PINA: É, eu me chamo Jéssica Bley da Silva Pina, sou historiadora e pedagoga e
hoje eu vou entrevistar a professora Eleidi Freire-Maia. Hoje é 21/01/2022. Estamos fazendo essa entrevista de forma remota e estou em Florianópolis, Santa Catarina, e a professora está em Curitiba, Paraná. É, eu peço que a senhora fale o seu nome inteiro por completo e se apresente por gentileza.FREIRE-MAIA: O meu nome é Eleidi Alice Chutar-Freire-Maia.
PINA: Pode se apresentar da forma como a senhora costuma se apresentar.
FREIRE-MAIA: Ah eu-- Eu sou, eu fui professora, né? E pesquisadora na área da
genética humana e médica. E eu fiz o curso de História Natural, como graduação. E enquanto eu estava fazendo esse curso, eu fui convidada para--como estudante para trabalhar no-- No então Laboratório de Genética Humana e que deu origem ao Departamento de Genética. E aí em 1967, eu fui nomeada como professora da Universidade Federal do Paraná. E eu, eu trabalhei até mais ou menos, talvez uns 8 anos, mais ou menos. E aí sempre me dediquei às pesquisas em genética humana e médica.PINA: Como é que era um dia de trabalho comum nesse laboratório que a senhora
mencionou agora?FREIRE-MAIA: Bom, quando eu entrei como estudante. Nós, o que, é-- Os que eram
estudantes como eu, que estavam estagiando, trabalhávamos naquelas horas entre 00:02:00as aulas. Ou quando eu tinha terminado, às vezes, um período, eu tinha uma brecha. E nós, era interessante, porque havia ao abrir a porta principal, já à direita, tinha uma mesinha com um livro, ponto e nós colocamos a hora, colocamos o nosso nome na saída, fazemos a mesma coisa. E-- E quando eu comecei, eu já fui fazer parte de um projeto muito amplo, de certa maneira muito importante, sobre estudo de filhos, de casamentos consanguíneos. E-- eu costumo dizer que eu-- como eu era ainda estudante eu não tive dificuldade em fazer esse trabalho do ponto de vista operacional. Depois eu digo, se você tiver interesse, o que que era isso, mas do ponto de vista teórico, ele estava muito avançado para os conhecimentos que eu tinha, porque eu comecei a trabalhar no departamento de genética em 64, que foi o ano em que eu comecei a ter, disciplinas de genética. Eu entrei na graduação, em 1962. E em 64, tinha a genética, era uma genética geral, muitos princípios sobre probabilidade, e nosso professor era o professor Francisco Antônio Marsalo. E no quarto ano, que seria em 1965, que eu ainda nem tinha feito, é que teria a genética humana e evolução. 00:04:00Então a gente chegava e eu acho que desde o começo o professor Newton Freire
Maia colocou o nosso nome em um painel. Era um painel, acho que até que deve ter vindo do exterior, para nós naquela época, em 64, era algo tão especial. E ao lado do nosso nome, que tinha sido colocado com letras de plástico, havia uma luz, então a gente acendia. A gente assinava o ponto assim: acendia aquela luz com maior orgulho. Ia para uma sala, às vezes essa sala era dividida com algum colega também que você estava estagiando. E nós fazíamos aquilo que o projeto exigia de nós. Então, se você depois quiser que eu fale um pouco dos projetos, eu falo, e de vez em quando o professor Newton Freire Maia nos chamava. E aí ele também, ele tinha na sala dele, que era uma sala muito grande, ele trabalhava sozinho, ele tinha uma campainha assim na-- se não me engano, era na própria mesa onde ele trabalhava. E ele tinha uma forma de nos chamar. Através da, digamos, do ritmo da sonoridade do nosso nome, então o meu era "tam tam tam", "E-lei-di". E do professor Bento Arce Gomez era "tan-tan", "Ben-to". E assim seguia [risos]...PINA: [risos]
FREIRE-MAIA: --De modo que, naquela época a gente ficava assim, um pouco
amedrontada, em geral. Estou falando por mim, os outros eu não sei, mas talvez um pouco "aí, o que será que o professor Newton quer?". "Será que alguma coisa que eu fiz que não está correta?" ou enfim, a gente tinha um respeito 00:06:00muito grande por ele, admiração pelo conhecimento todo dele. Então-- essa era a forma nossa. Esse laboratório, ele pegava o meio andar do oitavo andar do prédio onde hoje, hoje tem acho que as ciências humanas lá. E tinha um corredor no meio e salas dos dois lados. E tinha uma sala muito grande, que era o laboratório. Mas no meu projeto de pesquisa não se usa, eu não usava o laboratório assim para a pesquisa, mas aquele laboratório era usado para fazer experimentos com os estudantes, que nós fazíamos experimentos com drosófilas para poder digamos, é, de certa maneira entender determinadas leis, preceitos dentro da genética. E ali, quando eu chegava, se era pela manhã, quando chegava às 10hrs, se não me engano, também era batida aquela campainha assim. Daí bastante para não chamar, que tinha o cafezinho. Então, todos se reuniam lá, e sempre o professor Freire Maia estava presente. O único professor naquela época lá era o Francisco Antônio Marsalo, além do professor Freire Maia. Todos nos reuníamos, existia um gravador, até os que são da minha época. Lembro que era a marca Geloso. Nossa, ter um gravador naquela época também era uma coisa especial e ali eram colocadas-- acho que Titãs, e nós também escutamos música. Muitas vezes música erudita, e ali havia muita 00:08:00conversa sobre ciência. A maior parte delas realmente iniciada, desenvolvida, complementada pelo professor Newton Freire Maia. E pra nós, aquilo era uma coisa maravilhosa porque aprendíamos muito, não só em termos de genética como de cultura geral. E também se-- Se constituía assim um encontro muito amistoso. E quando eu chegava, não sei se era 10:15hrs, ou 10:10hrs também, eu acho que, se não me engano, tocava aquela-- talvez a secretária tocasse aquela companhia e cada um voltava para o seu trabalho. E isso acontecia às 4:00 da tarde então da mesma maneira. Eu não sei se você gostaria de que eu falasse mais alguma coisa. Vou seguir o seu caminho.PINA: É-- A senhora pode falar dos projetos que a senhora comentou dos projetos
de pesquisa? Seria interessante te ouvir. Dos projetos de pesquisa que a senhora desenvolvia nesse laboratório.FREIRE-MAIA: Ah, então eu fui convidada para esse projeto que foi dado o nome
Curitiba 3. Não sei se já tinha havido 2, né, Curitiba 1 e 2. E esse projeto como eu falei, ele tratava de estudos sobre filhos de primos em primeiro grau, era muito amplo. Porque essas crianças, elas seriam estudadas do ponto de vista clínico, o que aconteceu através de uma equipe de pediatras do Hospital de Clínicas da nossa universidade, que foram o doutor Israel Katy, doutora Leide 00:10:00Marinoni, e o doutor, é-- O primeiro nome dele agora me escapou, é-- José Geraldi. E as crianças, depois eu digo, como as crianças foram escolhidas, as crianças, elas eram estudadas, então, sobre-- em geral eram crianças normais, mas eram estudadas sobre vários aspectos, assim, clínicos. A pele, se havia mancha ou o tipo, por exemplo, de se a orelha era em abano, se a orelha não estava bem implantada, coisas que agora eu estou lembrando, que, logicamente, essas crianças tinham mais alguma coisa que ficava demonstrada no exame. Elas também eram seguidas-- as crianças também na época, se submeteram a testes de QI, e foi uma psicóloga, a professora Iris Montserrat, que fez esses testes. E uma antropóloga, doutora Muller, ela era especialista nessa parte, dentro de antropometria, em antropologia, então ela levava aquele aparelho antropômetro e ela calculava as medidas das crianças para várias pequenas partes do corpo. Então era um eu não lembro bem se passava de 50 medidas. Essas crianças também eram pesadas, era visto a estatura, e nós também, quando terminava o 00:12:00ano letivo, íamos a Secretaria de Educação e tínhamos o digamos, os resultados de rendimento escolar dessas crianças.E como que essas crianças foram escolhidas? Então, você vê que até agora o
que eu falei da minha parte foi essa parte do rendimento escolar para conseguir dados. Mas como que nós descobrimos as crianças? Houve um trabalho muito amplo, intenso, ligado também logicamente, com permissão da Secretaria Educação. Eu Acredito que na época, vários órgãos foram contactados. E nós tivemos a relação total dos grupos escolares de Curitiba, e visitamos todos eles, então quem fazia as visitas éramos nós que trabalhávamos no projeto. Eu esqueci de dizer que éramos três. Maria da Graça Azevedo, Iêda Procopiak de Aguiar e eu. Nós, três estudantes do curso de história natural, e as três fomos convidadas para fazer parte desse projeto. Então, nós íamos nessas escolas com o questionário, participamos também da feitura desses questionários com reuniões com o professor Newton Freire Maia, ele também nos explicou muito como que nós tínhamos que nos posicionar, como que deveríamos fazer perguntas e, caso houvesse dúvidas, tivéssemos depois que encontrar os pais dessas crianças, como que nós também deveríamos nos comportar não somente do ponto de vista humano, social, mas também do ponto de vista de-- de 00:14:00como ou não induzir, né? No sentido das respostas como nós queríamos, enfim. Então, de posse desses formulários, então íamos aos grupos escolares. Tivemos ajuda, acho que havia uma kombi da Universidade Federal que foi posta à nossa disposição. Em geral, íamos, acho que dois de nós conversamos com os professores, distribuímos. Era uma carta aos pais com várias perguntas, perguntas sobre o número de filhos, sobre-- sobre o emprego, e a pergunta principal é se o pai, a mãe. eram primos em primeiro grau. Se não eram primos em primeiro grau, se eram primos em outro grau, ou se simplesmente eram de famílias, de origens diferentes. Também era perguntado sobre quantos filhos é-- o qual se houve criança que faleceu, qual é a origem do do falecimento. Eu não lembro se nesse questionário existia também perguntas sobre abortos. Acho que sim. E quando nós pegávamos o material, nós observamos a criança e fazíamos uma classificação étnica, né? Mas mais simples.E então, é. Era isso. Quer dizer quando nós vimos, desculpe, eu até me
atropelei. Isso era o questionário, as crianças levavam para casa. Os pais devolviam e a gente recolhia, e dentro do departamento de genética, nós 00:16:00escolhemos os controles. Então, para cada criança, filha de primos em primeiro grau, que era separado aquele grupinho e os outros controles, né? Para cada uma dessas crianças. É-- nós escolhíamos, então, uma criança que viesse de uma família cuja, para ter um certo nível socioeconômico semelhante, cuja profissão do pai fosse mais ou menos semelhante e o número de irmãos. É-- Às vezes, essa parte da mortalidade, talvez fosse um pouco também levar em conta essa parte étnica que a gente, de certa maneira, havia. Se a criança de que, né? Se ela era afrodescendente, se ela era mais um tipo europeu-- Aqui no Paraná é muito difícil a gente detectar assim de uma forma simples, se tivesse, se fosse descendente de comunidades indígenas, porque realmente a contribuição para a população de Curitiba atual ela era pequena. E nós então escolhíamos, às vezes escolhíamos dois, depois discutíamos qual seria o melhor, e esse era um trabalho que tomava tempo, sabe? Tomava muito tempo. Então por isso que eu falei que a parte operacional era simples. Porque foi de fazer a discussão dos questionários, foi de ver toda a parte ali da logística, como funcionaria as escolas, conversar com as professoras, explicar para as crianças o que a gente queria, voltar a buscar os questionários e fazer essa separação, e tendo feito essa separação, os controles e os 00:18:00grupos, digamos, de controles, e um grupo de seus-- Dos filhos de pais consanguíneo. Eles eram entregues para os outros profissionais, da área clínica, psicologia. E eles nunca souberam quem eram os controles nem os os consanguíneos, eles só sabiam o grupo escolar, o nome das crianças, e eles iam fazer o trabalho deles.E esse trabalho demorou muito tempo para ser feito, do ponto mesmo de vista da
coleta, e do ponto de vista da sumarização dos resultados das codificações que nós fizemos. E eu acho que-- eu não sei se já na época, eu acho que talvez não tivesse ainda sido codificado para computador, e que isso tenha sido feito só mais tarde, porque foi eu acredito que ali, perto da década de 80 mais ou menos que esses dados foram todos analisados com programas de computador na universidade de Brasília. É, eu e Newton fomos nessa época, eu já era casada com ele, e nós fomos para fazer parte das discussões e da análise. E eu participei bastante das análises, e também me ajudou bastante, porque lá tinha o grupo do doutor Henrique Krieger, em Brasília. E ele e o doutor Calógeras, eles participaram da parte dessa análise, né? E eu participei 00:20:00junto com eles, e só mais tarde então que esses trabalhos foram publicados, foi publicado no American Journal of Medical Genetics como um conjunto, teve uma parte que foi muito diferente. A maneira de publicar teve uma parte introdutória, depois a parte clínica, a parte de mortalidade infantil, a parte de gente menos escolar. Junto com essa parte psicológica. E no final houve uma outra parte de conclusões, então foi um trabalho com sete partes. Uma discussão também com uma parte, foi um tipo um pouco diferente. Então você veja, eu entrei no departamento em 64, eu acho que esse trabalho demorou quase uns 20 anos para ser publicado, porque daí ele ficou parado na fase de espera de-- Espera de de análise, e eu acho que nem na nossa universidade, naquela época não havia esse tipo de análise. Nem sei se em outras universidades, porque foi depois da década de setenta que as universidades começaram a ter aqueles grandes computadores para que pudessem-- Se pudesse haver análise, muitos dados, provavelmente. Não sei isso agora pela sua pergunta, isso veio assim me suscitou, que provavelmente até Newton Freire Maia nem pretendia fazer essa análise tão complexa. Teria talvez uma análise com a-- Com as máquinas enormes de calcular que nós tínhamos no departamento de genética, se não me engano, a marca era Frieden. São máquinas que são máquinas para museu.PINA: A senhora pode descrever essas máquinas, por favor? E como era usar elas?
