmente ele, que tinha muita facilidade de comunicação, dava muita entrevista, escrevia muito artigo de divulgação, notícias para jornal. Os nossos seminários no tempo que a gente organizava, que eu também era jovem, eu que fazia os cartazes para, lá com especiais atômicos para convidar o pessoal para as nossas, para nossos seminários, e também a gente convidava pessoas de outras áreas da ciência. Nosso seminário era um seminário de formação. Não era o que depois, às vezes se tornou representar o que que é aquele vai ser o mestrado, que vai ser o doutorado. Era 02:30:00uma coisa mais ampla, e eram outras épocas também, e aquilo era colocado em jornal. Quem quisesse vir de fora viria, né? Então o Newton sempre falava da nossa responsabilidade. Nós usamos dinheiro de impostos para fazer as nossas pesquisas. Nós temos responsabilidade. Então isso é algo que, cara, cada um vai fazer também um pouco de acordo com o seu temperamento, uns são mais tímidos, outros são mais comunicativos, mas um cientista tem que ter essa responsabilidade de alguma forma. Ele tem que contribuir para que o ensinamento dele passe para o Ensino Médio. Passa alguma coisa para a escola, Fundamental, para o nível de outros professores, não é? Eu acho que é uma carreira de responsabilidade. E eu acho que também a carreira de professora é uma carreira muito, muito interessante, assim, do ponto de vista humano. É uma carreira especial mesmo que você fale que os professores em geral não são valorizados. Mas ele, o professor tem valor, seja o professor que vai ensinar alfabetização, seja lá os que vão ensinar os princípios teóricos mais complexos da física. Acho que é isso. Não sei. Às vezes a gente se alonga um pouco, às vezes se expande num ponto só, mas... Mas eu penso assim.PINA: Obrigada por compartilhar tua visão. É, a senhora quer falar mais alguma coisa?
FREIRE-MAIA: Quando, eu acho que hoje eu também não lembro de alguma coisa que
tivesse faltado, às vezes a gente toma um rumo, não é? Esquece alguma coisa, mas o que eu queria dizer é agradecer muito à você pelo seu trabalho, desejar 02:32:00que você-- Eu sei que você até pública tuas entrevistas, não é? Eu não sei se você já está, quero saber um pouco de você, se você já está se preparando para o teu doutorado--PINA: É, então, eu escolhi não fazer o doutorado agora, porque a vida ela vai
acontecendo, não é? Então, assim, na verdade, eu morava em Belo Horizonte, e aí o meu namorado arrumou um emprego aqui em Florianópolis, e ele falou, "você quer ir comigo?". Eu falei, "vou". E a gente casou e estamos aqui em Floripa há 3 anos. É, e aí o final do meu mestrado, ele foi bem conturbado, assim, porque eu queria ter uma experiência para além da academia, e arrumei um emprego numa agência de marketing, e fui tentando terminar a dissertação, e aí eu também tive um adoecimento mental, assim, significativo. É, tive que fazer terapia, acompanhamento no psiquiatra, então isso fez com que o meu mestrado na verdade durasse 3 anos. Eu consegui defender só ali no final de 2019. E aí eu estava muito cansada, muito exausta. Eu falei, não, eu vou descansar. E, né, continuei trabalhando, só que aí eu, no início da pandemia, eu decidi voltar para a área de educação, porque além de historiadora, eu sou pedagoga. E eu falei não, o que me faz feliz é a educação. Seja com a história ou na pedagogia. E aí voltei para essa área. Só que, é, eu tenho um princípio assim, de que eu não, eu não aceito ser desvalorizada no meu trabalho, e trabalhar hoje com educação no Brasil é muito difícil, não é? E aí eu decidi que eu que eu ia fazer, eu fiquei pensando, tá, ser historiadora também é difícil, os departamentos estão 02:34:00muito saturados, não é, não tem quase concurso para professor de história nas universidades públicas, mas eu também quero mexer com pesquisa. Então a minha alternativa de ser historiadora hoje é trabalhar com pesquisa quase que voluntariamente, não é, assim, com algumas bolsas, algumas coisas assim. E também voluntariamente quando necessário. Então por isso que eu estou sempre junto da minha orientadora, e eu decidi não fazer o doutorado agora por causa que esse ano é ano de eleição. E eu acho que vai ser muito complicado esse ano, e eu não queria passar essa eleição de dentro da academia. Porque a academia também contribuiu muito para o meu adoecimento mental. É, e também porque eu não-- Eu não quero fazer o doutorado sem bolsa, porque eu acredito que essa é a nossa profissão--FREIRE-MAIA: Concordo.