FREIRE-MAIA: Olha, eram umas máquinas muito grandes. É-- E como é que eu
00:22:00posso te dizer-- Talvez desse, eu estou aqui na frente do meu, no meu computador que é da Lenovo, que é o tamanho normal de um notebook. Então elas eram mais largas do que isso. Então nós tínhamos o teclado delas, e os números ali, e nós fazemos os cálculos, né? E à medida que nós vínhamos fazendo, o cálculo se deslocava uma parte da máquina que era mais alta e mais comprida, se deslocava para a direita, direita, esquerda, direita, esquerda, direita, esquerda.PINA: Entendi
FREIRE-MAIA: E aí ia sendo feitos aqueles cálculos, e provavelmente tinha um
mostrador para mostrar esses certos resultados. Faz tanto tempo isso, mas eu sei que uma máquina dessas foi guardada lá no setor de ciências biológicas, acho que deve ter um pequeno museu lá. Muito diferente das máquinas de calcular pequenas que não existiam, que já vieram com programas. Eu não sei se essa já tinha algum programa, talvez tivesse um quadrado, sabe? Eram máquinas que vinham do exterior, naquela época o departamento, eu estou dizendo por causa que eu entendo que sim, mas eu não vi quando elas chegaram, mas naquela época, quando eu entrei no Laboratório de Genética como estagiária, o departamento, o laboratório recebia verba da Fundação Rockefeller. A Fundação Rockefeller ajudou muito a pesquisa Brasileira nesse início. A genética, sem dúvida. Eu sei que eu, lá em Porto Alegre, o departamento do Rio Grande do Sul também 00:24:00recebia. A USP também recebia. Esses três eu tenho certeza, provavelmente outros, talvez também de outras áreas. E eu imagino que essas máquinas tem que ter vindo dessas verbas, né? E nós ganhávamos, eu também ganhava ali aquelas horinhas que no final do mês eram computadas por um dos estudantes que também trabalhavam no departamento. Elas eram computadas e cada um tinha o seu pequeno salário. Era irrisório, era irrisório mesmo.PINA: [risos]
FREIRE-MAIA: Mas era a política lá do senhor Newton Freire Maia, que todo o
trabalho teria que ser remunerado. Claro que para nós sempre também era bom, né? Mas não era nada assim que a pessoa pudesse usar como algum emprego, né, não era isso, era para estudar mesmo, para fazer carreira. E ali [inaudível] como algo suplementar.PINA: A senhora comentou que nesse projeto, a parte de execução assim, a
senhora teve pouca dificuldade, que era simples, que a senhora teve mais dificuldades na parte teórica. A senhora poderia falar mais disso, por favor?FREIRE-MAIA: É porque essa parte é teórica, sabe? É uma parte até que eu
acho que foi muito desenvolvida nos Estados Unidos, que é sobre a carga genética, em inglês é genetic load. Essa palavra carga, hoje eu não sei, mas muitas vezes ela era utilizada de forma errada dentro da genética. A carga genética se refere à, digamos, aos genes que são deletérios na população 00:26:00ou que diminuem o valor adaptativo dessa população quando em comparação com aquilo que é considerado normal, que são os os genes que levam a melhor valor adaptativo e melhor sobrevivência em geral. Então, o casamento, o que que o casamento consanguíneo faz? Quando um casal que é filho de casamentos-- que um casal que é consanguíneo casa eles, na realidade, eles têm origem comum, alguma origem comum. Ou eles são filhos de-- de um tio com uma tia, ou de dois tios ou de dois tias, enfim, então eles têm uma origem comum, né? Porque os pais deles são irmãos. Então eles acabaram tendo os mesmos avós e assim vai. Então, o que que acontece nesses casamentos? Nesses casamentos, muitas vezes os filhos de casais consanguíneos eles poderão-- Eles em teoria, eles vão ter mais homozigose do que a população em geral. Qual homozigose que interessa? Para o pesquisador, é dos genes raros, porque a homozigose do gene em comum está tendo aí nos filhos de casais que não são consanguíneos. Mas se a família tiver algum gene raro, recessivo, e que nem se expressou porque ainda 00:28:00não houve possibilidade de estar em dupla dose, possibilidade essa que é dada pelo casamento consanguíneo, então, digamos, são famílias que às vezes nem sabem sobre esses gêneros deletérios. Mas eles então podem se expressar numa criança que seja, que tenha recebido em dupla dose tanto do pai como da mãe, de modo que o estudo dos filhos de casamento consanguíneo quanto a mortalidade deles, quanto as-- Digamos, as doenças genéticas que eles mostraram ao nascimento. Quanto é o desempenho deles ao próprio crescimento? Será que a estatura deles vai ser igual ou será que houve algumas homozigoses para gente que baixa estatura ou que elevam? Enfim, isso permite então que você descubra pelo casamento consanguíneo genes deletérios que estão distribuídos em toda a população, mas que ali eles foram unidos e a partir de cálculos matemáticos você pode calcular quantos equivalentes letais daquele tipo existem na população. E então é, digamos, uma resposta grande, ampla, baseada nessa-- nessa teoria que é, na realidade é uma, é mais do que uma teoria, né? Porque a gente já sabe que há essa homozigose aumentada nos filhos de pais consanguíneos. Então acho que era mais nesse sentido. No caso, 00:30:00eu acho que desse nosso trabalho deu para fazer cálculo de equivalência letais com relação a mortalidade das crianças nessas famílias, que era um dado que os pais prestavam ao responder o questionário. Uma coisa que eu só toquei rapidamente aqui, muitas vezes. Nós íamos nas casas para poder esclarecer melhor alguma coisa do questionário. Fizemos muitas visitas, visitas domiciliares, muitas, para que eu, digamos, os dados não apresentassem dúvidas.PINA: Tem alguma visita domiciliar que a senhora lembra e possa me descrever?
FREIRE-MAIA: [risos] Eu lembro.
PINA: Pode descrever à vontade.
FREIRE-MAIA: Nós éramos muitos jovens, sabe? E às vezes, não entendíamos
muito das coisas, e eu sei que uma vez, eu acho que nós entramos num local que é-- que era uma região muito-- Como é que eu posso dizer, talvez ligada com prostituição, sabe?PINA: Entendo.
FREIRE-MAIA: Se eu lembro, não aconteceu nada, deu tudo certo, mas eu lembro
que foi um pouco estranho. E mais outras coisas. Às vezes, eu até agora não estou lembrando muito-- A gente estava, acho que nós éramos bem atendidos [pausa]. E eu, talvez, algumas vezes, as famílias também tinham dúvidas, né? 00:32:00Hoje, talvez a gente tivesse que ter até mais cuidados éticos, sabe? Não que nós não tenhamos tido. Mas, ué, como é isso? Foi antes de existir aqui a comissão de ética em pesquisa em seres humanos, provavelmente quando o projeto tivesse sido feito, a gente teria que aprovar muitas das coisas que seriam aprovadas, e nós realmente tomamos todos os cuidados. Mas talvez os pais não esperassem que a gente fizesse visita domiciliar, né? Talvez devesse ter sido escrito no próprio questionário, várias coisas assim, né? Que seria um cuidado que eu hoje, eu acho que nós teríamos acrescentado. E também era uma outra época, sobre certos aspectos. Em termos de violência, era a cidade era pacata. É, eu acho que é isso tudo, né? Não havia dentro de nós, talvez essas exigências tão grandes como hoje. Eu acho que há necessidade.PINA: Na sua experiência como cientista, assim, de pesquisar antes e depois do
comitê de ética, a senhora acabou de falar várias diferenças, né? De pesquisa em relação à criação do Comitê de Ética, quais outras diferenças que a senhora enxerga assim--FREIRE-MAIA: Eu acho que--
PINA: --Da pesquisa, antes da pesquisa, depois.
FREIRE-MAIA: Eu acho que é muito importante. Eu acho que no nosso departamento,
talvez pela postura ética do senhor Newton Freire Maia, os nossos trabalhos sobre certo-- Nesses aspectos foram muito protegidos porque era tudo muito cuidadoso. Mas isso nem sempre acontece. E eu, mais tarde, ainda não havia 00:34:00comitê de ética até o trabalho desenvolvido por mim, a gente fazia a coleta de sangue, né? Claro que a pessoa não querendo não ia, não doaria, né, teria que ser pedido. E eu acho também que as próprias revistas internacionais, elas não tinham tanto cuidado com a publicação de fotos, sabe? Coisas assim que eu lembro, eu acho muito importante existir em todos os níveis, né? Mesmo das próprias revistas, que eu acho que eu vi publicações em que não se pedia a autorização do-- Das pessoas que estão sendo estudadas. Claro que nunca se fez nada assim de, de abusivo, mas as próprias revistas, quer dizer, não havia esse comportamento cuidadoso, né, que é necessário.PINA: A senhora falou em coleta de sangue, em coleta de amostras. Isso foi
dentro desse projeto? Curitiba 3.FREIRE-MAIA: Não, isso foi só depois que eu fiz a minha pesquisa, já na
Inglaterra, eu já era professora aqui da Universidade Federal do Paraná.PINA: Entendi. Depois do projeto Curitiba 3 o que é que a senhora fez?
FREIRE-MAIA: Quando eu entrei no departamento de genética como estudante, já
00:36:00havia um colega meu da mesma turma da história natural, Bento Arce-Gomez, que depois foi o meu colega como professor do departamento de genética. E o Bento também já tinha entrado antes de mim. E ele estava, digamos, desenvolvendo um projeto coordenado pelo professor Newton Freire Maia. E eu fui convidada para colaborar. E era um projeto sobre fissuras, lábio, palatinas, problemas de lábio leporino e palato ofendido. E esse projeto era desenvolvido no Hospital de Crianças de Curitiba, que existe até hoje. Hoje já faz parte do Hospital Pequeno Príncipe. E havia um médico que era responsável por essa parte, a parte clínica. E ele também era um cirurgião. E ele sempre que havia casos de cirurgia, ele fazia aqui cirurgia reparadora. E nós éramos chamados. E nós também tínhamos um questionário para preencher sobre aquela família. E nós, é-- Tínhamos como muito interesse saber sobre a irmandade daquela criança, quantos irmãozinhos ela teve, se ela teve um outro irmão que pudesse ter nascido com a censura palatina, por que esse tipo de trabalho era para calcular risco de recorrência. O que que é o risco de recorrência, e porque está dizendo, né, de a possibilidade daquela mesma anomalia vir a acontecer numa 00:38:00nova gestação. E esse tipo de dado era utilizado na.. Nas consultas de aconselhamento genético. Depois, claro, de se publicarem os trabalhos.Então, mesmo que no exterior houvesse trabalhos com risco de recorrência,
sempre era importante ter dado o brasileiro, né, por causa da diversidade genética diferente. Vários outros fatores também. Então esse trabalho, também depois foi publicado no exterior. Então você veja o-- Para o senhor Newton Freire Maia lhe convidava esses os alunos para desenvolverem o projeto sob a orientação dele, sobre a supervisão, a correção né? Mas ele nos dava aquela responsabilidade também dentro de realmente-- de que aquele projeto dependia muito de nós. Nós não estávamos ali apenas executando ordens, nós estávamos como pesquisadores. E lembre-se que nessa-- Dá para lembrar que nessa época não havia curso ainda de mestrado nem doutorado na nossa universidade. Então esse trabalho também do professor Bento Arce-Gomez, também nós, na realidade, ele era o responsável e eu colaborava, né? Mas a responsabilidade era dele. Eu também lembro do professor Newton me convidar para um trabalho... É, não havia, assim, quem no nosso departamento fizesse os 00:40:00dermatóglifos, né? Que não são apenas as impressões digitais, é toda a impressão da palma, da mão e dos dedos, né? Essas linhas todas. E até eu estive na USP, e o professor [Pedro] Saldanha, eu acho que me orientou como que eu deveria fazer os índices dos dermatóglifos. Eu também tinha estudado--Existia um livro em inglês cujo título era Palms and Shoes. Então, eram os estudos tanto das palmas da mão, acho, que como da sola dos pés. E ali tinha toda a metodologia. Era como, então, como se a gente fosse dar um resultado clínico para a palma da mão e a ponta dos dedos, né? Daí isso era muito usado nos trabalhos de descrição de casos, descrição de famílias com doenças, e eu tive o privilégio, quando eu fui para a Inglaterra, de conhecer o professor [Lionel] Penrose. O Penrose, que é um grande nome da genética humana, ele já estava com muita idade. E eu fui conversar com ele na época, havia até uma senhora, uma estagiária que tinha vindo de um país ali do leste europeu e que estava é-- Digamos isso, estudando com ele também, não sei se eram os dermatóglifos. Mas ali, naquele talvez, até não sei, Penrose, que foi um assim-- Na nossa, na genética, um grande divulgador também do uso dos 00:42:00dermatóglifos, porque, para algumas afecções, algumas doenças, alguns problemas genéticos, né? Existem alguns dados dermatoglíficos. Então o professor Newton Freire-Maia, ele, na época, ele dava curso de genética, acho que humana e médica. Não sei exatamente, mas eu acho que era em Londrina. Era o início da Universidade de Londrina. E ele pedia para os estudantes trazerem casos para serem estudados para os estudantes se aprofundarem, e assim também ter aquele cunho dentro da medicina. E um estudante trouxe o caso de duas crianças com muitos problemas. Falta de cabelo, problema em unha. Eu não sei agora descrever todos os problemas, mas eles não tinham os membros perfeitos, havia uns restos só, às vezes de pele com dermatóglifos. E eu lembro que eu participei desse trabalho, examinando os dermatóglifos dessas duas crianças. Esse trabalho, não os dos dermatóglifos, mas os trabalhos genético e clínico maior sobre essa essa família, teve uma importância muito grande. Por que o professor Newton Freire-Maia nessa época, ele também tinha muita ligação com o John Opitz, dos Estados Unidos, que era geneticista. Não sei se eu-- Se o 00:44:00John Opitz ainda é vivo, geneticista, médico clínico. Eu até eu imagino que o senhor Newton Freire-Maia-- Eu não me lembro quando que o trabalho da-- Que eu fiz foi publicado. Ele foi publicado naquela revista italiana sobre gêmeos e gemenelogia, mas eu não lembro bem o começo do título da revista. Mas eu imagino que deve ter sido ali no início da década de 70. À parte dele conversar com o John Opitz, porque isso foi antes, porque eu fui em 70 pro estágio para a Inglaterra. E eu tenho a impressão que esse trabalho já estava feito, então foi antes da década de 70. Mas como eu falei, qual a importância disso? Quando o Newton conversa com John Opitz, o John Opitz diz "Newton, isso é uma displasia ectodérmica". E daí veio Newton, foi estudar displasia ectodérmica e viu que era um campo muito estranho, muito estranho, né? Bem a palavra, um campo que se sabia pouco e os trabalhos também a respeito não combinavam, dizia-se que eram-- Agora eu vou até inventar, 8 displasias dérmicas escritas, às vezes dizia que era 5 e assim vai. E nessa época eu 00:46:00acho que já em 70, Newton Freire-Maia, com a esposa e os filhos, ele foi ser diretor da-- Ali da seção de genética humana na organização mundial de saúde, em Genebra. Eu acho que nesse momento, houve a conversa com o John Opitz, ou antes. E como ele tinha tempo à tarde, porque o trabalho todo da Organização Mundial de Saúde, ele fazia praticamente de manhã, que ele era de uma capacidade de trabalho muito grande e rápida, ele começou a estudar muito sobre a ectodérmica, e ali surgiu essa linha de pesquisa que ele desenvolveu de uma forma extraordinária. Ele foi, teve como colaborador a doutora Marta Pinheiro, e publicaram muitos trabalhos e foi, digamos, algo que fez florescer também em outras partes do mundo os trabalhos a respeito de displasias ectodérmicas. Bom, eu comecei com os dermatóglifos e deu tudo isso. Mas como você é historiadora, e isso tem a ver com a genética, né?PINA: Com certeza.
FREIRE-MAIA: Mas eu tenho mais alguma coisa a dizer. Eu também colaborei, eu
acho que com outras pesquisas sobre malformações congênitas, sabe? Não lembro agora, exatamente qual foi o meu papel, mas eu acho que foi mais mesmo nessa, que essa displasia ectodérmica, no que eu acho que foi nessa displasia.PINA: Essas outras pesquisas que a senhora lembrou agora eram todas do
laboratório de genética junto com com o professor Freire Maia e-- 00:48:00FREIRE-MAIA: É, aquela dos-- Fissura de lábio palatina, esses dos
dermatóglifos, sim.PINA: E essas que você falou agora por último também. Ou não?
FREIRE-MAIA: Essa que eu falei do--
PINA: Que a senhora falou, "Eu lembro que eu também contribuí com outras
pesquisas sobre uma formação genética".FREIRE-MAIA: Mas eu estou agora na minha memória. Eu precisava dar uma olhada
no que foi publicado, sabe?PINA: Aham, não, tranquilo, só o que a senhora lembra mesmo.
FREIRE-MAIA: É, mas eu estou lembrando mais dessas três, e eu-- Começar-- é
uma coisa interessante que eu gosto às vezes de dizer, claro que isso é algo fora da nossa época e hoje nem seria, talvez nem seria possível, e talvez nem-- Não seria legal e nem ética, porque hoje há tanta, tantos jovens competindo para poder pegar uma vaga. Mas, eu e outros dos meus colegas, nós ajudávamos nas aulas. E quando o professor Newton Freire-Maia viajou para fazer um trabalho, também sobre o efeito de casamentos consanguíneos em Leiria, em Portugal, nós ficamos responsáveis por aulas de genética que eram da disciplina dele. Então, eu acredito que nós já estávamos dando aula já na parte ali da-- Colaborando, né?PINA: Nós quem?
FREIRE-MAIA: Eu, o Bento Arce-Gomez, eu acho que o Eglemir João Carvalho
[1:00:00]. Mas agora eu acho que eu me enganei sobre data. É, porque não-- 00:50:00Ainda não demos alguma, mas demos aulas só mais tarde, quando ele acho que foi para Organização Mundial de Saúde. Mas daí nós já éramos professores. Porque nós, eu e o professor Bento Arce-Gomez, mais a Ieda Procopiak de Aguiar, que trabalhou comigo, e mais João Bosco Azevedo. Nós todos fomos-- Nós fomos contratados em 1967. Já havia três anos-- Não. Já havia dois anos que eu tinha terminado o curso. Não, está certo aquilo que eu falei, porque eu terminei meu curso em 1965 de genética, então, em 1965, no final do segundo semestre, tanto eu como Bento Arce-Gomez, eu tenho certeza, demos a aula para turma de genética. É, nesse caso para o Newton Freire-Maia, ele punha muita responsabilidade em cima de nós. Mas por outro lado, eu acho que ele tinha muita confiança. Eu lembro que uma época, que nós éramos estudantes da graduação. Eu, o professor Bento, o Oscar [inaudível] [1:02:24], que depois se tornou um paleontologista, acredito na área vegetal. Então foi de outra área, nós três, e tenho certeza que também o João Bosco Costa Azevedo. Então são quatro. Não tenho certeza se eu-- se houve um quinto agora. Nós, 00:52:00é, participamos de um curso em comemoração de algum aniversário do Mendel, sabe? Agora já não lembro se era de nascimento, e que foi feito num auditório enorme do Hospital de Clínicas, que ali havia lugares para 500 pessoas. Então eu lembro que é-- E nós assumíamos, sabe? Talvez até fôssemos um pouco pretensiosos, mas deu tudo certo. Mas por outro lado, eu acho que essa possibilidade de exigir, né, que hoje já quase não existe, ela também dava um impulso para que nós nos desenvolvêssemos.PINA: A senhora se recorda de uma aula que a senhora deu nessa época assim?
Pode descrever a experiência para mim?FREIRE-MAIA: Bem, nessa época, bom, eu lembro que eu, essa palestra-- Olha, eu
lembro que eu falei sobre, sobre doenças, sobre síndromes que eu sei que eu falei sobre o mongolismo. Porque eu lembro que eu ouvi pessoas na plateia que deram risada de alguma coisa do Síndrome de Down, e eu passei uma descompostura assim, meio leve, mas passei, sabe? Eu lembro disso [risos]. Mas eu lembro-- Por que que eu entrei no departamento de genética? Eu era muito tímida. O Bento Arce-Gomez tinha entrado lá e dito que ele queria fazer e que acabou, e eu e 00:54:00ele estudávamos bastante os livros, que era até eu que traduzia em inglês, que tinha muito trabalho de genética molecular, de trabalho lá do [James] Watson, do [Francis] Crick, e nós ficávamos assim, atordoados com aquelas coisas todas tão maravilhosas. Mas eu não tinha coragem, né? De entrar lá e, se eu me perguntasse o que é que eu queria fazer, eu não sabia o que é que eu queria fazer. Eu queria participar do departamento. Então eu precisava realmente ser convidada, mas isso é um raciocínio que eu só fiz mais tarde, que eu entendi que foi o que me abriu as portas, mas eu queria entrar lá. Porque eu fui também convidada para participar. Não do departamento de Zoologia, mas de projetos assim, estágio não é, mas como eu fui convidada pelo Padre Moore, que era o catedrático, aquilo, se eu quisesse continuar, eu teria sido Zoóloga, mas eu queria ser geneticista, né? Então eu fui. Até provavelmente as minhas, as minhas notas nas provas de Zoologia, elas eram muito mais altas, porque naquela época a minha memória também era muito boa. Mas voltando. Nas nossas-- Quando eu entrei, tive a aula em 64. Da-- com o professor, é, Francisco Antônio Marsalo. Nós tínhamos, os alunos da nossa turma, de fazer uma palestra. Eu estou com uma aula, você me perguntou de uma 00:56:00aula, era um seminário, e isso para nós, que estávamos começando, e nem sabia muito de genética para falar a verdade, eu sabia as leis de Mendel e muito pouco além disso. E nós teríamos que também ser-- É assistir, quer dizer, assistidos, né, também pelo-- Então nosso professor e pelos alunos que estavam um ano na nossa frente e pelo professor Freire Maia, que era o professor deles. E eu realmente me dediquei muito. Era um trabalho de André Dreyfus, um trabalho de divulgação científica que André Dreyfus escreveu sobre a diversidade genética em diferentes organismos e como isso, de certa maneira, influencia a fisiologia do animal da planta lá. E que era examinado, né, então era a-- eram as consequências fisiológicas da ação dos genes. Eu achei aquilo fantástico, sabe? Que eu nunca tinha visto nada igual, e André Dreyfus também foi um grande divulgador da ciência. E ele escrevia muito bem, mas eu li, reli muito, provavelmente eu dei aquela aula no meu quarto várias vezes, e então como eu me saí bem. E com certeza a Ieda Procopiak de Aguiar, que fazia parte do quarto ano, é, eu estava no terceiro, também se saiu bem. A Maria da Graça também, nós três fomos convidadas para fazer parte daquele projeto chamado Curitiba 3. 00:58:00PINA: Por que que a senhora queria ser geneticista e não zoóloga?
FREIRE-MAIA: Olha. Eu acho que eu sempre gostei-- Não que eu hoje não se possa
fazer isso na Zoologia, mas eu sempre gostei muito mais de procurar um mecanismo, um fenômeno, uma correlação do que fazer uma descrição. E naquela parte de sistemática, era tudo muito descritivo. Claro que havia a possibilidade de você achar alguma espécie nova. Mas você faria descrição, isso eu entendo hoje. Depois que eu mesma pude rever, assim a minha trajetória, sabe? E realmente a genética lá no, nesse nosso curso de História Natural, ela estava muito acoplada à evolução. Em outras universidades, pode ser que quem dê aula de evolução seja o grupo da Zoologia ou da Botânica ou da Fisiologia, mas era o grupo da genética. Evolução também sempre me fascinou. E então a genética tinha esse lado, desde o molecular, até chegar na parte evolutiva. Então eu acho que eu-- eu devo ter na época tido assim, ou uma avaliação rápida, ou intuição, então ela sempre me encantou mais.PINA: É-- A senhora comentou que estudou um tempo na Inglaterra, né? Por que
01:00:00que a senhora foi para Inglaterra?FREIRE-MAIA: Em 1969, foi criado, começou a funcionar o curso de mestrado de
pós-graduação e no nível mestrado no departamento de genética. Eu trabalhei bastante para que esse curso existisse, eu já era professora auxiliar de ensino desde 67. E eu acho que logo depois de 67 outros professores de diferentes disciplinas que estavam ligadas, assim mais a área científica começaram a fazer reuniões para que nós pudéssemos fazer aquele processo para regulamentação dos cursos de pós-graduação. Então, foi criado o curso de pós-graduação em genética. Não lembro se na época era genética humana só, ou era genética. E eu fiz esse curso em 1969, apesar de eu já estar no departamento de genética desde 64, né? Ter 5 anos de até ter dado aulas para mim abriu assim, eu tenho disciplinas diferentes, genética demográfica. Eu lembro que me encantava com genética demográfica, depois nós tivemos assim um embasamento maior dentro da estatística, com o professor de estatística, professor também de outras áreas mais, e depois vieram os professores também de fora. Eu tenho quase certeza que o professor do Francisco Mauro Salzano veio nos dar aula, o professor Henrique Krieger veio, nos deu aula de genética de 01:02:00populações. Eu acho que o professor Bernardo Beiguelman deve ter vindo também. Eu sei que esses professores depois deram no curso, de modo que eu tive ali um embasamento ainda maior, sabe? É, com relação à genética. E já em 69, eu já tinha a ideia de fazer um estágio de-- Com algum pesquisador no exterior, e eu me candidatei tanto pelo conselho britânico, como pela Fulbright. E eu tive a sorte de receber as duas bolsas, né? Quer dizer, teria que aceitar uma delas. E eu pensando, não sei exatamente em tudo, é, porque a bolsa dos Estados Unidos era numa universidade que eu teria que trabalhar também, que eu não era humana, realmente, se eu também tivesse ido para lá, teria sido um trabalho muito interessante. Mas da Inglaterra, eu tinha essa possibilidade de fazer o trabalho em genética humana. E naquela época nós não tínhamos assim, é, digamos, esse hábito, esse costume já da pós-graduação. Eu achei muito importante existir o curso de pós-graduação em nível mestrado no nosso departamento, mas para mim era tão importante fazer pesquisa que na época eu nem percebi que eu nem eu cheguei a escrever, sabe, 01:04:00uma monografia, porque não era ainda exigido um trabalho de peso com dados. Se a pessoa tivesse, eu faria. Mas era o início da pós-graduação do mestrado, então eu até cheguei a escrever uma monografia sobre dermatoglifia, e eu não tinha simpatia pelos dermatóglifos. Você vê que também aí tem uma coisa bastante descritiva, não é? Agora que é porque apesar que faz a relação também com a doença, e mais tarde eu até dei aquela, aquela minha monografia que nunca chegou a se transformar em dissertação de mestrado, que eu já estava querendo fazer mais pesquisas, me aprofundar, não havia aquela-- aquela noção é, importante para a carreira fazer um mestrado, fazer um doutorado, ainda era muito importante naquela época a livre docência. Eu sei que o professor Francisco Antônio Marsalo fez livre docência, e mais tarde, quando eu fui fazer o doutorado, houve um professor meu da universidade, que foi um ótimo professor, que já era meu colega, mas de um outro departamento. Ele não entendeu, por que eu queria fazer o doutorado. Ele falou, "por que você não faz livre docência?". Então eu estou falando isso para você perceber qual era a mentalidade da época. Esse professor é um professor muito bom, e também fez pesquisa, mas ainda não existia, digamos, essa cultura da pós-graduação. Então eu fui mesmo para fazer pesquisa. Não estava pensando em doutorado. 01:06:00Você me perguntou, né, por que que eu fui, não é isso? É que eu fui mesmo porque eu queria me aprofundar em pesquisa.PINA: E qual foi a pesquisa, então, que a senhora fez lá na Inglaterra?