PINA: --E que, como cientista das ciências humanas, o meu trabalho, o meu
conhecimento que eu produzo é digno--FREIRE-MAIA: Claro.
PINA: --De pagamento, então eu não cheguei, eu não ficaria em paz com uma
bolsa nesse governo ou nessa situação de eleição, então por enquanto o meu doutorado, ele está um pouco distante. Eu penso nele-- Penso até essa entrevista, não é só o projeto, mas é para mim também, para ver se a sua trajetória pode se transformar no meu doutorado futuramente, quem sabe? Mas a minha ideia é sempre trabalhar como-- Minha maior inquietação é como que as mulheres também são produtoras de conhecimento e que a gente tem que estudar isso ao longo da história da humanidade, um conhecimento produzido pelas 02:36:00mulheres, assim.FREIRE-MAIA: É importante isso. Agora, é interessante isso de você se dedicar
também nesse... Nessa parte da entrevista, porque você está formando, você está caminhando, depois você vai estruturar isso da melhor forma. Eu acho isso muito bom agora, talvez por causa de você se interessar, assim, pelo gênero. Hoje eu pensei um pouco-- Quando eu era criança, não sei hoje como você, como pedagoga, não sei como são os livros hoje que as crianças lêem. Porque em termos de ciência, eu lembro dos meus livros. Talvez depois do que hoje é Ensino Fundamental, eu lembro que tinha texto sobre Oswaldo Cruz e sobre o Vital Brasil. Isso eu lembro. Talvez o Vital Brasil por causa do soro antiofídico, e aquilo, as crianças vendo cobras, serpentes. E Oswaldo Cruz, eu lembro. E daí eu pensei assim, será que tinha alguma menina, alguma mulher? Olhe as mulheres, eu acho que se falava eram mais as mulheres do exterior. Daí eu lembro daquela que era cega, surda e muda. A Helen Keller.PINA: Hum.
FREIRE-MAIA: E isso, eu não sei se eu tinha nos livros, mas a gente escutava
falar dela. Claro que da Madame Curie também era algo que se falava. Também ela ganhando, acho que ganhou dois prêmios nobel. Acho que foram dois... É.PINA: Sim, dois.
FREIRE-MAIA: E aí também a Florence Nightingale, que eu acho que criou os
primeiros cursos de enfermagem. Sabe, então você veja, era, era muito distante, não é, do Brasil. Eu não lembro que se falasse de alguma 02:38:00Brasileira. Talvez nas artes, não é? Talvez nas artes, por causa da Semana de Arte Moderna. Mas isso eu não lembro. Quando eu era pequena, pode ser só mais tarde, a Tarsila do Amaral, mas eu acho que isso demorou. E havia muitas brasileiras, né, de valor. Escritoras, não é, brasileiras também, que eram muito importantes. Agora, o que que eu ia te dizer mais-- Bom, fico feliz aí que você casou, que está morando em Florianópolis, que você está formando aí a tua, o que você deseja. E eu queria também dizer que se você tiver a necessidade de alguma foto, você me peça, porque daí eu vou olhando. É, porque eu, da outra vez você falou mesmo dessas que tem Beraldo, o que eu tenho aqui na SBPC, se você se interessar.PINA: Interessa, sim.
FREIRE-MAIA: É, e porque vai, porque faz parte do teu acervo, não é? E se
você também tiver que fazer mais alguma pergunta numa outra sessão, alguma coisa que você acha que tem aqui, complementar, eu estou à disposição.PINA: Professora, eu te agradeço muito, muito, muito, muito, uma honra
conversar com a senhora, conhecer a senhora.FREIRE-MAIA: Imagine.PINA: Eu fico feliz mesmo, deixa eu só te mostrar uma foto
da Eline que eu uso, usei na apresentação da minha dissertação. É, que eu acho que a senhora vai gostar, só um minuto. Ela com o José Leal Prado.[Jéssica projeta a foto]FREIRE-MAIA: Ai, que graça, ela com o José Leal. É,
que linda.PINA: Eu amei essa foto, eu--
FREIRE-MAIA: A Eline era muito espontânea, muito alegre, sabe? Falava alto
02:40:00assim, uma graça, calorosa a Eline. E ele também, eu lembro dele, e eles vinham também dar aula aqui no departamento de bioquímica, sabe, às vezes aqui em Curitiba, eram convidados pelo... Por causa da especialidade deles.PINA: É, eu devo ter essa foto guardada em algum lugar aqui sem o título da
minha dissertação, eu vou procurar, eu vou te mandar. Muitíssimo obrigado, professora, a gente mantém contato, obrigada mesmo.FREIRE-MAIA: Felicidades para você.
PINA: Para a senhora também. Até mais. Tchau, tchau.
[Fim da entrevista]