FREIRE-MAIA: Eu, sabe, eu fui para Birmingham. E de lá, é, tinha uma unidade
de-- Eu não lembro o nome da unidade, mas fazia parte do departamento de medicina social. Essa unidade era alguma coisa do desenvolvimento, né? De criança, algo assim. E quem era responsável por essa unidade era o professor John Edwards, o John Edwards foi quem descreveu o caso da aberração, que depois recebeu o nome dele, síndrome de Edwards. Então ele também tinha se dedicado a essa parte de citogenética, mas ele era muito-- E havia lá no, onde eu fui estagiar, análise, digamos, necessária, era algumas salas, mas havia um laboratório e lá eles faziam os cariótipos. Porque ali era no mesmo prédio da maternidade e da unidade intensiva infantil. Que é como o nosso UTI, eu tenho a impressão que eram os primórdios das UTIs infantis. Não imagino que tivesse no Brasil em 1970 já essas UTIs, que tinha essas crianças que já nasciam com problemas graves, muito de genética, e eles faziam cariótipo. E o 01:08:00Edwards, não sei se era uma vez por semana, ele tinha reunião. Eu sempre ia nessa reunião, nessa parte da UTI, para discutir o caso das crianças, o que que parecia genético, que não era, se era problema de problema cromossômico ou não. Mas ele-- ele tinha recebido de um pesquisador importante, é, também inglês de Londres, Renwick, estava muito interessado em estudo de irrigação genética, que é o tipo de estudo na genética da época em que a gente queria descobrir genes próximos no mesmo cromossomo. Então, genes próximos, cuja frequência de recombinação era inferior a 50%, eram chamados de genes ligados. E o John Edwards já tinha desenvolvido um trabalho com uma parte matemática para estudo de ligação em genes ligados ao sexo. E Newton Morton, que é muito importante para a genética brasileira, pesquisador norte-americano, que também é muito importante dentro dessa parte do que eu falei da parte de carga genética, eles tinham desenvolvido uma metodologia matemática para estudo da ligação. E o John Edwards fez algo complementar para, é, ligação com genes ligados ao sexo. O do Morton era genes 01:10:00autossômicos. Então John Edwards estava interessado na ligação, Morton, também, Renwick também. O que que o Morton tinha feito? Ele tinha passado pro Renwick, se não me engano o material da hospedaria de imigrantes que foi coletado em São Paulo. Porque foi um projeto muito grande de Newton Morton. Ele veio ao Brasil, ficou amigo de muitos geneticistas brasileiros, com ele fizeram o doutorado. Henrique Krieger, Eliane Azevedo lá no Havaí, que foi mais tarde para onde ele foi. Mas tanto Henrique como Eliane-- Eu acho que Ademar Freire Maia também trabalhou com ele na parte da hospedaria de imigrantes que era essa hospedaria que recebia imigrantes, principalmente nordestinos, em São Paulo e que eram estudados lá, de certo para várias características. E eu não sei como que isso foi introduzido no projeto do Morton. Então houve ali uma documentação sobre bem mais de 700 famílias de imigrantes, mais de 700, porque eu usei 700, e eu excluí algumas, né? E eles eram estudados, né, sobre o aspecto clínico, por isso que deve a doutora Eliane Azevedo deve ter participado. E era retirada do sangue, saliva, não lembro agora. Mas-- ah, era 01:12:00feito testes também de-- Teste de sensibilidade a uma substância química, a feniltiocarbamida, cuja sigla é PTC. Isso é o que eu estou lembrando. Além dele, muitos outros dados. Então, provavelmente num grande disco, essas informações todas foram pros, se não me engano, para o Renwick, que ele passou para John Edwards, se não me engano.PINA: Para o que? Não deu para entender.
FREIRE-MAIA: Ele passou esse material para o John Edwards. Então aí tem
Morton, o Renwick, John Edwards, todos interessados em ligação genética. O John me ofereceu dois projetos. Um é nesse estudo de ligação com a família brasileiras. O outro eu não lembro [risos]. Acho que desapareceu porque eu já-- Ele mesmo queria que eu ficasse com essas famílias. Eu poderia entender alguns detalhes que talvez eles próprios não estivessem entendendo. Eu então fui fazer esse estudo de ligação genética. O John Edwards tinha uma analista de computador, Karen Glenn, que se tornou minha grande amiga, que tinha desenvolvido junto com ele, mas provavelmente com o expertise dela, os programas de computador para que essas famílias fossem analisadas. Então, a primeira coisa que eu tive que fazer, se não me engano, é codificar esses dados. Que dados eram? Das famílias. Nossa, era muita coisa, porque o Morton tinha mandado esses dados para vários outros pesquisadores, então tinha muito sistema 01:14:00sanguíneo que tinha sido tipado como ABO, RH, MNS, o Kell, Kidd e assim vai. Porque aqui a gente fala muito ABO-RH, mas realmente já naquela época, [R.] Race e [Ruth] Sanger, dois escritores, dois, desculpa, dois pesquisadores de grupo sanguíneo já tinham publicado livros sobre os grupos sanguíneos humanos. Então, era uma infinidade. Também, enzimas, como G6PD, como colinesterase do soro, enfim, várias enzimas. Também o proteínas, como transferrina, como hemoglobina, de modo que muita gente de diferentes partes do mundo fez trabalhos usando esse material. E isso tudo o Morton registrou, estava pronto para ser feito, então, estudo de ligação. E eu, então, nessa época, eu comecei a usar computador. Eu fiz até curso de Fortran também. Eu já tinha levado o livro de Fortran em português, eu fiz também na Inglaterra. Eu aprendi a usar umas máquinas enormes! Se você quiser saber o tamanho, eu não sei ali... Um metro e meio, mais ou menos, e por uns, sei lá, quase um metro e meio de altura ali. Então a gente punha os cartões ali, que já tinham sido perfurados e tinha máquina para perfurar cartão, que a gente digitava o 01:16:00cartão perfurado. Depois a gente podia até classificar aqueles cartões usando aquela máquina grande de classificação que eu falei. E aquilo, então, os cartões eram jogados ali dentro da máquina, então eu tinha quantos que estavam com a-- Digamos, o orifício, no zero quanto, no um quanto, no dois quanto, no três-- Não que nós fossemos fazer o nosso trabalho naquela base, mas a gente sabia mais ou menos as informações sobre-- Sobre essa família. E eu não lembro direito, mas eu devo também ter digitado, mas eu não lembro porque era muita coisa para digitar, e alguma outra pessoa deve ter digitado para mim. Mas o que eu tive que fazer foi o tal do dicionário genético. Eu pegava, por exemplo, a hemoglobina, e era aquela coluna, era da hemoglobina. Então, ali eu ia dar um código: se hemoglobina era normal, você tinha variante S, você tinha variante C e aquilo tudo, então, era codificado com 0-1, etc. E isso foi o tal do dicionário que foi usado, daí, nas análises por computador.Era através desse dicionário que cada família era identificada de acordo com
aquele sistema. Você estava estudando, por exemplo, grupo RH. Através do dicionário, aquela família era colocada como positivo, positivo-positivo, digamos, negativo-negativo, e assim vai. E a criança também era colocada como era, porque se ela era filha de dois negativos com um positivo, então é, 01:18:00enfim, era feito tudo aquilo na base daquele dicionário. E daí havia toda a programação, a gente pegava um par de genes para descobrir se eles eram ligados ou não, se eles fossem ligados, provavelmente, né, era de se esperar que a segregação nos filhos dessa família não seguisse a lei de Mendel da segregação independente, então que não houvesse a chance de 50% de um heterozigoto mandar, né? A dupla heterozigoto para os dois genes, né, distribuir-- Ser distribuído aquilo para os filhos. Haveria uma tendência para que aquilo que já estava junto no pai passasse para o filho com uma frequência, [inaudível] menor que 50%. Se fosse muito junto, dificilmente haveria ali um processo de recombinação para separar. Então, essas crianças todas eram vistas também através desse dicionário. E daí era feita análise por uma análise complexa de matemática que era análise de acordo com o-- De acordo com o trabalho do Newton Morton. No final, havia um resultado para cada família, e como isso, uma análise chamada sequencial, em termos de estatística, nós podemos... Nós podemos somar o resultado que uma família deu com relação a uma análise de um par de genes com outra, com da outra, e 01:20:00até o final de todas as famílias. E no final, se nós obtivemos o que se chama lod score igual a 3, ou superior que 3, aquilo já é um caso de ligação genética, está mostrando que entre aqueles dois genes a frequência de recomendação não é independente, né, menos que 50%. E a gente também tem o pico, porque é testado ali. Nós testamos 10%, 20%, 30, até 50, então várias hipóteses. Ali, então, quando eu dava a ligação, dava um pico às vezes próximo de 20% próximo de 30. Claro que se fosse um valor alto, tipo 30% e 40, precisava um número muito grande de famílias para que a ligação aparecesse.Então também nós trabalhamos com 22 pares de genes. Isso não é muito,
considerando a quantidade de genes no genoma humano, então a possibilidade de descobrir um caso, a ligação também era baixo. Então a gente poderia talvez descobrir uma sugestão de ligação. Porque os casos de exclusão de ligação eram imensos. Porque se dava ali o pico nos 50%, aquilo aumentavam, aumentavam, aumentavam, então a gente tinha certeza que determinados genes não estavam ligados. Isso era um resultado, pode-se dizer, é, um resultado negativo, mas é o resultado. Aquilo não está ligado, ninguém precisa procurar mais. Só que a gente queria achar um que estivesse ligado, né? Ou uma sugestão, de modo que se ficavam e esses eram os resultados negativos, ia subindo, dava menos 11, 01:22:00menos 15, menos 20 agora. O positivo às vezes, dava um e meio. Então isso era uma sugestão para uma continuidade de trabalho. Dava 2 e alguma coisa. E eu achei uma sugestão, que depois foi confirmada por um grupo da-- Na época da Universidade de Indianápolis, nos Estados Unidos. Então, até eu fiquei muito agradecida ao McKusick, na época existia um livro chamado Mendelian Inheritance in Men. Antes das coisas serem digitadas e guardadas em computador, era aquele livro que a gente usava para saber cada doença, cada coisa. E eles no começo eram volumes pequenos. Depois, no final, eram enormes e depois, quando começaram a usar computador, aquilo tudo foi passado para um banco de dados, e eu fiquei muito grata ao McKusick porque ele me coloca como descobridora da ligação entre PTC e Kell. E PTC era aquele-- Aquela sensibilidade à substância química. Na realidade, ninguém sabia o que era esse PTC. Eu mesmo quis desenvolver trabalho nesse sentido. Mas uma vez eu cheguei para a minha amiga, que foi duas vezes presidente da SBPC, a Glaci Zancan, que também é uma mulher de-- Né, eu tenho-- Eu estou dizendo também porque eu sei que você está estudando mulheres, né? Como você já falou ali de algumas que trabalharam na medicina, né? Uma vez eu te falei sobre mulheres e coloquei a 01:24:00Glaci, porque Glaci foi extraordinária como cientista e como--. Como trabalhando na política científica. E a Glaci, eu falei: "Glaci, eu estou querendo ver se eu descubro uma enzima que é ao quebrar essa substância PTC, ela-- A pessoa dependendo se tem enzimas, se tem muito, se tem pouco, vai dar diferença ali naquela parte da sensibilidade, porque essa sensibilidade era quantificada, sabe? Ou não tinha sensibilidade nenhuma, a pessoa punha o pó na boca e não sentia nada, ou sentia super diluída, então, era aquela quantificação. "Glaci, está aí a fórmula aí do PTC". Ela olhou e falou: "Nunca, não tem enzima que corta essa substância. Isso aí é um receptor, Eleidi, é um receptor, não é enzima!". Eu não esqueço disso. Estavam começando a falar em receptor, eu não entendia nada de receptor, então acho que eu devo ter esquecido. Mas eu lembro a data porque o meu marido estava doente. Ele falou "Eleidi, tem um trabalho aqui da Science que está te citando!". Falei: "Science me citando, imagina!". "É sim, Eleidi", ele estava adoentado. E foi ali perto, novembro. Eu até hoje guardei essa revista. Daí eu fui lá e eu estou citada. Tô eu citada e muita gente, que ele fez bem, porque na hora de eu publicar o trabalho, depois posso falar sobre isso-- Só foi publicado no meu nome. O John Edwards não quis participar. E enfim, fui eu que fiquei responsável por aquele trabalho de ligação, e eu fiz um-- eu fiz um 01:26:00agradecimento enorme para todos aqueles que tinham contribuído com os dados. Quer dizer que, que "tiparam" os grupos sanguíneos, proteínas, tudo, né? Mas-- E agora, também perdi. Ah, mas daí um grupo resolveu estudar o que que era, que era responsável pelo PTC. E eles se basearam em um-- Também no trabalho. Eu já não... Eu não sei explicar direito para você, mas eles sabiam que eu tinha dito que estava próximo do KELL. E eu, os outros americanos achavam que estava no outro cromossomo, se não me engano. E eles então estudando lá, um receptor, eles identificaram mesmo, no próprio cromossomo, onde o kel está. E foi um trabalho lindo que eles fizeram. Eles fizeram um trabalho em diferentes etnias, sabe? E realmente a Glaci Zancan tinha razão, era um receptor. O receptor que-- para o gosto, né, que a pessoa tem na boca. Então, esse foi um caso de ligação que dependeu do meu trabalho. E eu segui. Eu segui em outras pesquisas que eu fiz, eu segui um outro caso de-- de sugestão, que era entre, que acho que era entre a colinesterase-- Não lembro 01:28:00se era transferrina. É.PINA: A senhora pode descrever sobre o laboratório lá na Inglaterra e o dia a
dia, assim, como era... A senhora acordava, como era o seu caminho até o laboratório, como era o trabalho no laboratório, as pessoas com quem a senhora convivia...FREIRE-MAIA: Olha, já que eu cheguei o John Edwards tinha conseguido para mim
um apartamento que eu dividiria com uma enfermeira que trabalhava no grande hospital do campus. Isso tudo era no campus da Universidade de Birmingham. E ela era enfermeira na ala de cirurgia cardíaca do Hospital Queen Elizabeth, então o Queen Elizabeth era o grande hospital universitário e ali, onde era que eu trabalhava, na parte da genética, era da maternidade. A maternidade era separada e era maior. Então eu fiquei muito feliz. Até hoje eu sou amiga da Margaret Bus [inaudível] e nós trocamos agora telefonemas, antes era um cartas.. É, até uma das poucas pessoas com quem eu ainda tenho contato daquela época, e-- E aí, era um ótimo apartamento, porque a Inglaterra era complicada naquela época para estudante, tudo era muito caro. Em geral, as casas eram 01:30:00muito velhas e ali era um prédio novo. Eu tinha o meu próprio quarto e a minha própria sala. E nós tínhamos, e Margaret também os dela, e nós tínhamos em comum assim, um hall grande que a gente tinha plantas, a cozinha, digamos, um local do que seria de banheiro, que era separado da parte de privada, então era um ótimo apartamento, maravilhoso, localizado ali no campus, que era um bairro maravilhoso também. O nome era sub hall, o nome do local, eu acho. E o que que tinha de maravilhoso quando eu descia as escadas, que não tinha-- Não lembro do elevador, não tinha não. Quando eu descia aquelas escadas, tinha, havia a recepção. E da recepção para a maternidade tinha um corredor envidraçado e coberto, então se fazia nos frios de inverno, eu saía lá do meu quarto e ia lá trabalhar. Eu não tinha problema nenhum. E o John Edwards, né, achava muita graça de mim, porque eu também trabalhei bastante usando um computador da bioquímica que ficava nesse prédio, eu acho, do Queen Elizabeth. Só que no inverno eu já pegava o primeiro túnel ali, que eu entrasse. nunca ia por baixo das árvores, eu achava muita graça porque os ingleses estavam acostumados. Então eu estava muito bem instalada. E eu fazia refeições no restaurante da 01:32:00maternidade que era para médicos, enfermeiros, os técnicos. Porque ali a maternidade também tinha laboratórios de análises clínicas para as mães e os bebês. E realmente eu, a única coisa que eu-- Eu acho que até de manhã, não sei se eu não fazia meu café da manhã lá. Eu só lembro que eu fazia meu lanche em geral, à noite, no apartamento, de modo que da parte da minha comodidade, assim, naquilo que tem a ver com o que é necessário para a nossa vida, eu fui muito privilegiada. E aos sábados, eu saía e ia no que ele chamava ali da vila. Aquelas lojinhas maravilhosas, pequenas para comprar queijo, comprar verduras. Enfim, o que eu precisava vinha com essa cola. E quando eu precisava ir para o centro também era ali que eu pegava muitas vezes o ônibus também. Então, essa parte foi excelente, e o laboratório lá-- Que eu lembro que nós também, eu aprendi lá alguma coisa de fazer eletroforese que eles não faziam em pesquisa. Mas nós fizemos e o John Edwards uma vez me convidou, já mais para o final da minha estadia, ele me convidou para ir para-- para o departamento de química, não, era de bioquímica. Que lá tinha um técnico que estava extraindo DNA. Então para mim, para mim, aquilo foi extraordinário. Foi a primeira vez que eu vi DNA extraído do ser humano, né?Então ficamos lá, e na hora que-- Aquele no final que ele mexe ali, que sai
01:34:00aquele novelamento, foi uma coisa assim, que inacreditável, e ele deu então, para o frasco com DNA para o John Edwards, levou para o escritório dele e ficava lá, aquele frasco com DNA. Então foi o meu contato assim, de saber que era possível extrair o DNA. Mas isso foi feito no departamento de química, então você veja, era ainda no nível da química, né, o DNA já devia estar sendo estudado para outros organismos, né? Vírus, bactéria. Mas o estudo para a genética humana só se tornou possível depois de ter técnica, né, a técnica de PCR, que abriu esse caminho para o estudo na genética humana e também com o estudo sobre os genes do genoma humano.PINA: Como é que eu o advento dessas técnicas e dessas descobertas também,
como o DNA e a genômica, influenciaram a tua agenda de pesquisa?FREIRE-MAIA: Olha para mim, influenciou. Até, não só, bom, depois eu posso
falar do outro, mas para mim influenciou porque eu tive que saber utilizar essas técnicas, se não a minha linha de pesquisa não avançava, mas eu-- Quando eu vim para o Brasil, eu comecei a usar eletroforese. Comecei a fazer tipagem sanguínea. Eu acho que nós também fizemos tudo de saliva para saber o tipo 01:36:00secretor, se a pessoa era capaz de ter antígenos do tipo AB na saliva. E por muitos anos eu utilizei técnica eletroforese. Depois eu parei com a parte do sistema sanguíneo, mas da eletroforese eu continuei depois, depois eu ainda falo sobre isso. Mas lá por 1990 eu, que eu trabalhava muito com gene, que é o próprio da colinesterase do soro que eu já falei, com que eu tive um certo, digamos, introdução já no meu trabalho de ligação genética. E que daí ele mudou de nome, que se chamou butirilcolinesterase. E eu-- Eu quis estudar a variabilidade da butirilcolinesterase ao nível do DNA. E eu tive na época, o moço que tinha feito um mestrado comigo, Ricardo Lehtonen de Souza. E eu disse, Ricardo, nós temos que entrar na faixa do DNA, e ele já estava interessado, já devia ter lido. E nós vamos fazer um curso no departamento de bioquímica da nossa universidade. E lá, é, tivemos as aulas, né, sobre o DNA, a distração de PCR, não lembro tão bem, porque eu não entrei tão a fundo depois no trabalho laboratorial. O Ricardo, que fez um, fez mais-- E lá nós fomos orientados das aulas eram dadas pelo professor Pedrosa, que foi muito importante também nessa parte para o próprio departamento de genética. Porque o professor Pedrosa, ele-- Ele coordenou um grande estudo de mapeamento de uma 01:38:00bactéria, e outros professores do nosso departamento fizeram parte. E com isso, nosso departamento acabou recebendo, é, muitos, muitos equipamentos para poder trabalhar. Com o DNA, e daí o Ricardo começou e foi a tese de doutorado dele. Foram descritas mutações novas aí no do Ricardo, né? Estava até esquecendo, teve mutação novas do Ricardo, a gente estava interessado em ver certa relação entre a butirilcolinesterase e a altura. Então foi feito esse trabalho, mas isso também abriu para estudo de variabilidade. Eu não sei quantas mutações da butirilcolinesterase nós escrevemos. Escrevemos muitas raras porque os nossos estudos eram populacionais e às vezes as nossas amostras eram de 3.000 pessoas. Então muitas coisas raras foram descritas também. E graças ao Ricardo, é, depois eu-- Trabalhou também comigo, a Lupe Furtado. Os dois são professores do nosso departamento, o departamento que eu criei em 74, que se chama polimorfismos de ligação, teve até esse nome porque para os polimorfismos, o que nos dá uma chance de trabalhar com a variabilidade de trabalhar com a, com a ligação, e como a ligação é que marcou esse início, 01:40:00ficou esse nome até hoje. Então eu os dois são os que hoje coordenam o laboratório de polimorfismo e ligação e quem também trabalhou comigo no início nessa época, e DNA, também foi a Lia Mikami. E a Lia ainda fez um estágio nos Estados Unidos, em Nebraska, com a doutora Oksana Lockridge, que na área da butirilcolinesterase ainda é um nome muito importante. E lá a gente pode estudar melhor aquelas variações do ponto de vista bioquímico. Porque ali foi um departamento de bioquímica. E esse trabalho da Lia também, que eu acho que foi no da Lia, que um pesquisador francês também nos auxiliou para fazer um estudo, também assim de uma área bioquímica, sobre essa qual a substância, como que a butiril seria com aquela mutação e se aquilo traria algum prejuízo para a atividade. Então você veja que é, eu falo às vezes muito para... Antes, não falava mais para os estudantes da importância do pesquisador se atualizar algumas áreas de pesquisa, não tem essa necessidade, né, que elas estejam para trás. Mas a-- Ela, as novas técnicas dentro da genética humana, essas técnicas abriram campos de pesquisa que nunca antes eram imaginados, e nem tinha como estudar. E isso faz com que o progresso seja muito grande. Mas há uma necessidade enorme de atualização. Eu sou testemunha 01:42:00disso porque eu hoje, conforme a pergunta que a pessoa me faça, de algo atual, eu não sei se o que eu vou responder realmente está atualizado, porque eu já estou desatualizada. Isso a pessoa tem que estar trabalhando dentro do laboratório, lendo aquela bibliografia recente, publicando naquela linha. Se não a gente, é, se desatualiza. Em outras áreas, às vezes você não, não se desatualiza da mesma maneira. Então, há uma grande vantagem, porque é um campo que está com sempre, com novas chances, descobertas, caminhos. Mas essa desvantagem para os de mais idade, porque eles saem do caminho.PINA: Como foi a experiência de ser orientada pelo professor
Salzano?FREIRE-MAIA: Olha, eu não fui orientada pelo professor Salzano. Agora eu vou explicar o que que aconteceu. Quando eu voltei da Inglaterra com aquele trabalho muito grande, e que depois houve a publicação, eu lá fui orientada pelo John E. Quando eu cheguei aqui, e eu já, junto com o professor, um trabalho que era do professor Bento Arce-Gomez queria começar, ele me convidou para estudar a ligação numa doença de pele, e eu também já comecei a entrar naquilo e estudar, etc e tal. Daí o professor Newton Freire-Maia me chamou e, 01:44:00de certa maneira, nos-- Assim meio que nos criticam, desculpe, nos criticou. Até ele falou assim, vocês dois estão começando fazer projeto novo, vocês têm é que terminar o doutorado de vocês, vocês têm que fazer o doutorado. Então nos chamou atenção, como eu falei pra você, a gente tava solta assim, mas fazendo pesquisa, só querendo ser pesquisador, cientista, nada a ver de tanta burocracia, mas ele tinha razão. Eu provavelmente, eu tinha começado a escrever a minha tese. Num lembro, exatamente, ele deve ter falado isso-- Eu cheguei em dezembro de 73, ele deve ter falado isso no começo 74. Era isso mesmo, porque nós já fomos para Santa Catarina. Nós já fizemos, tinha médico que estava trabalhando conosco, já fizemos o trabalho que no fim, depois não rendeu muita coisa, mas eu comecei mesmo a escrever, e apesar que o Newton não trabalhava nessa parte de ligação, pela experiência tão grande dele, ele me ajudou bastante, porque ele dizia: "Eleidi, não estou entendendo isso, o que que você quer dizer, qual que é isso?". E não lembro bem, mas ele de certa maneira leu toda a minha tese de doutorado e fez considerações. E tanto eu como Bento Arce-Gomez, nós nos candidatamos como, para fazer o doutorado em Porto Alegre no curso de pós graduação. E lá era, não sei, 01:46:00hoje se ainda é o mesmo nome, genética e biologia molecular, porque um grupo da biologia molecular tinha nessa época ido para Porto Alegre, começaram a unir os dois grupos, não é? E nós nos candidatamos. Eu não lembro exatamente, nós fizemos, é, provavelmente lá tinha muito requisito, mas hoje com certeza não existe mais isso na regulamentação da pós-graduação em Porto Alegre. Mas é que naquela época era o começo do doutorado, e havia pessoas que já tinham trabalhado em genética como eu há 10 anos. publicando, né? Então, em Porto Alegre também devia existir a mesma coisa. Então, não havia nem sentido da gente entrar em curso de doutorado junto com outros doutorandos, digamos, que nunca tivessem desenvolvido tanto a pesquisa, né? Mas eu tive que me submeter a provas. Eu fiz prova de várias disciplinas. Chegava lá fazia, claro que eram provas de que muitas vezes eu tinha que ler trabalhos lá. Decidi fazer. Não era nada, em algumas delas era uma coisa que um pesquisador saberia resolver, né? Em outras não. Já foi mais o que era dirigido para estudante. E daí eu passei, eu passei aí em 70. Nossa, foi muito 01:48:00rápido isso tudo. Que eu passei, e daí mandei a minha tese já para me inscrever. Você vê que foi assim, uma falta de delicadeza com o Salzano-- Talvez eu não devesse nem contar isso. Mas é a verdade. Eu tinha que ter mandado até doutorado para o Salzano, porque ele era o meu orientador oficial do curso.PINA: Entendo.
FREIRE-MAIA: Só que o Salzano ficou chateado comigo, claro. A gente às vezes,
quando é jovem, sabe? Não faz as coisas por mal, é muito impulso. Os homens é, eu noto em algumas outras coisas, às vezes a gente, isso foi uma bobagem que eu fiz. Nunca imaginei que o Salzano, é, fosse se incomodar e o Salzano ainda, eu acho que me chamou a atenção na banca como orientador. E ele falou uma coisa, eu acho que foi na banca, que se eu tivesse mandado, não é, a tese para ele dar uma olhada, não teria feito um erro que eu fiz, de chamar a transferrina de enzima. Ela é uma proteína. Claro que as enzimas são proteínas, mas a transferrina é uma proteína. As enzimas também fazem outras coisas que a transferrina, não faz, então é isso, por isso que você me pescou aqui. Mas eu sempre tive o maior respeito pelo Salzano. Admiração. Amizade. Até o último ano dele, eu lembro que eu mandei parabéns pelo aniversário dele e logo depois ele veio a falecer. Eu não sabia da doença do Salzano. E o Salzano foi muito bom para mim, como ver como uma pesquisadora 01:50:00independente recente. O Salzano me ofereceu material para eu estudar a variabilidade da butirilcolinesterase nas amostras dele de comunidades indígenas e comunidades também ali ribeirinhas, sabe? Eu sou muito grata ao Salzano. Eu só não continuei depois com pesquisas com Salzano, eu acho que por porque as que eu estava fazendo com o Salzano não tinha a ver com aquele assunto. E elas foram feitas, e era um sistema, o meu sistema não era muito, assim, não trazia tanta informação sobre tanta variabilidade como outros. Mas sempre tive uma grande amizade pelo Salzano.PINA: Quais foram as pesquisas que a senhora desenvolveu com o professor Salzano?
FREIRE-MAIA: Eu tenho pesquisas com comunidades indígenas, sabe? [pausa] Eu
agora não vou lembrar os títulos. Mas eu acho que é sobre, com vários grupos indígenas. E foi com a-- Com a variabilidade da butirilcolinesterase.PINA: Então a senhora chegou a desenvolver pesquisas com essas amostras que o
professor Salzano ofereceu?Eu desenvolvi alunos, meus desenvolveram-- Eu depois também trabalhei com um
pouco da amostra de indígenas que colegas meus coletaram aqui no Paraná por-- 01:52:00Para o professor Cavalli, professor Euclides Fontoura Júnior, e depois com a professora Maria Luiza Petzl-Erler. Ela foi minha orientada de mestrado. O doutorado que ela fez na Alemanha, ela começa depois uma linha independente aqui como professora do departamento de genética da UFPR, e ela trabalhou com o HLA, com vários sistemas ligados à defesa do organismo, né? E ela depois trabalhou muito com o doutor Salzano, também com as comunidades indígenas. Trabalhos muito interessantes.PINA: Em algum momento você teve contato com os sujeitos humanos que deram
origem a essas amostras?FREIRE-MAIA: Com as comunidades indígenas, não.
PINA: Mas em outra pesquisa, por exemplo, naquela, na-- Na Curitiba 3 você
tinha contato, né, com as pessoas?FREIRE-MAIA: Curitiba 3-- Eu também fiz um estudo de ligação em que eu
colaborei junto com Newton Freire-Maia, Marta Pinheiro e também um dos meus colaboradores, é, Sérgio Luiz Primo-Parmo. Nós estudamos a displasia ectodérmica, crise [inaudível] Renner, e visitamos várias-- Algumas cidades ali do sul de São Paulo, Norte de Minas. Coletei sangue, fiz, fizemos o 01:54:00trabalho, tive contato com essas pessoas. Eu tinha contato, tive contato com os casos também de distrofias muito musculares. Pessoas que trabalharam comigo tinham também, às vezes, contato com os doadores de sangue. Mais tarde a gente já conseguia as amostras vindas ali do centro, né, de-- Agora esqueci o nome do centro aqui de-- Doadores de sangue aqui do Paraná. Porque, bem no começo, não existia esse centro e era na saúde pública que eram coletados amostras de sangue. E eu lembro de pessoas que trabalhavam comigo para coletar o sangue lá. Então a gente tinha até contato com o doador. E claro que trabalhos que foram feitos com pessoas com doenças também tivemos contato.PINA: Nesses casos que você teve contato, como que era interação com a pessoa?
FREIRE-MAIA: Ah, sempre muito boa. Em geral, não é? É raro, às vezes,
alguém que-- Houve uns ou outros casos às vezes que as pessoas não estavam entendendo, não é, da gente estar estudando uma doença e que é mesmo que a gente não fosse oferecer nenhum medicamento, ou um tratamento para elas, aquele 01:56:00conhecimento é um conhecimento que podia depois ser usado no futuro. A gente sempre dava essas explicações. E elas diriam participar ou não, né? E foram raras as pessoas que se negaram a doar sangue.PINA: Bom, é, como era a experiência, assim, de dividir a casa com o seu
marido e depois estar no laboratório com ele. Dividir o laboratório também com ele. Como é que se dava essa relação?FREIRE-MAIA: Não, eu acho até que eu vou contar do início, né, porque ele
era meu professor. Então, quando eu voltei da Inglaterra, eu lembro que o Newton chamou o Bento e me chamou, que éramos os mais antigos ali, praticamente. E daí na nossa conversa, não sei, nós fomos resolver algum problema e ele disse: "Vocês dois podem-- Vocês são meus colegas, vocês podem me chamar de Newton". Porque até aquele momento, eu voltando da Inglaterra, eu sempre o chamei de professor Newton Freire-Maia, então chamava de professor Newton, não chamava de doutor. Talvez até no sentido, porque ele era o nosso professor mesmo, não era o problema do título. E sempre foi. E então ali que começou Newton, ele estava viúvo, não sei se há uns dois anos. Eu não, não tinha interesse nenhum assim. E também tinha uma certa dificuldade, né, porque eu sempre o via muito como meu professor. Mas ele sempre foi um homem de muita segurança, isso em todos os aspectos, eu acho. E eu sempre tive uma amizade enorme por ele, e então as coisas foram começando, né? E daí, realmente nos casamos em-- Em março de 74, não, mas 73 é que eu 01:58:00estava aqui. É eu-- Eu errei um pouco em algo que eu falei antes. Aquele trabalho com o Bento Arce foi em 74.PINA: Qual trabalho só para gente deixar registrado.
FREIRE-MAIA: Porque na realidade, em 73 é que eu estava aqui. É, é aí não,
está tudo certo, eu acho. Em 73 eu comecei o trabalho com o... Talvez eu tenha feito uma confusão em 73. Eu fiz aquele trabalho com o Bento. Newton me chamou a atenção, nós tínhamos que fazer doutorado.PINA: Ah, sim.
FREIRE-MAIA: E daí, talvez até tenha sido esse dia que ele mandou a gente
chamar de Newton. Não sei porque de certo, ele quis amaciar um pouco, não sei, mas aí então em 73 é que eu escrevi, comecei a escrever a tese, a minha de doutorado e só foi a defesa em 74. É, agora está certo. Mas em 73 que Newton começou a me convidar para sair como uma amiga, mas a coisa foi engrenando. De certa forma, eu acho que já foi mais para o segundo semestre de 73 que ele começou a me convidar, acho que foi. Então, enfim, lá por 74, em março, nos casamos. Então você me pergunta, né? Quando eu casei com o Newton, já estava com um trabalho de pesquisa independente, porque eram as-- Eu comecei na linha que eu tive nos, na Inglaterra, mas fazendo projetos mais modestos só sobre um par de genes, seguindo sugestões de ligação, e sempre, às vezes, eu ainda 02:00:00participava de algum trabalho dele como colaboradora. Nós, no começo, eu não lembro se ainda é, eu acho que quando casamos, ainda estávamos onde eu comecei, no laboratório de genética, que é no prédio ali próximo da reitoria, daí nós nos mudamos para um outro prédio. E logo estava sendo construído o setor de ciências biológicas, daí. Depois desse segundo prédio, nós fomos para o futuro setor de ciências biológicas. Mas nesse prédio, que hoje funcionam instalações da educação física, cada um tinha sua sala, nós sempre tivemos sala separada. E mesmo no antigo, né? Eu também tinha minha sala antiga e ele a dele. Então, nós sempre-- Quando eu precisava de alguma coisa, perguntava, discutíamos. Ele sempre me deu tudo o que ele escreveu para que eu lesse. E eu fazia o mesmo com o que eu tinha. Eu sempre falo para os estudantes isso, mas nem sempre às vezes isso é bem entendido, sabe. É muito importante, a gente dar aquilo que a gente escreve, o escritor deve fazer isso também, né? Na área da literatura. Porque sempre o outro vai ter alguma consideração, ou ele vai achar que algo não está bem escrito, ou, 02:02:00claro, ou vai descobrir mesmo alguma palavrinha que está errada, vai ver que alguma certa tabela podia ser feita do outro jeito. Então é muito importante alguém na ciência da tua área, é muito importante que quem participa das bancas seja da tua área, daquela área. De maior até, mas se possível, da especialidade, quando isso é importante. Isso porque eu acho que isso, isso melhora a qualidade dos trabalhos. Todos nós temos que ter um pouco de exigência sobre nós, para nós melhorarmos, isso é do ser humano. Eu tenho sempre às vezes falado sobre isso e eu sempre fiz muita crítica, sabe? Que nem eu, eu acho que em noventa e tantos por cento das vezes eu fui entendida. Aí fiz bem, mas nem sempre, nem sempre. Daí eu vim a descobrir que há pessoas que realmente não aguentam críticas, então é meio complicado. Quer dizer, que talvez o orientador deva antes perguntar ou dizer, né? "Você é uma pessoa que gosta de ser, é, eu vou corrigir aqui". "Como que você é, até onde você aguenta a crítica". Não sei, tem que ser aberto. Porque há pessoas que têm muita dificuldade, sabe? É muito estranho isso porque a área científica é uma área em que você está sempre sujeito a críticas. Depois que você manda o teu trabalho, ele vai para os assessores, né? De editor, e depois ele, ele é 02:04:00publicado e aquilo lá está lá para qualquer um criticar. Então, é, ele, quanto melhor ele estiver feito, vai ser melhor, não é?PINA: Então, quando a senhora casou com o professor Newton, a senhora já
estava numa linha de pesquisa independente da dele, mas vocês chegaram a desenvolver algum projeto de pesquisa juntos?FREIRE-MAIA: Eu colaborei nesse, nesse trabalho dessa síndrome, é, crise
[inaudível], que é o CST. E eu, junto com o Sérgio Primo-Parma, nós coletamos sangue, coisa que o Newton não iria fazer, nem a Marta. E nós, é, examinamos esse sangue e fizemos a análise de ligação, um gene do cromossomo X. Nós podemos, com os dados que nós tínhamos, que não eram muitos, em geral com doença a quantidade de informação de poucas pessoas e tudo. Mas nós, pelos nossos cálculos, nós chegamos à conclusão de que aquele gene poderia estar próximo de alguma coisa lá, agora já não lembro bem, demos uma localização aproximada, e isso depois com os genoma humano, se confirmou. Então, esse trabalho nós levamos a nossa área, a nossa linha de ligação para fazer o trabalho junto. Outras vezes eles estavam fazendo um trabalho, lembro de algum caso eu disse com as ectodérmicas, havia necessidade de, eu lembro de um mais ou menos, havia necessidade de uma-- De uma análise aritmética, eles pediram para eu ajudar, eu fiz, na displasia. Bom, eu 02:06:00continuei trabalhando com o Newton na redação dos trabalhos que eu te comentei dos Curitiba 3, porque eu já estava casada quando nós fomos para fazer análise lá multifatorial, nos computadores, sabe? De Brasília, já estava casada com o Newton. Quando eu fui para lá, então, os-- Aquele trabalho de consanguinidade. Nós ainda trabalhamos juntos depois para a redação para análise. Não que eu tô lembrando mais.PINA: Em algum momento a senhora percebeu, assim, sentiu que foi mais vista como
a mulher do cientista, esposa do cientista, do que como uma cientista?FREIRE-MAIA: Olha, eu mesma, assim, no meio de científico dos geneticistas, eu
nunca senti isso da parte deles e delas nunca. Talvez porque eu já tivesse começado a fazer parte das reuniões. Já em 65, eu fiz parte de reunião apresentando sobre esse projeto Curitiba 3, eu lembro da Margarete Mattevi naquela minha primeira reunião, lembro de outros geneticistas de área de citogenética. Claro que o Salzano estava presente. Os meus colegas, então, isso pode ter me ajudado, porque nove anos antes de eu casar com Newton, eu já 02:08:00estava fazendo a minha carreira e eu participava das reuniões da Sociedade Brasileira de Genética, que no começo eram feitas junto com a sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência. E vários deles, então, reconhecia o Bernardo Beiguelman, o Saldanha, Henrique Krieger e Israel Rosenberg, mas houve um momento em que o Israel Rosenberg me falou, eu não sei se foi na banca de doutorado minha, que ele disse assim, que ele me valorizou diante, provavelmente das pessoas que lá estavam. Estudantes também, outros professores novos, que ele fala, eu, eu sempre gostei demais do Israel. E ele falou que eu ali eu era uma geneticista, um não tinha nada a ver com o fato de eu ser a mulher do Newton Freire-Maia. Então, é, foi a única vez que eu, eu não sei as palavras que ele usou, porque ele era uma pessoa boníssima e muito delicado. Foi uma grande amizade, a minha banca que eu lembro, teve o [Oswaldo] Frota-Pessoa, o Salzano como orientador oficial, o Henrique Krieger, o Aldo Araújo, né, de Porto Alegre, e eu acho que o Moacyr Mestriner. Não tenho certeza se o Moacyr estava no doutorado. Sei que ele esteve na de catedrático, mas era uma banca de peso, super peso. Foi muito interessante a minha banca. 02:10:00PINA: Conta mais a experiência da tua banca, então, por favor.
FREIRE-MAIA: Eu lembro, sabe, que o Frota, o Frota deve ter implicado que
algumas vezes eu usava a palavra locus, que se usava já aqui também, e loci. Os ingleses falavam muito locus e [inaudível]. E o Frota falou assim: "Para que usar locus e loci, se nós temos a palavra loco e locos". Isso eu não esqueço, porque eu também depois fui muito defensora do uso do português em lugar do inglês, eu até já era, mas nisso do locus, talvez, porque locus é uma palavra latina, né? E na hora que você não está sendo, não é um anglicismo que você está colocando ali, porque na hora dos anglicismos, nossa, eu sempre usei as palavras, é, assignment, os ingleses usavam. Até foi o Newton que me orientou a usar a palavra atribuição, várias palavras, sabe? Que tinha a ver com a ligação, porque depois eu fiz um outro trabalho de divulgação, então, foram usados essas palavras em português, então, isso eu lembro do Frota, lembro isso do Israel, você vê, faz muito tempo, não é? 48 anos. Muita coisa, né, para lembrar, muita coisa.PINA: Mas a senhora lembra bastante. Olhando para a sua trajetória como
02:12:00cientista, qual-- qual pesquisa, qual o projeto de pesquisa, assim, que a senhora diria que foi a mais relevante, mais marcante na sua carreira?FREIRE-MAIA: Olha, eu vou, eu vou dar assim dois aspectos. Eu acho que tudo tem
sua importância, eu acho que esses meus trabalhos, por exemplo, de consanguinidade com Newton Freire-Maia. eles foram muito importantes também para me soltar assim na genética de populações, porque sempre trabalhei muito com genética de populações, tanto populações estudando características normais como patológicas. E eu tive essa chance depois em Brasília, também de me inteirar muito de análises multifatoriais, né, que entram várias, muitas variáveis, usando regressão múltipla e outras técnicas, né? Isso, claro que começou cedo e terminou lá na década de 80, eu então, aí como o trabalho que foi para a minha formação, eu acho também o trabalho feito na Inglaterra. Essa pesquisa sobre esses 22 pares de genes, ela também me trouxe uma capacidade maior para fazer uma, desenvolver pesquisa independente. E também abriu, assim, a minha mente para os estudos de genética, com o grupo sanguíneo com proteínas, como enzimas, porque antes, no departamento, ali era tudo muito em geral, é, estudos de casos patológicos do ponto de vista clínico 02:14:00descritivo, exame clínico com raras exceções.Depois, quando eu estava lá, já o professor Francisco Antônio Marsalo, ele
iniciou o laboratório de citogenética, dentro do laboratório de genética, e aí começou a ver também pesquisas com citogenética. Já tinha havido alguma coisa também com o grupo sanguíneo com Henrique Krieger, também trabalhou lá, mas aquilo quando eu entrei já não existia. Então, é, e isso também abriu esse caminho para eu ter um leque maior de características para estudo, e ter também o início dessa linha, independente de ligação genética, que não foi muito longe por causa das dificuldades financeiras, dos auxílios e também porque começou a haver logo um progresso muito grande nessa área, com novas técnicas, com técnicas de hibridação somática. Também, se eu fosse até estudar ainda, tentar fazer ligação somática, provavelmente quando eu fosse terminar, eles já tinham até resolvido a maior parte. Eles faziam hibridação de células humanas com células de roedores, e as células, eu acho que humanas, eram perdidas, se não me engano agora. E eles iam estudando à medida que eram perdidas, de culpe, eram perdidos os cromossomos humanos, e à medida 02:16:00que eles vinham sendo perdidos, aquilo ali sendo estudado do ponto de vista da expressão de proteínas e enzimas, e de, digamos, se sobrasse um cromossomo humano, eles já sabiam através do que aquelas-- Ela estava produzindo do ponto de vista humano. Eles já sabiam que os genes responsáveis por aquelas proteínas, aquelas enzimas, estavam naquele cromossomo que tinha sobrado daquele híbrido somático. Então eu também, é, eu fui atropelada por essas novas técnicas, né? Mas é-- É que não era trabalho para ser feito com as verbas que nós tínhamos. Da forma como eu fiz na Inglaterra, que na Inglaterra você vê, a gente já recebeu aquele trabalho, aqueles dados que muitos tinham colaborado. Muitos, então, haveria necessidade de uma extrema colaboração, tinha que ter muita gente colaborando, e também os trabalhos de ligação são caros também, né? Você ter tantas famílias para poder examinar. Mas foi a ligação também, estudar ligação que fez eu tomar um novo caminho junto com o professor Sérgio Luiz Primo-Parma. E que ele foi meu orientado em mestrado, foi desenvolvido um trabalho de ligação genética com a enzima butirilcolinesterase, porque na minha tese do doutorado havia uma sugestão de ligação. E o que que eu fiz quando cheguei em Curitiba? Antes de falar do Sérgio.Quando eu cheguei em Curitiba, eu aceitei para publicação desse trabalho feito
02:18:00na Inglaterra. E eu não tinha laboratório aqui. Eu comecei o poliformismo de ligação recebendo do professor Eglemir Carvalho em uma geladeira velha, tendo lá um pouquinho de dinheiro para comprar uns aparelhinhos muito mixuruca para fazer eletroforese. Sei lá, frascos, essas coisas, mas era, era uma pobreza, era uma pobreza. Então, lá num canto lá eu comecei o laboratório, de modo que eu não tinha como ter dados que eu obtivesse. Daí, eu utilizei algo que é certo, que eu tive é... Era uma época em que muitos pesquisadores publicavam no final do seu trabalho os dados, aqueles dados estavam livres para serem usados por outros, então, o pesquisador, às vezes fazia um trabalho sobre uma doença. Está lá os dados, e assim foi... Eu peguei a literatura da genética humana, e essa que tinha dado de enzimas assim. E fui atrás de todos esses trabalhos e fiquei, acho, procurando famílias que pudessem me dar informação sobre a ligação. O trabalho do autor não tinha nada a ver com ligação, às vezes, em geral. Então, com isso, eu juntei algumas famílias e fiz análise, como eu já tinha falado, essa análise é de um-- É método de sequência, né? É, numérica, então eu pude somar ao que eu já tinha, então, aquela sugestão de ligação foi aumentada de modo que precisava estudar aquilo. Aí 02:20:00eu já estava com o laboratório, certo, um pouco mais implementado e, junto com o Sérgio Luiz Primo-Parmo, que estava fazendo mestrado comigo, foram estudadas famílias, através de provavelmente de amostra de sangue que nós tínhamos, ou que o Sérgio coletou, mas que o Sérgio coletou também-- E daí, tivemos um certo grupo de famílias, que se apresentavam como informativas para dois locus, e então nós fizemos a análise. Só que com esses novos dados nós excluímos a ligação. Foi um trabalho publicado, você vê que houve dois anteriores a ele que mostraram sugestão, mas sugestão baixa. E esse foi feito com dados nossos, né? Também tem isso, pode ser que às vezes tivesse alguma coisa batida errada naquelas coisas que eu copiei, né, só me ocorreu isso agora, né? É, mas de qualquer maneira, então, foi, foi válido, foi publicado e aquilo acabou.PINA: A ciência é assim, não? Ela é feita de processos.
FREIRE-MAIA: É, isso é bonito da ciência.
PINA: Também acho.
FREIRE-MAIA: Ela se autocorrige, não é?
PINA: É. Me chamou a atenção da senhora, descrevendo o seu laboratório, não
é, como ele era, pobrezinho, no início, bem básico, e depois a senhora foi 02:22:00montando e pode até coletar os próprios dados, descreve mais pra gente esse esse processo de montar o teu laboratório, os teus esforços, da onde veio as verbas?FREIRE-MAIA: Por favor. Aliás, verbas que eu lembre sempre vieram do CNPq.
Naquela época, né? Depois, mais tarde, até junto com outros pesquisadores, recebi da FINEP, recebi da Fundação Araucária, mas nessa época não existia isso. E eu nunca quis receber dinheiro que não fosse público. E então--PINA: Por quê?
FREIRE-MAIA: Eu acho que na nossa época também nem havia quase isso, a menos
que o dinheiro fosse dinheiro... Porque você não tem tanta liberdade, né? E você nunca sabe, né? Se uma empresa vai, vai querer te patrocinar em alguma coisa, se qual a intenção dela, né? Enfim, talvez fosse por isso demais, mas não, mas é bem, realmente eu também nunca, ninguém... Não vou dizer que não tivesse havido ali um toque mais tarde, mas uma, dizer que assim, que tivesse uma coisa bem estabelecida aí, como é, aberta assim. Como uma doação, não lembro. Mas eu devo muito ao CNPq. E, infelizmente, o CNPq teve fases muito duras. Governos muito difíceis, que liberaram muito pouca verba para ciência. E então isso atrapalhou muito. Agora, só para se ter uma ideia: no começo, a gente fazia o teste, chamado de inibição enzimática. A gente 02:24:00descobria se aquela pessoa tinha a variante ou não da enzima, por inibição enzimática, a gente pegava o plasma dela, colocava lá uma série de substâncias químicas, colocava numa outra as mesmas coisas, sem o soro da pessoa, sem seu plasma. E daí a gente deixava no banho-maria para que reagisse. A gente teria que fazer a leitura, claro que visualmente a gente já via que tinha alguém ali que era variante, porque não, não conseguiu inibir as substâncias químicas que estavam ali, que davam cor. Quando a pessoa era do tipo comum, inibe a-- Não dava praticamente cor ou se desse era uma coisa pequena, mas para gente ter o dado com segurança quantificado, a gente tinha que ter espectrofotômetro que a gente não tinha.Então, o que que a gente fazia? Eu acho que até na época foi bem no começo,
eu tinha um FUX [inaudível], vaga do tipo FUX, a gente pegava, punha todos aqueles tubos de ensaio na prateleirinha de tubo de ensaio, entrava no FUX, não sei se o Sérgio segurava, se a gente punha no chão, não sei se nós íamos ao departamento de bioquímica que era no centro. Ali deve dar uns 5, 6 km, mas não tinha quase também, na época não tinha movimento. Entravam no departamento de bioquímica, que na época não era departamento, era instituto 02:26:00de bioquímica e era da nossa universidade e funcionava no prédio antigo, que é um prédio famoso, um ícone daqui nosso, das colunas gregas. E daí nós fazíamos a leitura lá ali, que nós tínhamos uns dados. E eu às vezes falo essas coisas porque hoje em dia tudo é dado na mão, né? E todo mundo já estava animado com isso. Se eu fosse esperar o espectrofotômetro não teria feito seu trabalho. E depois nós tivemos necessidade de um espectrofotômetro. Depois eu tive esse espectrofotômetro para fazer isso, o que eu fazia na bioquímica, só que mais tarde nós avançamos no nosso espectrofotômetro, tinha que ter um outro comprimento de onda. E eram com aspecto, por outro, muito caros. Eu lembro que eu pedi ali no CNPq, o grupo técnico não me deu. Quer dizer, o grupo de assessores, né? E me deram um dinheirinho que dava para comprar um outro que eu já tinha, então a gente usava do departamento de física, que os físicos têm, às vezes, essa necessidade de ter coisas tão precisas, né? Só mais tarde que eu consegui comprar esse. Então, a minha carreira, assim ela foi, é, sendo feita com muita falta, muita falta. Eu, quando era mais jovem, eu isso me tocava muito e me deixava bem triste. Mas, aos poucos, as coisas vão acontecendo, né? Eu acho que isso também depende para 02:28:00que aconteça. Claro que depende de Presidência da República, isso não há dúvida de que põe como ministro da Ciência e Tecnologia, de quem põe como ministro da CAPES, ministro disso, quer dizer de presidente CNPq, não há dúvida. Mas também é muito importante o desenvolvimento da ciência, sabe? E hoje a ciência, eu acho que se desenvolveu muito. Infelizmente, a ciência não está sendo valorizada como deveria, por quem deveria, por quem está na cúpula. Isso é uma pena. Não sei quanto vai demorar para que aqueles que estão sendo prejudicados agora consigam atingir o que eles teriam atingido se as condições tivessem sido as adequadas. Mas depois de um certo tempo para mim também as coisas ficaram mais fáceis, sabe? Eu nunca teria trabalhado com DNA se as condições fossem iguais às anteriores, não ia ter dinheiro. Depois todos esses-- Esses insumos, né, esses esses produtos químicos que a gente comprava, é tudo importado. E tudo acrescido também de problemas de certo do câmbio. E tudo tem validade, você tem que fazer uma estratégia econômica para não perder o que você tem, há coisas que nós fizemos, por exemplo, quando eu comecei, até a Maria Luiza, a minha orientada-- Foi minha segunda 02:30:00orientada, ou primeira. Maria Luiza acho que foi a minha primeira orientada. Primeira foi a-- Desculpa, Maria-- Maria Angelina Canever de Lourenço, depois de Maria Angelina, depois do Sérgio Luiz Primo-Parmo. A gente tinha dinheiro para poder comprar o-- Como é, até agora esqueci o nome da palavra, é, para fazer o gel. Que era a marca, era [inaudível] e era produzida, se não me engano, pela Escócia. Nós não tínhamos para fazer o gel, para colocar no gel as amostras de soro para fazer a corrida eletroforética. Não tínhamos, era muito caro. Então, Maria Luiza e Sérgio fizeram testes com vários amidos, amido hidrolisado, fizeram um teste com vários tipos de amido aqui nossos, e chegamos a conclusão que a maizena era muito boa para nós, era suficiente. Então você veja o tempo que a gente gastou para poder usar, para fazer as eletroforeses. Eu sei que outros departamentos mais ricos tinham o [inaudível] como não tínhamos, nunca tivemos. Depois ficou na base mesmo da maizena e tudo bem. E depois a gente também trabalhou com outros tipos de eletroforese, né, com Polietilenaminas. Daí a nossa maizena foi esquecida. Então você viu, eu contei duas coisas aí, da maizena, contei usando o espectrofotômetro do instituto de bioquímica, e quando comecei aquela pesquisa com Bento Arce-Gomez, 02:32:00sobre aquele problema de pele lá de Santa Catarina, foi a primeira vez que eu fiz coleta de sangue. E eu não tinha experiência mesmo, e quis me cuidar tanto, que o cuidado excessivo, que até as hemácias foram arrebentadas, mas deu para usar, por exemplo, plasma até um pouco daquilo, mas onde que eu ia por aquelas, aqueles tubos todos. Não tinha, não tinha congelador aqui no nosso laboratório. Então, me cederam freezer do Hospital de Clínicas, do banco de sangue do Hospital de Clínicas. Houve essa boa vontade. Ficou muito tempo lá, até que eu tivesse dinheiro para comprar freezer. Três coisas aí. Então a pessoa tem que ter muita força de vontade. E eu agradeço ter tido, sabe? Foi bom. E também a ajuda das outras pessoas. E ajuda dos meus orientandos foram excepcionais.PINA: Eu tenho uma última pergunta, é, só que antes de fazê-la, a gente já
vai para 2 horas e meia de entrevista, uma entrevista muito rica. Eu gostaria de saber se a senhora tem disponibilidade para uma próxima conversa, se for o caso, para mais uma conversa outro dia.FREIRE-MAIA: Pode ser sim.
PINA: Ah, tá bom! Vou fazer a última pergunta, então, é, eu queria saber
02:34:00como é que é para a senhora conciliar, é, teu caminho de cientista e a tua fé.FREIRE-MAIA: Ah, interessante isso! Pois é. Eu acho que é um pouco misterioso.
Mas, a fé é algo que é fácil de conciliar com a minha parte científica, porque a fé é algo interior. Não depende de religião. Religião é uma coisa, fé é outra. Você até pode participar de uma, ser um cientista e participar de uma religião. Mas, se você for acreditar em muitos dogmas, você vai contra a ciência. E eu, nesses aspectos, fato, quem responde o fato é a ciência Então eu sei de cientista que é de religião fundamentalista, que é da linha biológica, e não acredita em evolução. Então aí é uma coisa muito estranha. Então, isso daí não é possível no meu caso. Mas, eu acho que, claro que isso é uma maneira de pensar. Eu acho que eu já nasci com uma certa tendência para esse lado, mais da espiritualidade. E mesmo que eu tenha passado um tempo grande, agnóstica eu, hoje eu vejo que isso foi uma característica minha de criança, e eu também nasci com uma tendência 02:36:00científica, uma tendência que podia não ter desenvolvido. Isso de criança, eu me lembro de mim, com insetos, fazendo o perfume com flores, isso pequena. Então no grupo, eu, não tinha nada a ver com a professora, isso é no que ele chamava grupo escolar, ensino ali antes da quarta, do quarto ano, né? Então, antes dos 10 anos, com 9-8 anos, então, isso, essa minha ligação com a natureza, ela foi muito grande. Agora, como que eu posso te explicar melhor? Eu... Aí, quando, há uns 20 e tantos anos, não, mais, 30 anos, mais ou menos, eu voltei para a religião católica. Porque foi ali que eu fui numa, no momento de uma neta, minha neta, está sendo crismada que isso aconteceu dentro de mim, e eu tive uma luta muito grande dentro de mim naquele momento. E eu percebi que eu podia voltar para a igreja católica. Claro que eu, quando eu voltei eu tive vários caminhos, assim, várias pessoas, vários grupos diferentes em que eu participei, que me ajudou muito. Talvez se alguém fosse me fazer um questionamento, assim, é, sobre a religião católica, a pessoa no final poderia dizer, você não é católica. Isso também não tem a menor 02:38:00importância para mim, sabe? Então eu, eu não tenho, eu não tenho que me prender com dogmas. Eu não preciso deixar de achar que a teoria da evolução é o que explica essa diversidade, evolução biológica, não tenho. Não tem importância, apesar que mesmo dentro dos, dos religiosos, hoje, são raros os que não acreditam na teoria da evolução. Agora, o problema do criacionismo é que o criacionismo, da forma como ele é posto, ele coloca como se o mundo fosse criado da forma como está escrito na bíblia. Aquilo é uma, se você que é historiadora, aquilo é uma história, uma narrativa, é algo que vai tocar o coração, que vai desenvolver a espiritualidade, né? Então, eu, eu consigo, porque realmente, mesmo que eu vá, gosto às vezes de assistir uma missa, estar ali, mesmo que eu comungue, eu tenho muita liberdade. E de forma nenhuma isso poderá negar alguma coisa da ciência, de forma nenhuma. Agora, o desenvolvimento de uma espiritualidade, algo interior, de você acreditar que há algo mais, e não querer explicar, também, aceitar o desconhecido, isso é algo, que no meu caso, me fortalece. Não, não tem grandes coisas assim, não 02:40:00quero explicar nada. Não quero explicar como vai ser depois da morte, se existe ou não existe, não, não tem que explicar nada, porque realmente não há o que explicar na minha opinião. Não há o que explicar. Eu acredito que haja, que haja algo além do que nós vemos, tocamos, podemos entender pela ciência. Faz parte da minha forma de ser. Mas eu tive que ter uma luta pra entender essa minha parte. Eu estava confundindo as duas coisas, quer dizer, tentando misturá-las, não, não tem que misturar nada. Não sei se ficou claro.PINA: Sim, sim, muito. É, eu estou aqui para ouvi-la, ouvir as tuas
convicções, assim, é muito, muito interessante isso. Bom, professora, eu vou levar a nossa entrevista ao nosso grupo de pesquisa. É, a senhora tem, antes de eu falar as considerações finais, a senhora tem alguma coisa que gostaria de acrescentar sobre qualquer assunto?FREIRE-MAIA: Não, acho que está bom. Depois você talvez faça alguma outra
pergunta, alguma coisa que não ficou clara, né?PINA: Sim, sim, é porque também a sua trajetória é muito grande, né, muito
rica, tem muita coisa que a gente pode conversar e explorar.FREIRE-MAIA: Uma coisa que eu não falei e que no momento eu ia falar, mas
depois eu mesma mudei o curso ali. É, mas eu não, hoje, agora eu já estou um 02:42:00pouco cansada, talvez eu quisesse falar um pouco que depois do falecimento do Newton, eu tentei, é, trabalhar para que não morresse a linha de displasias ectodérmicas no departamento de genética. Então, isso eu posso falar um pouquinho.PINA: Sim, com certeza, vai ser um prazer e vai ser muito rico para a pesquisa
te ouvir falar disso sim. Então eu entro em contato com a senhora para a gente marcar uma próxima entrevista. É, uma segunda parte, né, na verdade, outro dia. Te agradeço enormemente em nome de toda equipe do projeto, da professora Rosanna Dent, do Instituto de Nova Jersey, da professora Ana Carolina Vimieiro Gomes, que é minha orientadora na UFMG, e também agradeço toda a sua contribuição à ciência nacional. Muito obrigado.FREIRE-MAIA: É, eu que agradeço. Fico muito honrada assim de você ter me
convidado. Foi uma surpresa, mas eu fico feliz de ver que vocês querem saber dados da história da ciência, por que isso é importante, é importante para os mais novos saber como que as coisas eram. E o desenvolvimento foi grande. O desenvolvimento, por exemplo, dos cursos de pós-graduação, a formação de pós-graduandos em termos de recursos humanos foi extraordinária. Foi um grande trabalho feito pelos professores das universidades, principalmente públicas. Então isso é algo que tem que ser, é, mostrado, para ver o valor que isso tem, que não pode se deteriorar.PINA: Sim, no nosso próximo encontro, eu gostaria de conversar mais também sobre a SBPC, os encontros da Sociedade de Genética... A senhora comentou comigo que conheceu a Olga, né? E o meu, a 02:44:00minha dissertação de mestrado, ela foi muito baseada em cima da SBPC, da revista Ciência e Cultura. Não lembro se eu comentei com a senhora, então eu tenho proximidade com esse assunto e seria bem interessante para mim ouvir sobre isso também. Mas aí na próxima a gente conversa.FREIRE-MAIA: É, deixa eu até te dizer uma coisa que eu possa esquecer da outra vez, não sei se você sabe que toda a correspondência que o meu marido recebeu tá, está na Unicamp.PINA: Sim
FREIRE-MAIA: E ali deve ter cartas que a Olga e o Baeta escreveram para o
Newton. E eu sei que o Newton os visitou quando estava na OMS, e ele como diretor lá, ele foi ver projetos. E ele esteve, eu não sei se ali no momento era Moscou. Eu acho que ele foi, então, eles tiveram sempre-- Eu vou procurar para você uma foto em que eu apareço com a Olga.PINA: Ai, que legal [risos].FREIRE-MAIA: Eu acho que é a Olga. Eu não sei se Eline está junto, mas eu tenho certeza que o Beraldo está. O Beraldo também foi alguém tão especial.PINA: Sim
FREIRE-MAIA: Né, da parte da bradicinina. E está o Baeta que eu lembro. E foi
uma reunião da SBPC, que eu acho que foi uma daquelas complicadas do ponto de vista político, por causa da faixa que está atrás, ela é uma--PINA: Aquela icónica, né?
FREIRE-MAIA: É icônica, é isso mesmo, tá bom, querida?
PINA: Outras fotos também que a senhora tiver de departamento de laboratório,
qualquer foto, assim, qualquer documentação que a senhora tiver nesse sentido, seria muito bom também.FREIRE-MAIA: [risos] Eu acho que eu tenho uma aqui. Deixa eu ver [Eleidi se
levanta e procura as fotos] é, mas eu vou procurar para você. Olha, olha a diferença minha aqui, não sei... Aqui eu acho que eu era, não sei se eu já 02:46:00era professora do departamento. Olha ai. [Risos]PINA: [risos] Que foto legal! Que foto bacana!
FREIRE-MAIA: Agora que eu vi que aqui atrás tá do meu também, do meu alunos.
PINA: Ah, que legal.
FREIRE-MAIA: Está o Ricardo, que eu falei, enfim, eu vou mandar algumas coisas.
PINA: Mande sim.
FREIRE-MAIA: Eu, eu tiro, eu tiro-- Não sei como é que eu faço, talvez eu
tire foto e mande para você, né?PINA: Tem um, depois eu te mando no WhatsApp. Tem um programa que é para
digitalizar documentos pelo celular, e aí ele fica bem bom. Mas eu lhe mando no WhatsApp. Tá bom?FREIRE-MAIA: Tá. Outra coisa que eu quero te dizer, é, às vezes-- É um. É,
eu sei que às vezes eu posso não estar lembrando muito ou não um nome, uma coisa, se você realmente fizer, às vezes eu dei só o primeiro nome, não dei todo, coisas desse tipo. Você pode às vezes me fazer a pergunta pelo, também WhatsApp, e eu respondo, que daí eu consulto. Às vezes tem pessoas ali, talvez eu não tenha dado o nome certo, sabe? Dei o nome, por exemplo, Renwick, que eu não lembro o primeiro nome dele, coisas assim.PINA: Vai ser muito bom. Nós vamos transcrever essa entrevista e nós vamos
fazer um índice onomástico, né, uma lista de todos os nomes próprios que a senhora citou durante a entrevista, e essa transcrição, ela volta para a senhora.FREIRE-MAIA: Tá ótimo, daí eu completo.
PINA: Boa, obrigada, viu, professora? Até uma próxima.
FREIRE-MAIA: Obrigada. Tudo de bom.
PINA: Para a senhora também. Tchau.FREIRE-MAIA: Tchau.
02:48:00